Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DENUNCIA DE INCIDENTE ENTRE OS INDIOS PATAXOS E A POLICIA MILITAR DA BAHIA, DURANTE A INAUGURAÇÃO DE MONUMENTO ALUSIVO A COMEMORAÇÃO DOS 500 ANOS DO BRASIL.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • DENUNCIA DE INCIDENTE ENTRE OS INDIOS PATAXOS E A POLICIA MILITAR DA BAHIA, DURANTE A INAUGURAÇÃO DE MONUMENTO ALUSIVO A COMEMORAÇÃO DOS 500 ANOS DO BRASIL.
Aparteantes
Heloísa Helena, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2000 - Página 6601
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • DENUNCIA, VIOLENCIA, ATUAÇÃO, POLICIA MILITAR, ESTADO DA BAHIA (BA), DESTRUIÇÃO, MONUMENTO, AUTORIA, TRIBO PATAXO, REFERENCIA, HISTORIA, DESCOBERTA, BRASIL.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, OBJETIVO, PROVIDENCIA, RESPEITO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, INDIO, LEITURA, DOCUMENTO, DENUNCIA, CONSELHO, POLITICA INDIGENISTA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Senadora Thelma Siqueira Campos, é uma alegria vê-la presidindo esta sessão do Senado Federal. Seja muito bem-vinda à Casa. Não tive a oportunidade de expressar essa satisfação ontem. Seguramente, é a intenção de todo conjunto de Senadores tê-la aqui contribuindo à altura do seu irmão, o Senador Eduardo Siqueira Campos, que nos orgulhava muito com sua presença nesta Casa.  

Aproveito a oportunidade para trazer um assunto que o Conselho Indigenista Missionário apresentou a todo o Brasil ontem: uma grave denúncia sobre uma ação truculenta, violenta e injustificável da Polícia Militar do Estado da Bahia contra os índios Pataxós, quando erguiam um monumento em comemoração aos 500 anos do Brasil, que, na ótica deles, é chamado de "Outros 500". Às 22 horas, uma equipe de mais de 200 policiais invadiu aquela área e agiu com a mais intolerante violência e agressão, destruindo um monumento que estava sendo erguido para lembrar os 500 anos do Brasil.  

Srª Presidente, tenho, aqui, documento do Cimi – Conselho Indigenista Missionário – relatando o ocorrido. Registro que já encaminhei um requerimento de informações ao Sr. Ministro da Justiça para que sejam tomadas providências imediatas e de modo exemplar, para que se respeite a manifestação de liberdade e de juízo da população indígena sobre o que representam os 500 anos de convivência com os chamados povos urbanos.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB – RR) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC) - Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador Romero Jucá.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB – RR) – Meu caro Senador Tião Viana, quero apenas registrar o meu repúdio a esse ato de força tomado pela Polícia Militar da Bahia. É lamentável. Estamos vivendo um momento de democracia e a comemoração dos 500 anos permite - e deve ter - a manifestação dos índios brasileiros. É claro que, se uma parte dessas manifestações for de contestação, esse é um direito dos índios. Por mais que não se concordasse com qualquer tipo de movimento que registrasse repúdio ou qualquer tipo de nota contrária à manifestação, não se pode concordar com a demolição ou com atos de força que visem cercear uma manifestação democrática e cultural. Portanto, quero somar a minha voz à de V. Exª, que denuncia esse ato lamentável. Espero que o Governo Federal tome providências e garanta, de alguma forma, que a manifestação dos índios Pataxós - que eu não sei se é favorável ou não, de revolta ou não – ocorra dentro de um Brasil livre e dentro da comemoração dos 500 anos. Quero aplaudir V. Exª por esse registro.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Agradeço a V. Exª, nobre Senador Romero Jucá que, por ter sido também Presidente da Funai, conhece as peculiaridades da questão indígena no Brasil e, seguramente, não admitiria, em sua gestão, uma atitude dessa sem uma apuração rigorosa e determinada por parte dos órgãos de Justiça, no sentido de que não se permita o desrespeito às liberdades dos povos, das etnias que se manifestam num momento tão especial da vida do Brasil.  

Srª Presidente, passo à leitura do documento do Cimi:  

 

POLICIAIS INVADEM COROA VERMELHA E DESTRÓEM MONUMENTO INDÍGENA  

Um batalhão de mais de 200 policiais militares invadiu a terra indígena Coroa Vermelha e destruiu o monumento construído pelos Pataxós em memória dos índios massacrados durante os 500 anos de invasão. A ação arbitrária da polícia ocorreu por volta das vinte e duas horas de hoje (4/4). O "Monumento à Resistência" estava sendo erguido próximo à cruz de aço inoxidável colocada pelo Governo Federal, no dia 17 de março, em substituição à de madeira, que estava no local desde a década de 30. As irregularidades na ação começam com a própria entrada na área, visto que a polícia militar não tem competência para atuar em terra indígena. Nenhuma ordem judicial foi apresentada para justificar a truculência. Uma barreira policial foi formada para impedir a aproximação das pessoas que protestavam contra a ação. O cacique Carajá, da comunidade Pataxó, denunciou que foi ameaçado com uma metralhadora.  

O monumento seria inaugurado durante a Conferência Indígena que ocorre na área de Coroa Vermelha entre 18 e 22 de abril. Consistiria em um mapa da América Latina, desenhado no solo em pedra. Por dentro, os artesanatos indígenas simbolizariam a ocupação da terra antes da chegada dos portugueses.  

Desde que foram iniciados os trabalhos de construção do "Monumento à Resistência", o Poder Público tentou impedir a continuidade das obras. As primeiras tentativas foram de intimidação direta à comunidade indígena. Na tarde de segunda-feira, dia 3, pessoas ligadas ao Conselho de Desenvolvimento Regional (Conder) – administradores de obras oficiais -, interpelaram os índios com grosserias e argumentos esdrúxulos. Diziam os funcionários do órgão que os índios não poderiam construir nada no local até o dia 26 de abril. Segundo os Pataxós, eles afirmavam coisas do tipo "até lá (26/4) quem manda aqui é o Governo. Vocês não mandam nada". A placa que identificava o monumento foi pisoteada com ironia e escárnio.  

Na segunda tentativa de intimidação, funcionários da Prefeitura de Santa Cruz de Cabrália e do Centro de Recursos Ambientais - CRA, órgão estadual de meio ambiente, visitaram o Comitê de Preparação à Conferência Indígena com notificações de embargo. A alegação dos órgãos públicos é de que se trata de uma área de proteção ambiental (APA), que careceria de uma autorização oficial. A argumentação, entretanto, é totalmente infundada, já que o direito indígena à terra é anterior ao direito ambiental. Na verdade, a APA foi ilegalmente constituída sobre a terra indígena Coroa Vermelha.  

Após as primeiras intimidações, os Pataxós enviaram um documento à Funai e à Procuradoria da República em Ilhéus, informando que o monumento foi pensado e definido pela própria comunidade e pediram garantias à construção das obras, já prevendo as ameaças de destruição por parte das autoridades locais.  

A ação é política. Os Governos estaduais e federal não aceitam o monumento indígena no local onde pretendem produzir a festa oficial.  

Para o Cimi as atitudes intimidatórias são uma mostra de como será truculento o tratamento dos órgãos públicos aos povos indígenas que discordem do discurso ufanista oficial. As obras construídas pelo Governo Federal dentro da área violaram o art. 231, §6º, da Constituição Federal, que exige, para a realização de tais obras, comprovação de "relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar".  

A área indígena de Coroa Vermelha está totalmente invadida por construções realizadas para os festejos governamentais dos 500 anos e sem Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Entretanto, no momento em que os próprios índios tentaram produzir uma obra que expressasse sua cultura, foram violentamente tolhidos.  

Revoltada, a comunidade Pataxó está exigindo providências imediatas por parte do Ministério Público Federal e do Ministério da Justiça, a fim de que a Polícia Militar seja punida pela invasão e que os direitos indígenas sobre a terra tradicionalmente ocupada sejam respeitados.  

Santa Cruz de Cabrália, 4 de abril de 2000.  

Conselho Indigenista Missionário.  

 

Srª Presidente, espero que a Mesa demonstre a sensibilidade que tem tido com os nossos requerimentos dia a dia e que, de fato, o Ministério da Justiça nos dê a resposta imediata sobre um ato de quebra dos direitos humanos, um ato que jamais poderia ocorrer às vésperas de uma lembrança desses 500 anos de convivência com as minorias, com os irmãos índios, com os irmãos negros, os oprimidos da história deste País.  

É injustificável uma ação localizada da polícia militar daquela região da Bahia contra uma comunidade que já foi violentada em seus direitos de todas as maneiras. Vale lembrar que, há um ano, eu, a Senadora Heloisa Helena, a Senadora Marina Silva já registrávamos que aquela comunidade tinha sido vítima de castração em massa, quando moças acima de 15 anos de idade e senhoras de 40 anos sofreram cirurgias a fim de que não pudessem mais reproduzir, afirmando-se a intenção clara de destruição de uma população que tanta vontade tem de viver em paz e com prosperidade em território brasileiro.  

Lamento profundamente que isso esteja ocorrendo num momento tão especial da nossa vida, que deveria ser motivo de boas notícias ao mundo inteiro. Infelizmente, temos que nos envergonhar pela atitude autoritária de alguns.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Permite-me um aparte, nobre Senador?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC) - Concedo o aparte à nobre Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Srª Presidente, Sr. Senador, companheiro Tião Viana, quero saudar o pronunciamento de V. Exª, porque, realmente, o fato foi abominável. Como se não bastasse a substituição da cruz de madeira que lá está há muitos anos por uma cruz supostamente maravilhosa, cheia da ostentação típica dessa suposta comemoração dos 500 anos; como se não bastasse essa substituição ter sido feita de uma forma imprópria, demonstrando a arrogância daquele que, por ser branco, entendeu não devia discutir o fato com as comunidades indígenas locais, simplesmente impondo aos índios a substituição da cruz - que não representava a ruptura com a sua civilização, já que se acostumaram com ela - por uma grande ostentação arquitetônica, representando a vaidade, a arrogância de uma elite branca; como se isso tudo não bastasse, anteontem, aconteceu esse fato abominável que foi reproduzido por V. Exª. A comunidade indígena queria construir o seu próprio monumento para expressar a sua interpretação da "comemoração" dos 500 anos e foi impedida. E mais: com relação à programação que está sendo organizada pelas forças vivas da sociedade, pelas comunidades indígenas, o Governo da Bahia, a Prefeitura, a organização do evento e o Governo Federal já estão dizendo que não vão permitir nenhuma comemoração, nenhum movimento extra-oficial que não seja aquele imposto pela elite branca, a elite política e econômica que comanda este País. Imaginem, a reprodução do que aconteceu há 500 anos, essa farsa que está sendo montada para a comemoração. Esses eventos, esses episódios que têm acontecido caracterizam como farsa a comemoração dos 500 anos. Não se trata apenas do Governo da Bahia; não é apenas a Prefeitura que gerencia Porto Seguro. A capital do Brasil passa a ser em Porto Seguro, nas comemorações. Então, nós, do Bloco da Oposição, encaminhamos ao Presidente da República uma solicitação para garantir que as comunidades indígenas, que as representações do movimento sindical, do movimento popular, as forças vivas da sociedade que querem fazer um evento paralelo ao evento oficial possam fazê-lo, porque já se disse que não se vai admitir esse tipo de evento. E já se viu a demonstração disso na forma truculenta, inadmissível com que se destruiu uma reflexão que os índios e as comunidades indígenas gostariam de fazer. Portanto, parabenizo o seu pronunciamento . V. Exª estará presente, assim como eu e muitos parlamentares, estaremos presentes na programação extra-oficial porque queremos ter a oportunidade de refletir sobre essa história de dominação, de fome, de miséria e de sofrimento de milhões de brasileiros. Queremos refletir sobre isso e esperamos não ser massacrados pela polícia militar ou pelas ordens da estrutura oficial da comemoração.

 

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Obrigado, Senadora Heloisa Helena.  

Encerro, Srª Presidente, lembrando que não é possível imaginar que, nos dias de hoje, se possa admitir que a polícia militar esteja alheia à ordem vigente de respeito mínimo ao cidadão brasileiro, às etnias e aos povos que ocupam este País com tanta vontade de viver em paz. Acredito que esses 500 anos tenham uma dívida enorme com o nosso passado, que deveria estar sendo mostrada de maneira muito mais clara, aberta e verdadeira. Por exemplo, percebo quase um silêncio em relação à lembrança da presença negra no Brasil, que foi um dos momentos mais dramáticos da nossa história. E temos uma tentativa de exposição da verdade por parte dos irmãos índios e, de repente, testemunhamos um ato de violência injustificável e que precisa de uma correção imediata.  

Espero sinceramente que o Sr. Ministro da Justiça e a Presidência da República dêem uma resposta à altura de suas responsabilidades neste momento.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2000 - Página 6601