Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ANALISE DA SITUAÇÃO EDUCACIONAL DO BRASIL.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • ANALISE DA SITUAÇÃO EDUCACIONAL DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2000 - Página 5811
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ENSINO PUBLICO, BRASIL, AUMENTO, DADOS, DESISTENCIA, DESAPROVAÇÃO, ATRASO, ALUNO, INFERIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO, SUPERIORIDADE, NUMERO, ANALFABETISMO, RESTRIÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO CARENTE, UNIVERSIDADE, INSUFICIENCIA, ATENDIMENTO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AMBITO, EDUCAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, DISTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, REAJUSTE, GRATIFICAÇÃO, PROFESSOR.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, INFERIORIDADE, RECURSOS, EMENDA, ORÇAMENTO, ATENDIMENTO, EDUCAÇÃO.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são inúmeros os nossos problemas, esparramados pelos quatro cantos de nosso País, a clamar, cada qual, por solução urgente.  

São problemas de distribuição de renda, desequilíbrios regionais, malversação de dinheiro público, ineficiência industrial, quebra de safra, déficit da previdência...  

Enfim, um conjunto de temas que precisam e são trazidos à tona para discussão e debate nesta Casa por sua própria natureza substantiva.  

Dentre eles, todavia, existe um que, a meu ver, por sua importância ímpar, anda esquecido e necessitando de especialíssima atenção pelo que significa para todos nós: a educação.  

Não é novidade a afirmação de que, em nosso País, a situação do ensino público é um desastre e causa profunda consternação e vergonha.  

O ensino básico, que em qualquer país do mundo civilizado é prioridade nacional, aqui é colocado à margem, relegado a segundo e terceiro planos, salvo pouquíssimas exceções e, nestes casos, restritas ao ensino privado, inacessível à maioria da população.  

A educação universitária, então, é quase que exclusivamente dirigida à classe dos privilegiados, praticamente inatingível aos pobres. Com um agravante: a esmagadora maioria dos acadêmicos que hoje tem assento nas universidades públicas é oriunda das escolas particulares, aquelas às quais os pobres não têm acesso. Um exemplo dessa constatação é o fato de que 70% dos estudantes da USP, a Universidade de São Paulo, considerada como uma das melhores deste País, são jovens saídos das escolas privadas.  

Não será novidade eu dizer que apenas a metade dos alunos que se matriculam no primeiro grau de nossas escolas públicas conclui a oitava série.  

Menos novidade ainda é a constatação de que, dessa metade que conseguiu obter o diploma, mais de 50% é incapaz de resolver problemas elementares de matemática, de entender o que leu ou de escrever uma simples redação com começo, meio e fim.  

A conclusão disso tudo, que também não é novidade, é que, em meio a nós, no campo e nas cidades, perambulam 20 milhões de analfabetos e outro tanto de semi-alfabetizados sem nenhuma condição para o exercício de quaisquer funções. São homens e mulheres que tiveram negados o direito de estudar, um direito inalienável previsto em nossa Constituição.  

Homens, mulheres e crianças relegados à própria sorte, a quem o Estado deveria abrir as portas para uma vida melhor e que, ao contrário, contribui para sua condenação à eterna exclusão.  

Os bancos escolares, que deveriam ser propulsores da mobilidade social e da correção das desigualdades, a continuar do jeito que está, estão a contribuir, isso sim, para a perpetuação da iniqüidade e do privilégio.  

Sr. Presidente, meus nobres Colegas, não tenho a pretensão e nem de longe me passa pela cabeça traçar os rumos da educação em nosso País. Para isso, confio na experiência e formação do Ministro Paulo Renato de Souza, como também confio nos milhares de brasileiros e brasileiras que se dedicam à causa da educação e que, tenho certeza, estão, como eu, preocupados com os rumos atuais de nosso ensino.  

Ademais, não possuo formação pedagógica e sou respeitadora de searas alheias. Baseio este meu trabalho em apoio aos que buscam o fio da meada para a materialização de um sonho nacional: um ensino realista, que vá ao encontro dos anseios da sociedade e que, acima de tudo, prepare o jovem para sua plena cidadania.  

Conheço de perto muitos mestres, professores, reitores...enfim, uma quase infinita lista de profissionais do ensino que são verdadeiros sacerdotes da educação, que sobrevivem com parca remuneração e piores ainda condições de trabalho, mas que tudo fazem para colocar nos trilhos do progresso a causa que abraçaram.  

Certo é - e aplaudo - que o Presidente Fernando Henrique já demonstrou e mantém sua preocupação com o ensino brasileiro. Prova disso são os inúmeros programas que visam colocar e manter nossas crianças em sala de aula; que promovem a farta e sistemática distribuição de material e merenda escolar e, por último, a criação do FundefFundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -, cujos recursos vão diretamente para as escolas, eliminando a burocracia e outorgando aos diretores das escolas a liberdade de sua aplicação conforme suas necessidades.  

Também é verdade - não nego – que, se olharmos pela ótica do macro universo, salas de aula e espaços físicos não são problema em nosso País. Existem de sobra em quase todo o território nacional, salvo algumas raras e compreensíveis exceções. Mas faltam professores; faltam carteiras; falta material didático, e muitas vezes não chega a merenda escolar.  

Nos grandes centros, não é raro vermos nos noticiários, tem-se a escola, os professores, toda a infra-estrutura, mas falta segurança e falta orientação sistemática voltada à formação social do educando.  

Esta semana mesmo - também aplaudi -, o Presidente Fernando Henrique assinou medida provisória, concedendo 30% de reajuste na Gratificação de Estímulo à Docência para 43 mil professores de ensino superior e, na mesma medida, criou a Gratificação de Incentivo à Docência para cerca de 14 mil professores do ensino fundamental, que terão uma gratificação linear de 60%, ambas retroativas a janeiro do ano em curso.  

Em contrapartida, contrariando a expectativa mundial, apenas 1 em cada 15 jovens brasileiros, entre 20 e 24 anos – a faixa etária considerada ideal para esse ensino – está na universidade.  

Se compararmos esses números com a Europa, onde apenas 20% dos jovens estão fora das universidades, o Brasil precisará crescer cerca de 10% ao ano, durante 15 anos, para atingir somente 30% da média internacional de matrículas universitárias. Esses dados, Sr. Presidente, são oficiais, fornecidos pelo Ministério da Educação.  

Então, meus nobres Pares, concluímos que, apesar dos pontos positivos que existem – e reconheço existirem -, algo continua dando errado. Algo não funciona. Alguma coisa foge do eixo e, incompreensivelmente, faz manter esse estado de coisas que a ninguém interessa e que todos dizem querer sanar.  

Uma coisa é certa: não podemos continuar patinando diante da avalanche que é a globalização mundial, que engole os que se atrasam e põe a reboque os despreparados.  

É visível, claro como o dia, que corremos contra o tempo diante de uma acirrada disputa de mercados, onde o intelecto, a capacitação profissional e o aprendizado são exigências número um nessa verdadeira guerra onde o mais bem armado é quem retém e aprimora conhecimentos.  

Infelizmente, as estatísticas oficiais não nos permitem dizer diferente.  

Se é verdade que um em cada três brasileiros vai diariamente à escola, seja para ensinar ou para aprender, também é verdade que 65% dos brasileiros acima de 15 anos não completam 8 anos de estudos, período mínimo determinado pela Constituição.  

Se de um lado nos parece louvável e positiva a queda do índice de analfabetismo, que declinou de 20,1% em 1991 para 14,7% em 1997, de outro lado temos que a média nacional de escolaridade é de apenas 6 anos por habitante, metade do que a Unesco considera ideal para que seja superada a linha de pobreza.  

Também contra nós paira o inaceitável índice de que quase 50% dos alunos da educação básica – que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio –, estudam em séries não correspondentes à sua idade, em virtude dos altos índices de reprovação ou, pior ainda por causa do abandono escolar.  

De positivo, temos que, no ensino médio, nos últimos 7 anos, o número de alunos quase dobrou, chegando a 7,8 milhões de matriculados. Foi o crescimento mais significativo havido dentre todos os níveis de ensino.  

Entre 98 e 99, as matrículas aumentaram 11,5%, chegando a 17,1% na Região Norte e 14,2% na Região Nordeste. Nesses dois anos, dois Estados se destacaram como campeões de matrículas: Minas Gerais com 24% e Pará, Estado de V. Exª, Sr. Presidente, com 23,9%.  

Mas, de novo, no meio de tão alvissareiras notícias, temos que somente 30% de todos esses jovens entre 15 e 17 anos hoje continuam matriculados nesse nível de ensino. O restante foi reprovado ou abandonou os bancos escolares.  

De acordo com a Unesco, a Colômbia mantém matriculados 50% de seus educandos de nível médio, e o Chile, 55%. O índice europeu, apenas para ilustrar, chega a 80%.  

Com referência ao ensino fundamental, em 1999 o Brasil chegou a atingir o índice considerado excelente pela Unesco, registrando a marca de 95,8% de crianças entre 7 e 14 anos matriculadas, coisa que só acontece em países de primeiro mundo.  

Nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste esse índice atingiu 96%, enquanto que nas Regiões Norte e Nordeste a percentagem não passou dos 89%, uma amostragem clara de que, nestas regiões, está a maior parte de nossas crianças excluídas. Esses dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão do MEC, também nos dão conta de que, nas oito séries do ensino fundamental, 36,7 milhões de crianças tiveram matrículas efetuadas. Entretanto, ao lado dessa satisfação, temos graves deficiências assumidas pelo próprio Ministério da Educação: a proporção entre professor/educando, cuja média nacional é de 27 alunos para cada professor, índice muito aquém do ideal de 16 crianças por mestre, e a constatação de que apenas um entre três alunos matriculados tem idade entre 7 e 14 anos, fruto dos altos índices de repetência.  

No ensino fundamental também foi louvável o aumento da carga horária, antes de 667 horas/aula ano, para as 800 horas atuais. Mas o que acontece? Na prática, isso não está funcionando. Além de artifícios legais que justificam a ausência do professor, nem todos os Estados possuem condições de manter um quadro de professores substitutos.  

Finalmente, temos a educação infantil, uma inovação inserida na Lei de Diretrizes e Bases, destinada às crianças de menos de sete anos e uma atribuição exclusiva dos Municípios. A idéia, que veio para atender a crianças de até três anos em creches e de 4 a 6 seis anos em pré-escolas, ensejando seu maior desenvolvimento e rendimento conforme escalasse etapas, não se consumou. Infelizmente, apareceu uma pedra no caminho da educação infantil: o próprio

Fundef, que, ao estabelecer prioridade para o ensino fundamental, provocou uma paralisação no crescimento das matrículas nessa etapa.  

Em 1998, não muito diferente do que continua acontecendo nos dias de hoje, o censo escolar mostrou que apenas 5% de nossas crianças de até três anos estavam freqüentando creches, o que, frontalmente, agride o Plano Nacional de Educação, que, como meta, estabelece chegar ao final deste ano atendendo, no mínimo, a um terço das crianças brasileiras nessa faixa etária, especialmente as de baixa renda.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é um assunto extremamente polêmico. O tema aumenta sua complexidade quando somos conscientes de que, no Brasil, a soma de nossos professores e alunos equivale à população da França e do Reino Unido juntos; ou, se preferirem, ao dobro da população do Canadá. Neste instante, percebo que não é sensato enveredarmos pelos caminhos da acidez ou da crítica inconseqüentes.  

Este meu pronunciamento, portanto, é um chamamento, um clamor para essa causa que, já disse, deve continuar sendo prioridade um no rol de nossas preocupações maiores; uma questão que deve merecer atenção especial no Orçamento da União e, quiçá, sirva de um sério alerta para que, a tempo, consigamos impedir que sejamos tragados pela avalanche da globalização.  

Uma pequena prova disso foi a repercussão negativa que causou a matéria do Correio Braziliense do dia 22 recém passado. Em letras garrafais, lá estava a chamada pejorativa: "O País do esporte eleitoreiro". Logo abaixo, um resumo do principal tópico da matéria, informando que nós, Senadores e Deputados, na Comissão de Orçamento, aumentamos em mais de 1.000% os recursos para a construção de quadras esportivas contra apenas 2% para a educação.  

Absolutamente, não me preocupou muito a matéria em si, que considerei precipitada, uma vez que o Orçamento nem votado foi ainda, e também pelo fato de que, mesmo não tendo elaborado emenda para quadras esportivas, não vejo inconveniente algum em fazê-las. Afinal, esporte também é educação e nossos jovens necessitam de locais adequados para o exercício dessas atividades, que são salutares e reconhecidas como parte da formação sadia de qualquer pessoa.  

Serviu, sim, a matéria, para também alertar-me sobre a questão educacional em nosso País. Deu-me a oportunidade de inteirar-me desses números que hoje trago a V. Exªs.  

Este meu trabalho, repito, antes de refletir apenas minhas preocupações, reflete o anseio da sociedade que busca a materialização de um sonho nacional: um ensino realista que, acima de interesses políticos de grupos ou pessoas, vislumbre um Brasil inserido em um mundo concorrente, regido pela lei da natureza, sem tempo de dar a mão a quem se queda ou se perde no atual caminho traçado rumo à plena realização: a educação.  

Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigada.  

 

s.¸ ù


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2000 - Página 5811