Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS AO RELATORIO DO BIRD E DO PNUD PUBLICADO RECENTEMENTE NO JORNAL O GLOBO, QUE MOSTRA A MANUTENÇÃO DO INDICE DE POBREZA NO BRASIL HA 20 ANOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS AO RELATORIO DO BIRD E DO PNUD PUBLICADO RECENTEMENTE NO JORNAL O GLOBO, QUE MOSTRA A MANUTENÇÃO DO INDICE DE POBREZA NO BRASIL HA 20 ANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2000 - Página 6767
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, DOCUMENTO, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), ASSUNTO, POBREZA, AUMENTO, REGISTRO, SITUAÇÃO, BRASIL, FALTA, CIDADANIA, PREVISÃO, INCENTIVO, PROJETO, COMUNIDADE.
  • ANALISE, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONTINUAÇÃO, POBREZA, BRASIL, INEFICACIA, POLITICA SOCIAL, GOVERNO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • APROVEITAMENTO, CONCLUSÃO, ESTUDO, ORGANISMO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, MELHORIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, PRIORIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, COMBATE, POBREZA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, o Jornal O Globo , nas edições de 5 de abril e 15 de março, respectivamente, publicou matéria sobre documento do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird) e sobre documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), comentando a situação da pobreza no Brasil, tema sobre o qual nos temos debruçado, não só eu, mas praticamente todo o Senado, na busca de dar uma resposta para essa constatação grave que fazemos de um grande contingente de pobres e até de miseráveis no País. Não podemos conviver com essa situação no derrubar de um novo milênio, quando estamos celebrando os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.  

O documento do Bird traz uma abordagem interessante sobre o problema da pobreza, uma vez que não se limita a apontar as carências de ordem material – a falta de renda, de habitação, de assistência médica, de educação, etc. – e cita a falta de voz política como indicador de pobreza. A ausência de representação e de canais de expressão para manifestar o inconformismo ou para levantar a voz, a fim de que os Governos, os dirigentes, os Parlamentos possam ouvir, tomar consciência da gravidade da situação e da precariedade das condições em que se vive é, talvez, a maior pobreza, que, em resumo, é a falta de cidadania.  

Não se trata de uma abordagem nova, porque estamos todos cansados de saber disso, mas, vindo de uma agência de desenvolvimento internacional do porte do Bird, que é o Banco Mundial, ela passa a ter uma importância maior. Essa constatação partiu de um trabalho em que foram ouvidas 60 mil pessoas em 60 países dos cinco continentes e que se chama "Vozes dos pobres". Houve o levantamento, a partir do qual diz o Presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn que o Bird dará prioridade aos projetos das próprias comunidades. Textualmente, S. Sª diz:  

 

A idéia é dar uma voz mais poderosa às instituições comunitárias cujas decisões afetam suas famílias e meio de vida, a fim de torná-las mais confiáveis e responsáveis.  

 

É o mesmo que dizer que se criarão condições para que essas comunidades tomem o seu destino em suas próprias mãos e assumam, portanto, a condição de cidadania, que é premissa para o desenvolvimento.  

O relatório do Pnud põe culpa na má administração dos recursos públicos pela continuação da pobreza no mundo. Esse levantamento faz uma avaliação de 23 programas contra a miséria, entre eles o do Brasil. Segundo o documento, "a pobreza no País — o Brasil — permanece quase do mesmo tamanho em relação à população de vinte anos atrás, principalmente devido à ineficiência de políticas sociais implementadas pelo Governo e à má distribuição da renda".  

Portanto, vemos que pobreza é mais do que falta de renda, mais do que falta de dinheiro. Pobreza é não ter voz, não ter representação, não ter nas mãos condições que permitam a cada um realizar seu próprio destino.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE)– Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Meu caro Senador Lúcio Alcântara, V. Exª relata um fato importante, que consta do relatório e da visão do Bird. Se pudéssemos resumir em uma palavra essa nova postura do Bird, poderíamos denominá-la como promissora, não só no sentido de ter essa visão comunitária, a visão de buscar a participação da comunidade, mas também deixar de analisar a frieza dos números e passar a verificar a condição social e de cidadania das populações mais pobres. Sem dúvida alguma, esse é um avanço importante e V. Exª, com sensibilidade política, traz esse tema ao plenário, para registrar que talvez este seja um momento novo, o momento de articular e de o próprio Poder Público começar a buscar caminhos para fazer com que as comunidades, as Organizações Não-Governamentais, as entidades da sociedade civil se articulem e comecem a propor, operacionalmente, medidas que possam captar recursos do Banco Mundial. Portanto, este assunto é extremamente importante, uma mudança de ótica que merece ser ressaltada. Quero aplaudir o registro que V. Exª faz nesta tarde!  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Muito obrigado, Senador Romero Jucá.  

Todos sabemos que o Governo brasileiro gasta uma soma apreciável em programas para os pobres: na área da saúde, da educação, no Bolsa Escola, na merenda escolar, na área da previdência, para os que não contribuíram para uma aposentadoria, na aposentadoria do trabalhador rural, do idoso, do deficiente físico. Mas, na verdade, estudos têm mostrado que grande parte desses recursos se perde ao longo da cadeia, não chega, de fato, ao destinatário final, que é o pobre, o miserável, aquele que precisa. Esse recurso é, em grande parte, apropriado pela classe média e por outros setores da sociedade, inclusive pela própria burocracia.  

Dentro dessa mudança de enfoque, vou concluir o meu discurso falando um pouco sobre o Fundo da Pobreza e sobre o que o Banco Mundial está recomendando, que são os programas específicos e diretos para a pobreza.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Concedo um aparte à Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Senador Lúcio Alcântara, quero saudar V. Exª pelo pronunciamento que traz a esta Casa. Senador, não fico nem um pouco sensibilizada com declarações de instituições multilaterais de financiamento, porque, embora façam determinado tipo de discurso, às vezes até benevolente, de fato trabalham como instituições financeiras, instituições multilaterais de investimento, que forçam os países, por meio do Fundo Monetário Internacional, a fazer projetos de ajuste fiscal que apenem aqueles que eles, demagogicamente, dizem querer defender. Senador Lúcio Alcântara, V. Exª já citou a má administração e o mau direcionamento dos recursos públicos, que acabam, pela burocracia, por ficar em setores que não precisam diretamente desse investimento. Mas quando analisamos o Orçamento, fica muito difícil termos paciência diante desse debate. Num País gigantesco como o nosso, para garantir educação, assistência social – entra tudo: deficiente, idoso, trabalho infantil, bolsa cidadã -, saúde, habitação, saneamento, organização agrária, está sendo proposto R$35 bilhões; para o pagamento dos juros e do serviços da dívida, R$151 bilhões, fora os R$41 bilhões que foram arrancados dos mesmos cofres para a desvinculação da receita da União. Realmente, é muito difícil nos sensibilizar a discussão do combate à pobreza, das políticas sociais, quando, efetivamente, o Governo Federal e o Congresso Nacional não estabelecem mecanismos concretos que viabilizem o que discursamos como fundamental para a política social. O que está previsto para o combate ao trabalho infantil significa apenas 10% da população de risco. O que está previsto para o Programa de Renda Mínima significa apenas 2% da população, identificada pela própria estrutura do Governo Federal como necessitada, como carente. Realmente, é muito difícil ter paciência em relação a esse debate. Tivemos oportunidade nesta Casa - V. Exª está lembrado - de aprovar, na Comissão de Assuntos Sociais, uma emenda garantindo ações de assistência justamente a crianças, possíveis vítimas ou submetidas ao trabalho infantil, que foi, necessariamente, cortado. E o que ficou de fato na discussão orçamentária? É desprezível o Congresso Nacional dizer que discute o Orçamento, quando, de fato, mais da metade dessa receita está comprometida com o pagamento dos juros e serviços da dívida, e apenas 3% para educação, 5% para saúde, 1% para assistência social, 0,29% para saneamento, 0,13% para habitação, 0,63% para organização agrária, num país de dimensões continentais como este. Muito obrigada, Senador, queria apenas complementar o pronunciamento de V. Ex.ª.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Senadora Heloisa Helena, os números de V. Exª são incontestáveis. Podemos discordar em muitas coisas, mas com relação a esses números, V. Exª tem o respaldo do Presidente da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, o Senador Gilberto Mestrinho, e os números falam por si mesmos.  

Mas a pergunta é o que fazer diante desses valores. Entendo que não temos como adotar medidas de caráter unilateral como o isolamento do País, romper contratos internacionais; e não creio que isso seja factível.  

No plano interno, nós brasileiros podemos ser de partidos diferentes, mas nos entendemos quanto ao essencial para o País. Há vários Estados da Federação administrados por Governadores do PT, figuras de grande qualidade como políticos e como administradores, e eles não podem romper contratos que foram celebrados e que estão em vigor. Então, a margem de manobra que temos, realmente, é pequena, porque há uma ordem internacional, que é injusta, e quanto a isso eu subscrevo o pronunciamento de V. Exª completamente.  

Mas estamos procurando alongar o perfil da dívida, buscar desenvolver políticas de eficiência, de aumento da arrecadação, etc., mas não há como simplesmente ignorar isso de uma hora para outra.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AL) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Senadora Marina Silva, já concedo o aparte a V. Exª, com o maior prazer, não só por dever parlamentar, mas porque me apraz muito a emoção, o calor, o entusiasmo de V. Exª ao tratar desses problemas.  

Tivemos, num passado recente, uma moratória declarada pelo Presidente Sarney. Mas essa decisão não ajudou, não solucionou o problema. Então, há um front externo de luta. Não penso que o Banco Mundial, o Pnud, que esses organismos multilaterais sejam santos, mas temos que nos aproveitar dos diagnósticos feitos por eles para sensibilizá-los para outras políticas, outras formas de encarar esses problemas.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) - V. Exª me permite mais um aparte?

 

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Ouço com prazer V. Exª.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) – Senador Lúcio Alcântara, é até admissível que um Estado acabe se submetendo à imposição do Governo Federal, porque, se não se submete, vê cortados inclusive seus repasses constitucionais. Infelizmente, no Brasil, inclusive com a cumplicidade do Congresso Nacional, especialmente a do Senado, o que era cláusula pétrea constitucional não é mais, porque não existe mais Federação. O que era assegurado aos Estados, que era a gestão financeira dos chefes do Executivo com suas Assembléias Legislativas, não existe mais. E, a partir de amanhã, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, acaba-se com a Federação, o pluralismo político. Agora, simplesmente, partir da constatação de que esse estado de coisas não pode ser alterado em um país do tamanho do Brasil, com essa dimensão de áreas agricultáveis, de recursos hídricos, de infra-estrutura, com um mercado interno imenso, um país que é um elo fundamental, juntamente com outros países da América Latina, para reverter a ordem internacional, e o País não tem coragem de fazer isso, realmente é muito difícil!  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Vou tentar interpretar a indignação de V. Exª.  

Estou entre os que não podem sucumbir diante do pessimismo intelectual, entre os que pensam que as coisas têm que ser assim mesmo, que se trata de uma ordem irremovível, que são os comportamentos de mercado que estão na órbita das relações internacionais e que se trata de um processo de hegemonia econômica, militar e política dos Estados Unidos. Constatando esses fatos, não quero crer que se trate de uma situação perante a qual nada nos resta senão nos curvar, cruzar os braços e esperar o que há de vir. Se pensasse assim, estaria ignorando a vontade política, que é o desejo de mudar, de alterar e modificar a situação, ainda que seja uma alteração nos quadros institucionais, legais, do País.  

Essa indignação, de certa maneira, essa revolta, deve funcionar como uma espécie de fermento para que o País não se acomode. Não creio que seja algo inevitável, um destino ao qual tenhamos que simplesmente sucumbir. Reconheço que há uma situação extremamente desfavorável na conjuntura econômica internacional. O que não quer dizer - relembro para concluir meu pronunciamento, pois o tempo já está acabando e há outros colegas querendo falar - que tenhamos que ficar de braços cruzados.  

Quando V. Exª se insurge, não aceita, se revolta, fica indignada com essa situação, expressa-se politicamente, na tentativa de fazer com que nosso Governo, hoje o Presidente Fernando Henrique, amanhã seja quem for, se articule, procure mobilizar vontades para modificar essa situação extremamente desfavorável. Reconheço que não é fácil, não é simples, porque há uma conjuntura internacional que não ajuda esse nosso desejo de mudança.  

O Pnud traz dados que até contestam os números que acabamos de comparar. Em relação à pobreza no mundo, hoje, 2,8 bilhões de pessoas vivem com menos de US$2,00 por dia e 1,2 bilhão sobrevive com menos de US$1,00 por dia. É uma condição imensamente difícil para um enorme contingente da população, e são dados que falam por si mesmo.  

No Brasil, o documento do Pnud destaca necessidade de novas políticas para reduzir os desequilíbrios e estimular o crescimento econômico. Isso porque a má distribuição dos gastos sociais é a principal responsável pela manutenção de uma pequena classe privilegiada e da pobreza.  

Aí vem um dado que de certa maneira está em desacordo com aquele que ouvimos há pouco:  

 

O Governo vem gastando quase 66% do Orçamento com educação, saúde, seguridade e assistência social. Mas a maior parte dos benefícios, considera o estudo, acaba destinada às classes média e rica. O exemplo da educação é um dos mais expressivos dessa situação. Cerca de 33% da população mais pobre não tem acesso à escola. Mas as diferenças ficam mais agudas no ensino secundário e superior. Uma mínima parcela dos pobres consegue chegar ao segundo grau, de acordo com o estudo, e praticamente nenhum ao terceiro.  

Desta forma, os gastos com o segundo e terceiro graus acabam trazendo pouco benefício para minorar a situação dos pobres. Até porque a maior parte das bolsas de estudo é concedida para estudantes graduados. Com isso, o Governo gasta 80% dos recursos com os 20% mais ricos da população.  

 

Esses números mostram a necessidade de enfrentarmos esse problema. Como V. Exª disse, não obstante ser um fato do nosso conhecimento, a população praticamente desconhece que o que alteramos no Orçamento é muito pouco. Quando há alterações, acusam-nos injustamente de estarmos desorganizando o Orçamento, de estarmos dificultando a ação do Poder Executivo por alterarmos uma parcela ínfima. Até essa tão malfalada verba de que cada Parlamentar dispõe, R$1,2 milhão, para destinar aos Municípios e aos Estados, é uma parcela ínfima do total do Orçamento; isso quando é liberada, porque, muitas vezes, há contingenciamentos.  

Espero que, na quarta-feira, possamos aprovar o Orçamento. Mas, todos sabemos, não pode haver liberação de recursos para Estados e Municípios seis meses antes da eleição. O que vai reduzir esse espaço para a liberação desses recursos é um intervalo – o Senador Gilberto Mestrinho está a me socorrer aqui, dizendo haver 30 dias para isso, o que me faz pensar que nada será liberado. Ficará, oxalá, para o fim do ano, e, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, não sei se os prefeitos que não se reelegerem poderão gastar esse dinheiro.  

Então, Sr. Presidente, o problema da pobreza é grave, é atual. Há que ser enfrentado com competência, com espírito público e com medidas eficazes. Não é uma questão apenas de mais dinheiro; precisa-se de dinheiro sim, mas para ser bem aplicado - e que chegue realmente ao destinatário final, que é o pobre e o miserável, esse que não tem perspectiva, esperanças ou qualquer possibilidade diante de si.  

A aprovação do Fundo da Pobreza não vai resolver isso, mas seriam mais R$4 bilhões por ano para o Governo gastar com essa parcela mais pobre da população, além de outros programas de geração de emprego e renda, de investimentos em educação. Isso tudo consiste em um conjunto de medidas que podem levar à transformação da sociedade brasileira.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2000 - Página 6767