Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE, NA PRESENTE SESSÃO, ENTRE OS PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL E O PMDB. (COMO LIDER)

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE, NA PRESENTE SESSÃO, ENTRE OS PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL E O PMDB. (COMO LIDER)
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Eduardo Suplicy, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2000 - Página 6509
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • NECESSIDADE, APURAÇÃO, TROCA, DENUNCIA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, JADER BARBALHO, SENADOR, COMBATE, IMPUNIDADE, DEFESA, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIZAÇÃO, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, CONGRESSISTA, PARENTE, AGREGADO.
  • IMPORTANCIA, OPINIÃO PUBLICA, FISCALIZAÇÃO, SENADO.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, embora a discussão tenha sido superada, não poderia deixar de fazer algumas pequenas considerações de extremo interesse do Bloco sobre o fato.  

Logo que chegamos à Casa hoje, havia uma turbulência pelos corredores anunciando o debate. Eu brincava com alguns outros companheiros Parlamentares dizendo que não haveria problema; poder-se-ia apresentar o projeto de lei da "água sanitária" para permitir a quebra do sigilo bancário não apenas dos dois Parlamentares, mas também de todos os outros. Quebrar-se-ia o sigilo bancário e fiscal dos parentes, dos aderentes, dos supostos testas-de-ferro. Apresentaríamos um projeto "água sanitária", para ver se a população não se envergonharia tanto da democracia conquistada.  

Quando os dois Parlamentares usavam da palavra, tive a oportunidade de observar um fato simbólico: enquanto aqui em baixo a democracia era desmoralizada, ali em cima, assistiam-nos, certamente estarrecidos, silenciosos, os militares. Vários militares estavam ali nos assistindo no momento em que desmoralizávamos a democracia.  

Claro que não tenho nenhum falso moralismo contra as denúncias feitas. Apenas penso que denúncias feitas necessariamente têm de ser apuradas, averiguadas, para que o manto da impunidade possa ser levantado e possamos saber quem é quem.  

Claro que às vezes nos perguntamos por que tanto silêncio até agora. Por que tanto silêncio, tanto da parte do Senador Jader Barbalho quanto do Sr. Presidente? Por que tanto silêncio até agora? Por que tantos casos amplamente divulgados perante a opinião pública só entram no cenário agora?  

Srs. Senadores, sei que não é cortina de fumaça nem contra o salário mínimo nem com relação à eleição desta Casa. Temos obrigação de responder à opinião pública é a partir de amanhã, porque todos os Senadores, que só conheciam os fatos por intermédio dos meios de comunicação, agora ficaram sabendo, pelas denúncias dos Parlamentares, de coisas que no mínimo contrariam a ordem jurídica vigente.  

Então, precisamos saber o que faremos a partir de agora. E cada Parlamentar está provocado moralmente para, pelo Conselho de Ética ou por qualquer outro instituto, vasculhar a vida dos parentes, dos aderentes, dos supostos testas-de-ferro e responder à opinião pública sobre o que aconteceu aqui hoje.  

Srs. Senadores, que nos sintamos provocados moralmente para apresentarmos à Nação brasileira o "projeto de lei da água sanitária". Talvez tenha sido até um momento importante, porque o Senado Federal sempre foi visto perante a opinião pública - com certa hipocrisia - não só como a pérola a ser tocada apenas pela elite político-econômica, mas como a Casa do alto nível, do consenso, a Casa daqueles senhores de cabelos brancos experientes que nunca baixavam o nível.  

Lembro-me com clareza de certa vez, quando esta Casa votava algo absolutamente imoral e insustentável juridicamente, em que até caracterizei aquilo como uma esculhambação. Esculhambação não é termo de baixo calão. Não é! Para nós, nordestinos, quando algo é imoral e absolutamente insustentável juridicamente, usamos esse termo. E esse termo foi cassado pelo Presidente de ser publicado no Diário do Senado. E, hoje, o que vimos? Hoje, o que a sociedade questiona sobre o que vimos não é apenas um processo semelhante de esculhambação, mas algo que esta Casa terá obrigatoriamente que apurar.  

Srs. Senadores, ótimo que caia um pouco da máscara! Ótimo que caia um pouco da hipocrisia desta Casa, que sempre foi vista como a Casa do alto nível e cuja máscara caiu mais uma vez. É bom que a opinião pública saiba, é bom que a opinião pública fiscalize! E é fundamental que os Parlamentares hoje provocados moralmente estejam além das congratulações feitas aos dois lados, além dos sorrisos dados a ambos os Senadores, mas que possamos efetivamente apurar os fatos. E apurar significa também buscar por que houve tanto silêncio até agora. Por que fatos conhecidos da opinião pública só vieram à tona agora? Por que os que hoje se agridem já foram parceiros durante tanto tempo? Precisamos saber qual foi a motivação do silêncio, porque talvez esse silêncio seja muito mais constrangedor perante a Nação brasileira do que o bate-boca visto hoje nesta Casa.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) – Senadora Heloisa Helena, V. Ex.ª me permite um aparte?  

A SR.ª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) – Pois não, Senador Eduardo Suplicy.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) – Quero compartilhar com V. Ex.ª um sentimento que me parece comum a muitos dos Senadores e Senadoras que assistiram ao debate entre o Presidente do Senado Federal, Senador Antonio Carlos Magalhães, e o Senador Jader Barbalho. Disse há pouco, ao encontrar o Senador Jader Barbalho, que gostaria muito de ver o Senado Federal debater em profundidade questões como as que hoje, pela manhã, debatemos com o Ministro Pedro Malan. Gostaria que canalizássemos nossas energias para procurar garantir justiça no Brasil, por meio de melhor distribuição de renda, de remuneração digna a todos os trabalhadores, além de garantirmos o direito de todos de partilhar a riqueza da Nação. Vamos canalizar nossas energias para isso! É claro que, para bem realizarmos o diagnóstico de como estão as coisas no Brasil, é preciso que as pessoas parem de agir desviando recursos, parem de levar uma pessoa como Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, a dizer hoje, na imprensa, que está com vergonha do Brasil por tantas denúncias desse tipo, que infelizmente estão caracterizando o País. Acredito que Pelé tenha expressado o sentimento de milhões de brasileiros. Ele disse coisas que tenho ouvido de várias pessoas quando ando pelas ruas. Pelé, na verdade, expressou um sentimento arraigado na sociedade brasileira, mas felizmente ele também disse que será importante que o povo reaja, que preste muita atenção nas próximas eleições, que cada um vote muito bem para não escolher quem porventura venha depois a ser traidor do povo. Senadora Heloisa Helena, é muito importante o seu brado. Vamos fazer deste plenário o lugar do debate sobre coisas que realmente precisam ser analisadas para transformar a vida do povo brasileiro. É importante que conheçamos a vida de cada um dos que estão na vida pública. E penso que ninguém deve temer a análise em profundidade da vida de cada um de nós aqui. No Conselho de Ética, na Mesa Diretora, vamos cumprir com o nosso dever de analisar os fatos necessários. Contudo, é importante que as energias sejam canalizadas para o que é fundamental para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. Muito obrigado.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) – Senadora Heloisa Helena, V. Ex.ª me permite um aparte?  

A SR.ª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) – Ouço o Senador José Eduardo Dutra.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) – Senadora Heloisa Helena, depois da tarde de hoje, o que estamos ouvindo, particularmente da imprensa, é a famosa pergunta: "Quem ganhou?" Eu não sei quem ganhou, mas sei quem perdeu. A meu ver, a Instituição é que perde. E o problema não são nem as palavras mais duras, as críticas sobre o comportamento, truculência de um lado, cinismo de outro. Um acusa o outro de "truculento", que por sua vez acusa o primeiro de "fofoqueiro", de "intrigante’. O problema não é esse, porque, nesse tipo de debate, quando os ânimos se aquecem, penso que é até natural; o problema é que as afirmações feitas fazem parte agora das notas taquigráficas desta sessão e, daqui a algumas décadas, quando alguém consultar as referidas notas, verá o que disseram o Presidente do Congresso e o Líder e Presidente do maior Partido. O historiador ou o cientista político que procurar o resultado dessa discussão verá que nada aconteceu. O debate ocorrido há pouco faz-me lembrar o período da Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a União Soviética tinham, cada um, um arsenal nuclear muito poderoso, capaz de destruir o inimigo, mas também, se fosse usado, de destruir a humanidade. Os debates sempre ficavam na ONU e acabavam não tendo nenhuma conclusão. Felizmente, a Guerra Fria não causou a destruição da humanidade. Não sei se semelhante resultado ocorrerá a partir desse embate, porque fatos não apurados e esquecidos, no final, dão razão ao entendimento da opinião pública de que, apesar das brigas e acusações, tudo acaba ficando por isso mesmo. Como somos uma instituição, acaba sobrando para todos nós. Ontem, no Jornal da Globo , a Lillian Witte Fibe perguntou para o Franklin Martins quantos Senadores havia no Senado. Quando ele respondeu que eram oitenta e um, ela disse que parecia que havia somente dois. O resultado desse embate, então, acaba passando uma imagem de todos nós para a população. Por falar em ganhador, se houver um, talvez o mais óbvio vencedor desse embate seja o Ministro Pedro Malan. O assunto que deveria estar sendo discutido – o salário de fome instituído pelo Governo como salário mínimo – acabou deixando de ser objeto do debate no Congresso Nacional. O debate passou a ser um duelo de gigantes, a velha discussão sobre quem ganhou e quem perdeu, como se houvesse uma mera disputa entre lideranças políticas e esta Casa não tivesse a responsabilidade de encaminhar questões. O Senador Roberto Freire formulou uma questão de ordem, e a Mesa vai analisá-la. O único caminho para não se esquecer do que foi dito aqui é o encaminhamento das notas taquigráficas ao Conselho de Ética e à Procuradoria da República. É o mínimo que se pode esperar de nós. Muito obrigado.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) – Concede-me V. Exª um aparte, Senadora Heloisa Helena?  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL) – Ouço o aparte do nobre Senador Antonio Carlos Valadares.  

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) – Senadora Heloisa Helena, todo esse embate entre os Senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho – por quem tenho a maior admiração e o maior respeito por serem ambos grandes Parlamentares – interessa ao Senhor Presidente da República, o comandante e chefe de todos os partidos que compõem sua base parlamentar. Se Sua Excelência não tem o poder de acabar com essa briga, se não interfere para mostrar aos partidos políticos, PFL e PMDB, que precisa de um equilíbrio político para governar a Nação, é porque interessa ao Presidente da República o enfraquecimento da instituição Congresso e o enfraquecimento ou do PFL ou do PMDB. O que lhe interessa é continuar assinando, como vem fazendo em profusão, medidas provisórias, sem necessidade nenhuma do pronunciamento do Poder Legislativo. O Presidente da República age maquiavelicamente, interferindo apenas quando lhe interessa. Sua Excelência não interfere nessa briga porque quer enfraquecer um dos dois partidos. O Presidente da República falou aos jornalistas no exterior que esse é um assunto interno do Congresso e que espera que essa discussão não interfira no bom andamento das propostas governamentais. Ora, não existe isso no regime presidencialista. Quem comanda a política no Congresso Nacional na realidade, concretamente, é o Presidente da República, que faz de conta que cruza os braços, ignorando o embate. Isso é conversa para boi dormir. O Presidente da República tem interesse nessa briga, cujos efeitos veremos futuramente. Se o Congresso se enfraquece, o Presidente da República terá a vitória de não ter restrições às medidas provisórias. Se os grandes partidos de sustentação do Governo estão brigando, é lógico que não haverá entendimento e que o Presidente da República editará mais medidas provisórias para governar como quer. Aprendi, na faculdade de Direito, que o grande Maquiavel dizia: "Dividindo é que se governa". Vejam que deu certo: dividindo é que se governa. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, com aquela educação que lhe é peculiar, com aquela cordialidade – sabemos que Sua Excelência é um

gentleman, um homem superinteligente –, usa a cartilha de Maquiavel com a maior propriedade nesse episódio. Parabéns, Presidente Fernando Henrique Cardoso. V. Exª está conseguindo o que quer: dividir para governar.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) – Senadora Heloisa Helena, o tempo de V. Exª está se esgotando.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL) – Agradeço a atenção de V. Exª, Sr. Presidente.  

Ainda bem que estamos numa democracia e poderemos, por meio das instâncias de poder, esclarecer muitos dos mistérios sujos desta democracia.  

Apesar de eu ter um pouco de nojo e de náusea de eventos como o que vimos aqui – lama atirada de um lado para outro sempre nos causa náusea –, apesar de tudo isso, que bom que a esculhambação instalada tenha significado a queda da máscara de hipocrisia do Senado.  

Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, espero muito que o Senado, que foi provocado moralmente com um arsenal de denúncias, efetivamente busque apurá-las. Um dia, mais cedo ou mais tarde, a sociedade brasileira saberá por que houve tanto tempo de silêncio cúmplice e covarde entre os dois, ajudando a destruir a Nação brasileira.  

É só, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2000 - Página 6509