Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APELO PARA APROVAÇÃO DAS REFORMAS POLITICA, PARTIDARIA E ELEITORAL.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. REFORMA POLITICA.:
  • APELO PARA APROVAÇÃO DAS REFORMAS POLITICA, PARTIDARIA E ELEITORAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2000 - Página 6375
Assunto
Outros > SENADO. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, JADER BARBALHO, SENADOR, PRESERVAÇÃO, REPUTAÇÃO, SENADO, IMPEDIMENTO, ATRASO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, REFERENCIA, ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, URGENCIA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, REFORMA POLITICA, COMENTARIO, IMPLANTAÇÃO, EXCLUSIVIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, OBJETIVO, BUSCA, IGUALDADE, CONCORRENCIA, CANDIDATO, ELEIÇÕES.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos nós, Senadores, acompanhamos preocupados o confronto entre os Senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho. Não vou pedir a nenhum dos dois que assine a paz ou mesmo o armistício. Certamente quem é alvo de acusações, principalmente acusações graves, há de cuidar para que os fatos sejam esclarecidos e nenhuma dúvida paire sobre a sua honradez. Mas o apelo que faço a ambos é no sentido de que, primeiro, mantenham esse debate no limite da civilidade, em nome da imagem desta Casa; segundo, que a disputa não impeça nem retarde a tramitação de importantes matérias ora submetidas à apreciação desta Casa, como aquela sobre a qual vou agora discorrer.  

Nós, brasileiros, já nos acostumamos a ver o ano começar efetivamente apenas depois do Carnaval. E nós, Parlamentares, em anos eleitorais, a ver a atividade legislativa terminar em junho.  

Mas creio que, neste curto período de quatro meses, o Senado prestaria um grande serviço à nação se levasse a cabo a urgente e relevante tarefa de votar e aprovar a reforma política, partidária e eleitoral. Muito tempo já foi perdido nessa área, com a nossa agenda sendo freqüentemente atropelada por prioridades outras e mesmo por conveniências políticas as mais diversas, tanto da situação, quanto da oposição.  

Agora, no entanto, o já irrefreável desencadeamento das ambições, planos e negociações com vistas ao pleito de 2002 nos obriga a rechaçar quaisquer novas delongas e protelações, sob o risco de o difuso descontentamento com as distorções, os defeitos e os desvios de nosso sistema representativo degenerar em um descrédito generalizado das regras do jogo democrático.  

Como sempre faço questão de assinalar, parece-me que o ponto principal - e não apenas um dos principais - da reforma política consiste na introdução do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Isso porque os crescentes abusos do poder econômico e a manipulação das máquinas administrativas, a serviço da reeleição dos atuais mandatários ou da eleição dos amigos do poder, constituem um foco preocupante dessa perigosa epidemia de cinismo e desafeição democrática, não apenas no Brasil mas em outras importantes nações do mundo.  

Na legislatura anterior, os Senadores Edison Lobão e Pedro Simon apresentaram projeto de lei destinado a ampliar e fortalecer o Fundo Partidário, a fim de que o Poder Público pudesse participar, de modo decisivo e exclusivo, no financiamento das campanhas, a exemplo do que ocorre em democracias maduras ao redor do planeta.  

No início do ano passado, projeto do mesmo teor voltou a ser apresentado pelo Senador Pedro Simon. O PLS nº 151/99, que "dispõe sobre a destinação de recursos orçamentários para o custeio das campanhas eleitorais", encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tendo como Relator o Senador Sérgio Machado, a quem, por sinal, coube a relatoria do conjunto de proposições da reforma política desde que esta começou a ser discutida no Senado Federal, há mais de cinco anos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o financiamento público não pode nem deve ser ingenuamente encarado como panacéia para o problema quase universal da corrupção e do abuso do poder econômico nas eleições, mas sim como um recurso que procura nivelar minimamente as condições de disputa entre os vários candidatos.  

Hoje no Brasil, o desequilíbrio e a desigualdade são simplesmente brutais e desvirtuam por completo o jogo democrático. Os custos tecnológicos e organizacionais das campanhas estão ficando cada vez mais altos. Enorme vantagem levam aqueles que têm a máquina governamental a seu serviço, ou que contam com acesso fácil ao financiamento empresarial, ou, então, que dispõem de vastos recursos próprios.  

Os candidatos pobres, de oposição e que têm seu acesso aos doadores privados bloqueado em razão das pressões do próprio oficialismo, vêem suas chances desaparecer a cada eleição.  

As experiências e dificuldades enfrentadas por outras democracias com o financiamento público devem-nos servir de orientação para o aperfeiçoamento de nossa própria legislação.  

Assim, nos Estados Unidos, onde são cada vez mais fortes os clamores por limites às contribuições e aos gastos de campanha, segundo nos informa a página da Embaixada Americana na Internet, candidatos às eleições presidenciais devidamente qualificados (na prática, aqueles que pertençam aos dois principais partidos) podem receber recursos públicos para as suas campanhas. Tais recursos provêm de um fundo especial do Tesouro americano, financiado exclusivamente por contribuições voluntárias de quem opta por destinar 3% de seu imposto de renda federal a tal fundo.  

Os candidatos presidenciais Democrata e Republicano, indicados em função dos resultados das primárias estaduais de seus respectivos partidos, podem receber uma dotação da FEC (Comissão Federal Eleitoral), destinada a cobrir todas as suas despesas de campanha à eleição geral, mas estão proibidos de gastar acima desse valor. No pleito presidencial de 1996, essa dotação chegou a US$61,82 milhões por candidato.  

Contudo, Sr. Presidente, é claro que o grosso das contribuições financeiras na política americana continua fluindo do setor privado. A última grande onda de reformas na legislação eleitoral data de 1974, na esteira do escândalo Watergate.  

Os hoje famosos PACs (comitês de ação política) foram estabelecidos, à época, para contornar a proibição de doações provenientes de empresas, sindicatos, detentores de contratos com a administração pública e estrangeiros. "Contornar" parece ser a palavra certa, pois, dos cerca de 5 mil PACs em funcionamento hoje nos Estados Unidos (cada um desses comitês com teto de doação da ordem de US$5 mil por candidato), a grande maioria é controlada, na prática, por poderosos interesses empresariais e sindicais.  

Mais recentemente, as distorções aumentaram com o uso generalizado do chamado soft-money. Trata-se de uma quantia ilimitada de recursos privados, que podem ser destinados aos partidos para atividades gerais de fortalecimento institucional e mobilização cívica, mas que acabam sempre reforçando o caixa dos candidatos.  

Isso para não mencionar as persistentes denúncias, veiculadas pela mídia americana, de canalização de doações ilegais de conglomerados asiáticos para a última campanha da chapa Democrata Clinton/Gore, ou a existência de uma "tabela de preços" para magnatas dispostos a pagar pela honra de um café da manhã na Casa Branca e mesmo de um pernoite no quarto de Lincoln...  

Atualmente, nos Estados Unidos, com uma campanha senatorial orçada, em média, na faixa de US$4,5 milhões, calcula-se que cada senador seja obrigado a levantar a bagatela de US$14 mil por semana durante seus seis anos de mandato, a fim de cobrir essas despesas, sobrando-lhe pouco tempo para legislar no interesse nacional...  

Apesar de tudo, o potencial de transformação da realidade embutido na crescente revolta do cidadão americano médio contra esse descontrole acaba resultando inócuo por dois motivos. Em primeiro lugar, os contribuintes rejeitam o ônus do financiamento público exclusivo.  

Em segundo lugar – e ainda mias importante -, desde uma decisão proclamada em 1976, a Suprema Corte dos Estado Unidos interpreta qualquer limitação às contribuições e aos gastos eleitorais como inconstitucional, por ferir o princípio sacrossanto da liberdade individual.  

É bem verdade, Sr. Presidente, que, em outros países, como a Grã-Bretanha, berço histórico do liberalismo, esse princípio é contrabalançado por uma exigência de eqüidade. Lá, as despesas eleitorais são limitadas, praticamente, pela proibição de campanhas na mídia eletrônica. As únicas formas de propaganda que restam, em conseqüência, são comparativamente bem mais baratas: anúncios em jornais, cartazes de rua e o bom e velho corpo-a-corpo com o eleitorado. De qualquer forma, o gasto máximo por candidato é fixado legalmente em 8 mil libras esterlinas.  

Da mesma forma que o eleitorado americano, o britânico tende, em sua maioria, a repudiar o financiamento estatal das eleições.  

Outra é a realidade em boa parte da Europa continental, onde as dotações públicas destinam-se a atenuar as disparidades financeiras entre os partidos. O dinheiro público é distribuído entre as agremiações proporcionalmente às cadeiras ocupadas no parlamento ou ao desempenho alcançado nas eleições.  

Na Bélgica, o financiamento público é exclusivo, estando proibidas as doações tanto de empresas quanto de sindicatos. Já na Espanha, são permitidas as contribuições privadas, até um máximo equivalente a US$80 mil.  

Na Alemanha, que também adota o financiamento público não- exclusivo, inexistem limites às doações privadas. Porém, nem mesmo toda essa liberalidade foi capaz de impedir o recente escândalo financeiro que pôs um ponto final constrangedor à brilhante carreira do ex-chanceler democrata cristão Helmut Kohl, o pai da reunificação germânica, além de ter motivado o suicídio do principal assessor financeiro do seu partido, a CDU.  

Nesse caso, o crime foi cometido contra o imperativo da transparência, na forma de uma "caixinha" secreta, já agora estimada em mais de US$17 milhões, e que incluía até mesmo doações de mercadores de armas para que o governo chefiado por Kohl até 1998 aprovasse a venda de material bélico à Arábia Saudita.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o relato dessas vicissitudes internacionais não nos deve fazer desanimar do crucial objetivo de dar ao Brasil um sistema equânime, eficaz e transparente de financiamento de campanhas eleitorais, baseado exclusivamente em recursos públicos.  

Ao contrário, o balanço atento e meditado de tais experiências leva-nos a concluir que apenas o financiamento público exclusivo é capaz de oferecer uma alternativa concreta às distorções endêmicas aos atuais sistemas "privados" ou "mistos" de custeio de campanhas.  

Absolutamente essencial ao triunfo dessa proposta será a nossa capacidade de mostrar à opinião pública brasileira, com desassombro, coragem e franqueza, que o custo de R$7,00 por eleitor alistado, conforme o projeto de nosso colega Pedro Simon, será muitíssimo mais que compensado pelos amplos benefícios morais, políticos, cívicos e sociais de um processo eleitoral fidedigno, límpido e veraz.

 

Paralelamente a isso, toda a nossa honestidade, toda a nossa sinceridade deverão ser investidas em explicar aos nossos concidadãos por que valerá a pena arcar com as exigências adicionais de um mecanismo efetivo e expedito de divulgação e fiscalização do uso dessas dotações públicas, com punições rápidas e pesadas para quem transgredir as novas regras.  

Afinal, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, isso é o mínimo que os eleitores esperam de cada um de nós: coragem para mudar, determinação para inovar, clareza para informar e sinceridade para comunicar.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2000 - Página 6375