Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL, SEGUNDO DADOS DO RELATORIO 2000 SOBRE A POBREZA, DIVULGADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL, SEGUNDO DADOS DO RELATORIO 2000 SOBRE A POBREZA, DIVULGADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2000 - Página 6660
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, PAIS, DEFESA, URGENCIA, INICIATIVA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, ANALISE, PROBLEMA, OBJETIVO, BUSCA, SOLUÇÃO.
  • REGISTRO, DIVULGAÇÃO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), REFERENCIA, GRAVIDADE, CRESCIMENTO, POBREZA, REDUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, INEFICACIA, RESULTADO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, PAIS, DEFESA, MELHORIA, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, OBJETIVO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta sexta-feira de paz e de tranqüilidade no Parlamento brasileiro, é natural que abordemos assuntos de interesse do País e nos empenhemos para aguardar a próxima semana, quando o Senado Federal retomará as suas atividades normais, em um clima de debate e de controvérsia, mas, ao mesmo tempo, de paz e de amor ao Brasil.  

Quero, Sr. Presidente, assinalar uma preocupação que está presente em toda a sociedade brasileira: o aumento da distância entre o Brasil rico e o Brasil pobre.  

Sabe V. Exª que somos a 8ª economia do mundo. Numa linguagem mais clara, somos o 8º País mais rico do mundo. No entanto, no que se refere à distribuição de renda, somos um País injusto e dilacerado pelas inconformidades. O Brasil pobre e o Brasil rico estão vivendo momentos de preocupações e apreensões cada vez mais acentuadas.  

Há, no entanto, um clima de euforia com os sistemas digitais e com a Internet, que vêm revolucionando os meios de comunicação por meio do processo eletrônico e despertando o interesse da sociedade brasileira, particularmente do Brasil jovem, na expectativa de que estejamos situando o nosso destino entre as nações mais desenvolvidas do mundo quanto a esse aspecto.  

É claro que ainda estamos bastante atrasados no que diz respeito ao sistema de digitalização. É claro que ainda não estamos tão avançados no campo da Internet. Mas a verdade é que esse novo sistema de comunicação, que está mobilizando o mundo inteiro, também está despertando a elite brasileira e uma parcela da classe média.  

Mas, ao mesmo tempo, Sr. Presidente, o Brasil pobre, o Brasil das favelas, o Brasil das regiões dilaceradas pela fome e pela miséria vê e ouve isso na televisão e no rádio – a imensa maioria tem acesso a esses meios de comunicação - e fica numa situação de expectativa pesarosa. Esse Brasil pobre percebe que não vai alcançar tão cedo o Brasil rico, sobretudo no que tange a esse estágio do sistema de informação e de comunicação.  

É preciso, portanto, Sr. Presidente, que o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, as Assembléias Legislativas, as Câmaras de Vereadores, os três entes da Federação - a União, os Estados e os Municípios – e, mais que isso, a sociedade brasileira como um todo voltem-se imediatamente para o exame dessa situação. O Senado poderia realizar seminários e outras formas de debate para que se examine detidamente essa contradição que está perturbando o sentimento do brasileiro e trazendo preocupações quanto ao nosso destino.  

Sr. Presidente, não está fácil nem mesmo para a classe rica, sitiada nos grandes centros urbanos, em prédios isolados com muros para se livrar da insegurança, como se vivesse em plena Idade Média.  

O apelo que faço neste momento é no sentido de que toda a sociedade se volte com urgência para examinar a grave situação que estamos vivendo, para identificar o ponto de partida do qual possamos buscar, o máximo possível, a integração social, ou seja, a construção de uma sociedade justa.  

Sr. Presidente, a discussão que se trava no Congresso, na mídia, no meio sindical e na população em torno dos novos níveis do salário mínimo acaba de receber um ingrediente explosivo com a divulgação, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, do Relatório 2000 sobre a Pobreza. É um documento que precisa ser lido pelos brasileiros e examinado detidamente por todos aqueles que têm uma parcela de responsabilidade nesta Nação.  

O documento traz, em relação ao Brasil, uma denúncia das mais graves: estamos, entre todas as nações do mundo, no último lugar, em termos de participação dos pobres no consumo e na riqueza nacional. Há dois anos atrás era Serra Leoa, nos confins da África, e agora é exatamente o Brasil, um País em desenvolvimento, com 160 milhões de brasileiros, a 8ª economia do mundo, ao mesmo tempo, a 48ª nação em indicadores negativos, perversos, terríveis. Ou seja, o Brasil é, hoje, a última nação do mundo em nível de pobreza, acentuada pela perversa e quase diria, sinistra distribuição de renda.  

Sr. Presidente, os 20% mais pobres no Brasil ficam com apenas 2,5% da renda e do consumo nacional, menos do que na África do Sul, Chile, México, Tailândia, Tunísia, Indonésia, Mongólia, Senegal e no Zimbábue, dois dos países mais pobres da África.  

Nosso nível de pobreza é de 16%, em comparação com 11% dos colombianos e apenas 5% dos chilenos. O relatório do PNUD faz justiça ao Plano Real, ao assinalar que o nível de pobreza nacional caiu de 21% da população, em 1994, para 15%, em 1997. Como naquele ano éramos 160 milhões de brasileiros, significa que pelo menos 24 milhões de irmãos nossos viviam na miséria. Hoje, com o agravamento da recessão em 1998 e 1999, os pobres são muito mais numerosos, isto é, o Brasil pobre está crescendo negativamente.  

Temos sérios agravantes, mencionados no relatório do PNUD, que se referem às desigualdades de toda a ordem. Para começar, é desigual a distribuição dos gastos sociais, que beneficiam prioritariamente a classe média e os ricos. O documento da ONU reconhece que o Brasil tem um dos maiores gastos da América Latina com educação, saúde e previdência. Pelo menos – diz o documento – " dois terços do orçamento do Brasil, um quinto do Produto Interno Bruto ", mas em razão da distribuição desigual desses recursos, a maior parte dos benefícios fica com os mais abastados, com os mais fortes, com os mais poderosos, exatamente com o Brasil rico.  

Todos louvamos os progressos alcançados na educação, os maiores investimentos e as tentativas de melhoria da qualidade de ensino. Mas nessa área a realidade também é cruel: os mais pobres não freqüentam a escola primária. Uma pequena minoria chega à escola secundária, podendo-se contar facilmente os pobres que chegam à escola superior.  

Em relação à saúde, Sr. Presidente, o relatório do PNUD afirma o que vemos todos os dias, entre consternados e revoltados nas imagens de televisão: os pobres recorrendo aos hospitais públicos de baixa qualidade, varando noites e madrugadas nas intermináveis filas, disputando a ferro e fogo uma ficha para uma consulta médica, ou empilhados, doentes, nos corredores dos hospitais, à espera de um atendimento que nunca chega.  

Ainda na semana passada, Sr. Presidente, em companhia do Ministro da Saúde, José Serra, dos senadores de Minas Gerais e do deputado federal Lael Varela, visitamos as cidades de Belo Horizonte, Muriaé e Governador Valadares, em Minas Gerais. Em Belo Horizonte, foi assinado um convênio destinando mais de 80 milhões de reais para salvar, dentro de uma estrutura racional, a Santa Casa de Misericórdia, conduzida por uma figura carismática, meu amigo, o ex-Prefeito de Belo Horizonte, Celso de Mello Azevedo. Este contrato, elaborado sem qualquer interferência política, resultou de uma demorada análise dos especialistas da Caixa Econômica Federal, que por mais de dois anos se dedicaram à formulação de um ajuste capaz de permitir o reequilibro financeiro da instituição, de acordo com as normas do Programa de Reestruturação Financeira e Modernização Gerencial das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, vinculados ao Sistema Unificado de Saúde – SUS. Em Muriaé, examinamos também os passos que estão sendo dados no sentido de o Ministério da Saúde, com a colaboração dos Estado, dos Municípios e do povo, melhorar a saúde, inaugurando, na ocasião, novos espaços e unidades do Hospital São Paulo. Em Governador Valadares, ao lado de parlamentares e do líder Renato Fraga e seus companheiros de atuação no campo da saúde, inauguramos o Hospital Evangélico, uma obra de excelente qualidade, com equipes modernas e o corpo de médicos e funcionários de reconhecida competência. Alguma coisa está sendo feita, já é bastante coisa, mas não basta para diminuir essa distância tremenda, dramática, entre o Brasil pobre e o Brasil rico. Os pobres, tão perto, tão longe, tão esquecidos, estão dominados por um sentimento de esperança.  

A verdade é que as desigualdades são também raciais e regionais. O PNUD mostra dados indicando que a pobreza se concentra, sobretudo, entre os negros e os trabalhadores rurais. Embora o Nordeste tenha apenas 30% da população brasileira, é naquela região que se encontram 62% dos pobres brasileiros.  

Sr. Presidente é inegável que o Plano Real promoveu uma melhoria da renda da população, especialmente nos primeiros momentos, como decorrência mesmo da redução drástica da inflação. Porém essa fase de expansão da renda e do consumo, expressa nos elevados níveis de produção e venda de eletrodomésticos e eletroeletrônicos nos dois primeiros anos após o real, esgotou-se com o tempo, também como um processo natural a programas de ajustes como o nosso.  

Vivemos, hoje, o grande dilema de manter a estabilidade para evitar a volta da inflação, um imposto perverso que atinge muito mais os pobres do que os ricos, e, simultaneamente, adotar políticas que conduzam a uma melhoria na distribuição da renda. O debate que hoje se trava em torno do salário mínimo é o exemplo mais ilustrativo desse dilema. Sabe-se que o salário mínimo é um poderoso instrumento de melhoria de renda dos mais pobres e, portanto, de redução das perversas desigualdades. Elevá-lo, porém, aos limites, já não digo ideais, mas pelo menos, razoáveis, representaria um aumento tal no déficit da Previdência que, inevitavelmente, resultaria em aumento do déficit público, que teria de ser financiado pela via inflacionária.  

Se não for possível agora o aumento correspondente a cem dólares que, pelo menos, seja aprovada a emenda assinada pelos Srs. Senadores José Jorge e Paulo Souto, no sentido de o salário mínimo de 177 reais começar a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2001, juntamente com o Orçamento Geral da União para o próximo exercício. Essa é uma hipótese, uma esperança e a certeza de que este Brasil pode melhorar um pouco, reduzindo a perversa distância entre o Brasil rico e o Brasil pobre. Afinal, há fundadas expectativas de retomada do crescimento econômico a partir deste ano, estimando-se que o Produto Interno Bruto – PIB – possa crescer acima dos 4% inicialmente previstos.

 

O próprio Relatório do PNUD aponta as três causas estruturais das mazelas no País: "a persistência da pobreza" – diz o documento – se deve ao medíocre crescimento nos últimos 20 anos e a altamente concentrada distribuição de renda, agravada pelas desigualdades dos gastos sociais".  

Sr. Presidente, cabe-nos, Governo, Congresso, lideranças políticas, empresários, lideranças sindicais e a Nação como um todo, atuar sobre elas, retomando o crescimento econômico, reduzindo a concentração de renda e melhorando a qualidade dos gastos sociais, para que o povo mais pobre possa, afinal, beneficiar-se do progresso do País.  

Sr. Presidente, essa é a advertência que faço nesta sexta-feira, que é santa em relação aos últimos dois dias. Estamos propondo que todas as instituições nacionais, públicas e privadas, inclusive as organizações não-governamentais, discutam, juntas, os temas que dizem respeito à afrontosa desigualdade existente no País. Os ricos não têm direito de reclamar quando os pobres se revoltam. Mas os ricos, aqueles que possuem um pouco mais do que poderiam possuir ou mesmo aqueles que mergulham e se perpetuam na corrupção, no roubo e no furto, devem se unir a todos para eliminar essas mazelas e fazer do Brasil um país desenvolvido, marchando sempre para a integração social.  

Com esse apelo, Sr. Presidente, dirijo-me ao Congresso Nacional e, particularmente, ao Senado, no sentido de que esta Instituição tome a dianteira para discutir não assuntos menores, pequeninos, desavenças ou entrechoques entre colegas, mas, sobretudo, para tratar seriamente dos grandes temas nacionais e até de documentos de gravidade e relevância como o relatório do PNUD, até porque a televisão mostra ao Brasil inteiro, mostra que o Senado está efetivamente preocupado com o destino desta Nação, dividida, de forma dramática, entre o Brasil pobre e o Brasil rico. O que não pode persistir é essa distância que cada vez alarga entre o Brasil rico e o Brasil pobre. Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2000 - Página 6660