Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO "O "S" DO BNDES E AS FRUSTRAÇÕES DA SAUDE", DE AUTORIA DO DR. ADIB JATENE.

Autor
Ernandes Amorim (PPB - Partido Progressista Brasileiro/RO)
Nome completo: Ernandes Santos Amorim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • TRANSCRIÇÃO DO ARTIGO "O "S" DO BNDES E AS FRUSTRAÇÕES DA SAUDE", DE AUTORIA DO DR. ADIB JATENE.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2000 - Página 6612
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ADIB JATENE, EX MINISTRO DE ESTADO, SAUDE, ASSUNTO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXPECTATIVA, APROVEITAMENTO, CAMARA DOS DEPUTADOS, VINCULAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, SAUDE PUBLICA.

O SR. ERNANDES AMORIM (PPB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o "S" do BNDE e as frustrações da Saúde, é o título de um artigo escrito pelo eminente Doutor Adib Jatene, nosso saudoso ex-ministro da saúde, e um dos mais respeitados cardiologista do mundo, que para nossa glória nasceu na Amazônia. O Doutor Adib relata nesse artigo a Conferência Mundial da Saúde de 1978, realizada na então União Soviética, onde foi cunhada a frase "Saúde para todos no ano 2000". Pela oportunidade do tema e pela seriedade insuspeita do seu autor, requeiro a Mesa Diretora a transcrição integral do artigo abaixo transcrito e que faça parte integrante do meu discurso para que esta Casa tome conhecimento da origem da letra "S" do BNDES e as suas distorções assim como a dívida do Banco com o povo brasileiro.

O "S" do BNDE e as frustrações da Saúde

A Proposta do Conass era destinar 1% do IPI e do IR ao fundo que pleiteávamos

Adib Jatene

O acréscimo do S à sigla do BNDE tem relação com a busca de recursos vinculados para o setor da saúde. Essa história precisa ser contada, especialmente quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Ministro José Serra se manifestam favoráveis a vincular recursos para a saúde.  
A história começa com a conferência da Organização Mundial da Saúde de 1978, em Alma Ata, na então União Soviética. Foi cunhada a frase "Saúde para todos no ano 2000' e ressaltaram-se a ênfase no atendimento básico e a crítica aos gastos com o atendimento hospitalar, o que alimentou discussões acaloradas envolvendo as chamadas medicina preventiva e curativa. Essa discussão está, hoje, ultrapassada, com a ênfase no atendimento integral.

Os secretários estaduais da Saúde que assumiram os cargos em 1979 estavam muito influenciados pelos resultados dessa conferência e estimularam em seus Estados a ampliação do número de unidades básicas de saúde, os chamados postos ou centros de saúde. Em São Paulo elaboramos um amplo programa para a expansão dos serviços básicos de saúde na área metropolitana, que foi rebatizado como Programa Metropolitano de Saúde. A proposta previa 490 unidades básicas e 40 hospitais locais. Recursos foram obtidos junto ao Banco Mundial e pouco mais da metade das unidades foi construída em nosso governo e nos que se sucederam.

Nos outros Estados, em uns mais, em outros menos, esforços semelhantes eram realizados. Foi nessa época, sob a gestão do Secretário Jofran Frejat, que se construiu em Brasília uma grande rede de unidades básicas.  
Cedo, porém, se deram conta os secretários de que não bastava construir prédios e equipá-los. Era preciso manter pessoal qualificado e oferecer, além da prevenção, tratamentos e medicamentos com custos crescentes. Como a atividade não podia ser interrompida ou reduzida, os recursos deveriam ser seguramente garantidos e crescentes, não podendo ficar na dependência de decisões da área econômica, que, diga-se, enfrentou sempre o dilema de cortes ou déficits - ambos danosos.

Diante do objetivo comum, os secretários da época constituíram o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass), do qual fui o primeiro presidente, cujo objetivo principal era contribuir para que a meta da OMS fosse atingida no ano 2000.

Em reunião em Manaus, decidiu-se que todos os secretários comparecessem ao gabinete do então Ministro do Planejamento, Delfim Netto, para solicitar a criação de um fundo seguramente vinculado ao atendimento básico de saúde, suficiente para operacionalizar a rede que com muita dificuldade estava sendo construída. A proposta do Conass que levamos ao ministro era destinar 1% do IPI e do Imposto de Renda ao fundo que pleiteávamos.

O ministro recebeu com simpatia a proposta e sugeriu que conseguíssemos de nossos governadores que trouxessem o mesmo pleito nas reivindicações ao seu ministério. Aconselhou-nos ainda a procurar o apoio do Ministro-Chefe da Casa Civil. Em nome de todos os secretários, fui recebido pelo então Ministro Golbery do Couto e Silva, que reagiu favoravelmente à nossa proposta de vincular recursos à atividade, dizendo que se empenharia pessoalmente pela sua efetivação.

O ministro Delfim Netto acabou por criar um fundo cuja base não foi nossa proposta, mas que representava em volume de recursos algo capaz de alavancar a atuação das secretarias e mudar o panorama da saúde das populações carentes, àquela época com dificuldade até para vacinar seus filhos.  
Nessa altura, o Ministro Golbery, que nos apoiava, deixou o governo e foi substituído por Leitão de Abreu, a quem procurei para manter o apoio da Casa Civil, julgado indispensável.

Após a explanação de toda a proposta que envolvia todos os secretários da Saúde e da expectativa de conseguirmos a vinculação dos recursos para a atenção básica de saúde, ouvi do Ministro Leitão que os recursos do fundo elaborado por Delfim Netto não seriam vinculados à saúde, mas iriam para o BNDE - que teria um S acrescentado à sua sigla - e ficariam à disposição do presidente para atender situações emergenciais, inclusive na área da saúde. Foi nossa primeira grande frustração, quando se trocou a vinculação de recursos para a saúde pela ampliação da sigla do banco, que passou a ser BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Durante duas décadas não vimos recursos dessa fonte para as situações emergenciais do setor de saúde.

Outras frustrações se sucederam. A perda dos recursos da Previdência deu-se em duas etapas. A primeira ocorreu quando da passagem do Inamps para o Ministério da Saúde, quando a parcela acima de 20% da arrecadação do INSS foi reduzida para 14,5%; a segunda foi em 1993, quando essa parcela foi totalmente extinta. Outra perda foi a da parcela da Cofins, tornada constitucional inclusive porque grande parte de sua arrecadação seria destinada a sustentar o orçamento da saúde. Entre 1994 e 1998 houve redução dessa fonte de 67% para 23% no orçamento para o Ministério da Saúde. No orçamento deste exercício, a parcela da Cofins para a Saúde é de 22%. A perda mais recente foi a esterilização da CPMF, que de recurso adicional passou a ser substitutivo das outras fontes de receita do ministério que foram reduzidas.

Com a entrada do Ministro José Serra, as fontes do ministério estão sendo minimamente preservadas, e todos esperamos que sejam ampliadas - e principalmente que se conquiste a tão desejada vinculação.  
Tenho, por isso, fundadas esperanças de que nossas frustrações, iniciadas com o S do BNDE, passando pela perda dos recursos da Previdência, de grande parte da Cofins e pela esterilização da CPMF, estejam chegando ao fim, com a aprovação da vinculação pela Câmara Federal em dois turnos.  
Quando todos esperávamos sua aprovação ainda em 1999 pelo Senado, dificuldades regimentais adiaram a matéria, que precisa ser aprovada com a urgência que a situação dramática do setor está a exigir. Dessa forma, a luta de pelo menos 20 anos por vinculação de recursos para a saúde nos três níveis do governo, associada aos inegáveis avanços da área, entre os quais o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) e o Programa de Saúde da Família (PSF), permitirá, afinal, montar um esquema financeiro suficiente para a consolidação definitiva do SUS.

Dessa consolidação dependem 75% da população, que está à margem de um desenvolvimento que não a beneficia e espera desesperadamente por acenos capazes de manter a esperança de dias melhores.

Adib D. Jatene, 70, cardiologista, é professor aposentado da Faculdade de Medicina da USP e Diretor-Geral do Hospital do Coração.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2000 - Página 6612