Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR ESTRATEGICO DO PETROLEO E A ANUNCIADA VENDA DAS AÇÕES DA PETROBRAS.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR ESTRATEGICO DO PETROLEO E A ANUNCIADA VENDA DAS AÇÕES DA PETROBRAS.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2000 - Página 6574
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROIBIÇÃO, VENDA, AÇÕES, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), PRESERVAÇÃO, RESERVA ESTRATEGICA, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, CONTRADIÇÃO, INCOERENCIA, RESPOSTA, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, REFERENCIA, MOTIVO, VENDA, AÇÕES, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, INICIO, GOVERNO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), COMPROMETIMENTO, PATRIMONIO PUBLICO, AREA ESTRATEGICA.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois do dia desgraçadamente cinzento que esta Casa viveu ontem, é natural que este plenário esteja entristecido e esvaziado. Mas isso não nos impede de discutir questões da maior importância para o nosso País.  

Na próxima semana, espero esteja na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos o projeto de nosso autoria que proíbe a venda das ações da Petrobras.  

Começo citando algumas frases que não são minhas; pertencem ao poderoso Alan Greenspan, presidente do Banco Central norte-americano. Diz ele: "Petróleo é assunto de segurança nacional. Não se mexe nas reservas estratégicas da Nação; seria um erro fazermos isso."  

Considero reservas estratégicas da Nação as ações ordinárias da Petrobras.  

"Eu sempre pensei nas reservas estratégicas de petróleo como reservas para a eventualidade de uma crise séria, a suspensão do fornecimento do petróleo do Oriente Médio ou alguma catástrofe. A alta do petróleo e as reservas estratégicas estão além da economia." Palavras do presidente do poderoso Banco Central norte-americano.  

No Brasil, estamos na iminência de assistir à dilapidação de um patrimônio extraordinário do povo brasileiro, com a venda das ações da Petrobras. E olhem que, hoje, a empresa produz 70% do que consumimos de petróleo no nosso País e, neste ano de 2000, teremos um crescimento de 15%. Produzimos 1,3 milhão de barris de petróleo por dia e consumimos 1,8 milhão de barris de petróleo por dia. O próprio Presidente da República, há poucos dias, em jantar com os Senadores, informava que brevemente o Brasil será auto-suficiente em petróleo.  

Vejam que há uma evolução fantástica: em 1979, a Petrobras extraía apenas 160 mil barris de petróleo - e o País consumia 1,1 milhão barris/dia.  

Por outro lado, é preciso destacar a valorização do petróleo no mundo. No ano de 1999, o petróleo teve um aumento de US$10 o barril; e, já no início deste ano, foi para US$34 o barril. Sem dúvida, petróleo é uma questão de estratégia econômica para qualquer país do mundo.  

Nós, no Congresso, estamos discutindo se vendemos as ações da Petrobras. O Governo não discute mais: o Governo quer vender as ações da Petrobras, e responde a um pedido de informações que formulei nos seguintes termos:  

 

Com a venda das ações da Petrobras depositadas no FND, além de atender aos objetivos definidos pelo Programa Nacional de Desestatização, o Governo pretende contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais propiciando uma boa oportunidade para que novos investidores participem do mercado de ações...  

 

Seria necessário o Governo vender ações da Petrobras para estimular novos investidores a participarem do mercado de ações no Brasil? É a esse custo que pretende o Governo estimular o mercado de ações no nosso País?  

Parece-me, essa justificativa, sobremaneira primária.  

Além disso, o Governo pretende, com a venda das ações, colocar a empresa na bolsa de Nova Iorque, abrindo "novas alternativas de captação para a empresa, que lhe proporcionarão melhores condições para financiar seus investimentos".  

Isso é uma contradição, porque adiante o Governo responde que vende as ações da Petrobras para pagamento da dívida pública do País. É de se indagar qual resposta deve ser levada em conta: a deste item, em que se afirma que os recursos serão utilizados para financiar novos investimentos da empresa, ou a do próximo item, que lerei a seguir, onde se diz que esses recursos serão utilizados para abater a dívida pública brasileira. Aliás, abater o quê com esses recursos insignificantes diante do gigantismo da dívida pública brasileira?  

O Governo também não informa quanto arrecadará com a venda dessas ações, porque já falou em R$3 bilhões; depois, em 4, 5, 6 e até em R$8 bilhões. É bom comparar, lembrando que o Brasil paga mais de R$7 bilhões/mês só de juros e serviços da dívida. Paga mais de US$ 90 bilhões/ano de juros e serviços da dívida.  

 

Assim, o objetivo do Governo é vender [continuo lendo a resposta ao meu pedido de informação] os 31,72% de ações ordinárias de sua propriedade excedentes do capital da Petrobras. Na verdade, trata-se da venda das ações que o Governo detém, além dos 51% que lhe garantem o controle acionário da empresa. Além disso, a venda dessas ações será feita de maneira pulverizada, e os recursos obtidos irão diretamente para o Tesouro Nacional para o abatimento de dívidas.  

 

Portanto, em um mesmo item da resposta afirma-se que os recursos serão utilizados para financiar novos investimentos da empresa e, ao mesmo tempo, abater dívidas da União.  

Por esse motivo, o Governo incluiu no Programa Nacional de Desestatização (PND) a venda das ações ordinárias nominativas e ações preferenciais da Petrobras.  

Logo a seguir, a resposta sobre a indagação que fizemos sobre quanto restará para a União das ações da Petrobras.  

A União ficará, portanto, com 50% mais 1 ação. Não 51% como se diz aqui no item anterior.  

Portanto, essa resposta ao pedido de informações é eivada de contradições e incoerências. A União fica com 50% mais 1 ação das ações ordinárias e sem nenhuma das ações preferenciais. Isso significa fragilizar sobremaneira o controle de capital por parte da União.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou a outra resposta:  

 

Em reunião realizada em 22/02/2000, o Conselho Nacional de Desestatização aprovou a modelagem de venda das ações que excedem o necessário para o controle da Petrobrás pela União.  

A modelagem aprovada para a venda pulverizada das ações através de uma oferta pública internacional composta de "tranches" internacional e doméstica. A demanda doméstica terá alocação garantida, sendo as sobras destinadas ao mercado externo. Dentro da modelagem, estão previstos incentivos para estimular a demanda interna das pessoas físicas, a saber: utilização do Fundo de Garantia...  

 

Aliás, é uma outra questão que devemos discutir, porque, há pouco tempo, esta Casa recebeu informações da Caixa Econômica Federal de que os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço não poderiam ser utilizados para abatimento de mensalidades escolares, tampouco para pagamento de mensalidades nas universidades privadas do País, porque isso esvaziaria a Caixa Econômica Federal no que diz respeito a uma função fundamental sua, que é estimular a política habitacional no País. E como pode o Governo pretender que R$3 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço sejam utilizados na aquisição de ações da Petrobras? É preciso explicar melhor essa questão. Se não é possível utilizarem-se recursos do FGTS para algo fundamental para o cidadão trabalhador, que é a sua profissionalização através da educação, sob a alegação de que esses recursos são insuficientes, como poderiam ser suficientes para atender à aplicação de R$3 bilhões em aquisição de ações da Petrobras? Fala-se na pulverização para evitar a centralização dessas ações em mãos de grupos econômicos estrangeiros. Argumento também falacioso. Sabemos que esses acionistas minoritários não resistirão à tentação do lucro quando oferecerem valores superiores àqueles que foram pagos na aquisição dessas ações.  

Ainda recentemente, uma empresa telefônica da Espanha veio a São Paulo e ofereceu 40% a mais do valor de mercado para a aquisição de ações da Telesp junto a acionistas minoritários. Evidentemente, essas ações pulverizadas retornarão a um único, grande, poderoso, controlador, provavelmente do exterior. Outra vez, fala-se que os recursos serão destinados para o abatimento da dívida pública brasileira, e sobre essa questão já nos referimos.  

A última pergunta fica sem resposta - e é natural que fique sem resposta. Indagamos: Só a extração atual do petróleo, equivalente a 1 milhão e 300 mil barris/dia, implica valores fantásticos. Em dez anos, mais de US$100 bilhões se arrecada com a extração do petróleo, através da Petrobras. Se considerarmos ainda, como já enfatizado, a tecnologia incorporada, os investimentos em plataforma de exploração, as reservas existentes que são também incalculáveis, qual o valor patrimonial, o de mercado e o de controle acionário da Petrobras?  

E a resposta é de que é impossível responder. Não há como, para o Ministério da Fazenda, avaliar o real patrimônio da Petrobras.  

Essas respostas foram enviadas pelo Sr. Edward Amadeo, Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.  

Portanto, Sr. Presidente, as próprias informações fornecidas pelo Ministério da Fazenda são argumentos suficientemente fortes para que esta Casa possa aprovar o projeto que proíbe a venda de ações da Petrobras. Esse projeto, relatado pelo competente Senador Saturnino Braga, deverá ser colocado na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos na próxima semana.  

O Governo fala em vender ações da Petrobras, mas há aqueles, e nós nos incluímos entre eles, que se preocupam com a possibilidade de estarmos iniciando um processo de privatização camuflada da Petrobras.  

Mas não é só essa questão que deve ser motivo da nossa preocupação. É claro que a grande preocupação deve ser com a privatização da Petrobras, mas não apenas isso. Há razões de natureza econômico-financeira que justificam negarmos ao Governo a possibilidade de vender essas ações. E quais seriam essas razões? O próprio Presidente informa que o Brasil será auto-suficiente em petróleo.  

O lucro da Petrobras é fantástico. No último trimestre do ano passado, ultrapassou R$2 bilhões. Essa é uma empresa fadada a obter, num futuro próximo, lucros ainda mais fantásticos, porque economistas europeus já afirmam que não há a possibilidade de redução do preço do petróleo no mundo. A Opep realizou agora um extraordinário esforço pretendendo essa redução. Reduziu parcialmente, mas não o suficiente para que os economistas possam acreditar que o petróleo, no mundo, terá a desvalorização que se poderia imaginar ao vender ações daquela que é a 14ª empresa de petróleo no mundo. Se sabemos que a Petrobras obterá brevemente lucros ainda mais significativos, por que quer o Governo pulverizar esses lucros? Por que quer o Governo distribuir esses lucros? Não seria mais inteligente, da parte do Governo, utilizá-los, aí, sim, para reduzir o impacto da dívida pública sobre a economia do País? Não seria mais adequado, da parte do Governo, utilizar esses recursos em programas capazes de promover a melhoria da qualidade de vida da população brasileira?

 

Enfim, uma empresa extremamente lucrativa, localizada naquela faixa estratégica de salvaguardas nacionais, não pode ser fragilizada com a venda de ações que impossibilitem cumprir não só um papel de natureza econômica, mas sobretudo, no futuro, um papel preponderante de natureza social.  

Pergunto, como perguntou o jornalista Carlos Chagas, em artigo publicado recentemente, alertando para os riscos que corremos com a venda das ações da Petrobrás, passo inicial para a privatização da empresa: "Estivesse a Petrobrás em mãos estrangeiras e quem garante que a produção nacional já não estaria reduzida, sob o argumento de ser antieconômica e de que importar sai mais barato do que prospectar, extrair e refinar?"  

E Carlos Chagas pergunta: "como essas coisas podem acontecer? Isto é, como existe um grupo capaz de alienar patrimônio púbico e estratégico sob o pretexto de abater as dívidas externas e públicas? Maracutaias? Comissões sobre as vendas, fluindo naquela zona sombria da corrupção? Porque imaginar serem essas as melhores soluções para o Brasil, não dá".  

São perguntas do jornalista Carlos Chagas que devem ser respondidas pelos defensores da venda de ações da Petrobras, o que certamente fragilizará a grande empresa que temos, patrimônio emblemático do povo brasileiro, que tem que ser preservada a qualquer custo.  

Não bastasse a privatização das nossas empresas de energia elétrica, que se constituem também em salvaguardas estratégicas do nosso País, vender ações da Petrobras significa caminhar para, sem dúvida, um desfiladeiro de equívocos que comprometerão o Governo de forma definitiva.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) – Pois não, Senador Ney Suassuna.  

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) – O projeto de V. Exª já está na Comissão de Assuntos Econômicos, onde foi distribuído para o Senador Roberto Saturnino, que deverá relatá-lo nas próximas semanas. Eu, apesar de ser privatista, creio que, neste caso específico, V. Exª está indo na direção certa, porque essa é realmente uma empresa que triplicou o seu volume depois que houve a concorrência com as demais. E, se triplicou o volume, imagine se tivéssemos vendido antes! Teríamos perdido duas vezes esse valor. E quantas vezes mais vai crescer? Então, é esse raciocínio que me leva a acreditar que V. Exª está indo no caminho certo.  

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) – Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. Esperamos contar com o apoio da sua liderança na Comissão de Assuntos Econômicos para que realmente esse projeto seja aprovado de forma terminativa no Senado.  

Apenas neste ano, Senador, a Petrobrás crescerá 15%. Já responde hoje por 72%, não 70%, do consumo do País. Crescendo 15%, estaremos, já neste ano, muito próximos da auto-suficiência, e brevemente, ao invés de importarmos petróleo, estaremos exportando, aumentando substancialmente os lucros de uma empresa já lucrativa. Portanto, será um crime contra a economia nacional a pulverização desses lucros de forma dramaticamente desnecessária.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2000 - Página 6574