Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A POLITICA INDIGENISTA.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • COMENTARIOS SOBRE A POLITICA INDIGENISTA.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Gilberto Mestrinho, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2000 - Página 6772
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, BENEFICIO, SOLUÇÃO, CONFLITO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), INFORMAÇÃO, ENCAMINHAMENTO, PROPOSTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • SUGESTÃO, ORADOR, DEMARCAÇÃO, TOTAL, TERRAS INDIGENAS, DEFINIÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESPECIFICAÇÃO, AREA, PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • SUGESTÃO, ATENDIMENTO, PROPOSTA, COMUNIDADE INDIGENA, EXCLUSÃO, SEDE, MUNICIPIO, VIDA, AREA, RESERVA INDIGENA.
  • DEFESA, URGENCIA, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, BENFEITORIA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), TRANSFERENCIA, PRODUTOR RURAL, SAIDA, AREA, CONFLITO.
  • DEFESA, ARTICULAÇÃO, MINISTERIO, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, CRIAÇÃO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ATENDIMENTO, INDIO, ASSISTENCIA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, SAUDE, EDUCAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho, ao longo do meu mandato, Sr. Presidente, definido e explicitado uma preocupação grande com o futuro do meu Estado, Roraima, com o processo de demarcação de terras indígenas e com a viabilidade de uma política indigenista que respeite e preserve os índios brasileiros.  

O Estado de Roraima tem sido palco, ao longo do tempo, de processos de demarcação conflituosos que fazem com que parte da sociedade explicite suas preocupações e parte da comunidade indígena se revolte.  

Ao longo de mais de dois anos, tenho tratado com os organismos federais, com a Funai, com o Ministério da Justiça, do processo de demarcação em Roraima, da construção da linha de Guri, que passa em terra indígena - depois de muito tempo, foi definido o entendimento sobre essa questão e a obra foi executada – e, posteriormente, da demarcação da área indígena Raposa e Serra do Sol. Essa demarcação tem gerado inquietude no meu Estado, tem estimulado a divisão, pelo menos em parte, de opiniões do segmento indígena e tem levado a posicionamentos que entendo não serem o melhor caminho para se buscar o entendimento.  

Como ex-Presidente da Funai, como defensor de um processo de desenvolvimento auto-sustentado para a Amazônia, como Senador pelo Estado de Roraima e como cidadão não poderia me furtar a buscar caminhos que solucionassem essa questão tão grave.  

Sr. Presidente, depois de muitos entendimentos, de reuniões no Ministério da Justiça, de reuniões com vários Presidentes da Funai, passando por Sulivan Silvestre, Marcos Lacerda e Carlos Marés, e depois de entendimentos com Ministros da Justiça, como Iris Rezende, Renan Calheiros e José Carlos Dias, venho hoje à tribuna informar que encaminhei, esta semana, proposta ao Ministro da Justiça e também carta ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, em que, na minha visão e com a minha experiência, aponto caminhos para solucionar o caso Raposa Serra do Sol e, mais do que isso, para buscar a pacificação e o entendimento no Estado de Roraima.  

Como Senador de Roraima, como cidadão e como ex-Presidente da Funai, não me preocupa só o processo de demarcação das terras indígenas. Não! Talvez esse seja um ponto importante. No entanto, o que me preocupa em relação à questão indígena não é o dia propriamente dito ou o processo de demarcação, e, sim, o dia seguinte e, ainda, os que se seguirem à demarcação, porque teremos de ver a continuidade da relação e da convivência entre índios e não-índios naquelas áreas, no meu Estado de Roraima e em outros Estados da Amazônia.  

Se esse processo de demarcação de Raposa Serra do Sol, como outros, tiver vencidos ou vencedores, o dia seguinte continuará a ser motivo de forte preocupação no meu coração e – entendo – no daqueles que querem a paz no Estado de Roraima.  

Desse modo, mantive contatos, como disse, com o Ministério da Justiça, com a Funai e com organismos federais, apresentando ao Ministro José Carlos Dias proposta da qual citarei alguns pontos que considero importantes. O primeiro deles é que a discussão e a conseqüente demarcação das terras indígenas em Roraima sejam feitas de uma só vez. Trata-se de termos condições de, num único processo de entendimento, definir e demarcar as áreas que precisam ser distinguidas como terras indígenas. Registro isso, porque entendo – como fiz referência no processo – que uma delimitação a conta-gotas só agudiza e amplia o nervosismo desse processo em Roraima.  

Parte de segmentos do Estado e parcela dos políticos pensam que cada demarcação é feita para inviabilizar Roraima. Não penso assim, mas creio que temos de demonstrar que essa não é também a visão do Governo Federal. Num entendimento amplo, o ato de demarcar as áreas necessárias, de acordo com um método claro de discussão, é, para mim, o primeiro passo para definirmos fundiariamente o Estado de Roraima, especificando o que é terra de produção, o que é terra indígena e o que é terra de preservação. O que não pode acontecer é, a cada dia, surgirem novas áreas, novas pretensões, e esse processo de nervosismo sendo agudizado no meu Estado.  

A segunda ação que entendo importante é o acatamento, por parte da Funai e do Ministério da Justiça, de propostas oriundas da comunidade indígena São Marcos de Pacaraima, que pretende, num gesto de busca do entendimento, resolver as questões pendentes. A comunidade indígena, por meio de seu líder, Alfredo Silva, pretende excluir da área indígena de São Marcos, já demarcada, a sede do Município de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, onde moram hoje centenas de pessoas, numa relação comercial e com uma ocupação cada vez maior das áreas de fronteira com a Venezuela. Portanto, é a própria comunidade indígena que diz querer evitar conflitos, desejando que esta cidade não fique mais na área demarcada e que lhe seja entregue o restante da área indígena, por não querer ser motivo de dificuldades na relação que precisa acontecer.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB – RO) – Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Concederei já o aparte a V. Exª.  

A terceira ação que contemplo em minha proposta é a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol, também com a exclusão das vilas e dos povoados estratégicos dentro da região. Queremos a demarcação, mas entendemos – e a comunidade indígena também – que as cidades ou vilas devem ser excluídas, delimitando-se o seu espaço de crescimento, dentro da área demarcada como área indígena. Por que isso? Para se evitar que, toda vez que se construir uma casa ou demarcar um lote, haja um pé de briga, enfim, uma relação conflituosa, que não constrói a relação diária entre índios e não-índios.  

A quarta ação concreta é a disponibilização imediata de recursos para o pagamento das indenizações pelas benfeitorias realizadas em áreas indígenas demarcadas, não só na Raposa Serra do Sol, como em outras áreas indígenas demarcadas em anos passados, cujos antigos proprietários, os fazendeiros, ainda não as receberam e, portanto, estão, muitas vezes, à míngua, esperando que processos administrativos, ora mal geridos pela Funai, ora com avaliações injustas, tolham o sonho de reconstrução de uma vida, muitas vezes retirada quando da desapropriação para fins de demarcação de terras indígenas.  

Outro fato importante, já negociado por mim com o Banco Central, com o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e com a Embrapa, é a utilização, para a relocalização das fazendas que estão em área indígena de demarcação, das fazendas do antigo Banco Bamerindus. São mais de 70 mil hectares formados, com pasto, com cercas, já disponibilizados pela Embrapa, conforme documento que se encontra aqui no dossiê que encaminhei junto com a proposta. Estão aqui os documentos do Banco Central e da Embrapa dizendo que não pretendem utilizar essa terra e, portanto, de imediato, as fazendas Murupu, Caomé e Truaru poderão ser usadas para relocalização dos fazendeiros que se encontram em área indígena.  

Essa regularização fará com que a condição de produção dos fazendeiros seja melhor nas fazendas antigas do Bamerindus que a hoje verificada na área em que se encontram. Por quê? Como esse conflito vem se arrastando ao longo dos anos, a maioria das fazendas, hoje, não está produzindo ou, se está, faz em condições precárias, visto que não houve investimento por parte dos proprietários, exatamente em face do questionamento e dos conflitos latentes por conta da demarcação. Portanto, existe a área para imediatamente relocalizar as fazendas.  

Outro ponto importante é o compromisso da União em disponibilizar áreas complementares, caso as referidas áreas do Bamerindus não forem suficientes para realojar todos os fazendeiros. Se houver necessidade de novas áreas, o Incra e o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, imediatamente, desapropriam outras, comprando-as; enfim, eles vão procurar uma solução política e técnica para a relocalização imediata desses fazendeiros.  

E a última ação que proponho é a articulação do Governo Federal, dos Ministérios da Saúde, da Educação, da Agricultura e da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, inclusive com a implantação de um Pronaf indígena, além dos Governos estaduais e municipais, para, em se agregando todos esses setores, criarmos uma ação de atendimento à comunidade indígena. Não basta demarcar a terra; é preciso iniciar, concomitantemente, uma ação de saúde, uma ação de educação, uma ação de agricultura, dando apoio à produção, para que as comunidades indígenas que estão recebendo essa terra tenham condições de se sustentar, de crescer e de melhorar a sua condição de vida.  

Sr. Presidente, encaminhei essa proposta juntamente com toda a documentação. São quinze documentos, desde ofícios encaminhados por mim há dois anos, tratando dessa questão, até o posicionamento recente, deste mês, da Embrapa com o Banco Central, na questão da fazenda Bamerindus.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB – RO) – Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Concedo o aparte a V. Exª.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) – Nobre Senador Romero Jucá, V. Exª, mais do que ninguém, conhece essa problemática, pois já foi Presidente da Funai e fez um tremendo trabalho nessa área. A essa questão que V. Exª abordou com muita precisão ainda tenho algo mais a acrescentar. Acredito que, para resolver esse problema indígena, o Presidente da República, ou talvez até o Congresso Nacional, teriam que disponibilizar lei que estadualizasse essa questão indígena. Há Estados aí que não têm nada a ver com índios e há Estados que têm a ver com eles, como é o caso do Estado do Amazonas, que o Senador Gilberto Mestrinho, aqui, representa, Roraima, Rondônia. Esses Estados deveriam cuidar da sua política. Senador, ainda nesse fim de semana, eu estava no Vale do Guaporé, e os pequenos agricultores disseram: "Aqui, passou uma missão, alguém de alguma ONG que cuida dessa questão indígena, perguntando onde haveria algum pedacinho de cerâmica, algum vestígio de índio, para dali a pouco mapearem, levarem índio para criarem reserva." Creio que tenha chegado o momento, a esta altura, de se estadualizar essa questão indígena. Bem falou V. Exª que, no meu Estado, no Município de Ariquemes, Rondônia, o INCRA assentou centenas de famílias - e, sobre isso, aqui já reclamei por várias vezes, já fui a ministros, já fui a tantos setores - e, depois de essas famílias estarem assentadas, com escritura pública, fizeram uma demarcação em cima dessa área: de um milhão de hectares passaram para 1 milhão 865 mil hectares, para 90 índios, e absorveram essa área, já escriturada, com cafezais, pastagens, moradores, expulsaram mais de 200 parceleiros, e essa gente está hoje na amargura, sem direito a nada, sem indenização, sem outra terra, penando por causa dessa política estranha que aí está. Ainda bem que V. Exª está abordando este assunto. Oxalá que o Presidente da República tome conhecimento e procure, junto com o Ministro da Justiça, encaminhar de um outro modo para que venha atender os problemas do Brasil e dos índios, não abrangendo a economia desses Estados que tenham essa reserva. Muito obrigado.

 

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) – Senador Ernandes Amorim, agradeço o aparte de V. Exª, apesar de não concordar com qualquer processo de estadualização da questão indígena. Acredito que a demarcação indígena deva ser federal e deva ser cumprida. Aliás, tenho um projeto em tramitação que define nova data para conclusão das demarcações indígenas no País. A Constituição definia cinco anos a partir de 1988. Os cinco anos se passaram, e não houve demarcação. O Governo Federal deve demarcar, mas é claro que não defendemos abusos, nem loucuras. V. Exª se refere à demarcação da área indígena Uru-eu-wau-wau no Estado de Rondônia, que é uma área extremamente problemática. Esses casos esporádicos de qualquer tipo de problema criam dificuldades para os próprios índios. A comunidade indígena não quer isso.  

Aliás, gostaria de ressaltar que, hoje, o Correio Braziliense – posteriormente, farei um outro discurso sobre isso – publica uma pesquisa que demonstra a visão da sociedade brasileira para com a comunidade indígena, o que, de certa forma, alegrou-me muito, porque vemos que há uma conscientização de que a questão indígena é importante.  

É claro que temos que dar responsabilidade aos órgãos de funcionamento do Governo Federal. Mais do que isso, temos que criar caminhos, preocupar-nos com o dia seguinte das demarcações, que é exatamente a relação entre índios e não índios.  

Muito obrigado.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) – Senador Romero Jucá, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Ouço V. Exª com muita satisfação.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB – AM) – V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Romero Jucá?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Pois não, nobre Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB – AM) – Nobre Senador Romero Jucá, é elogiável a ação de V. Exª procurando encontrar o caminho que estabeleça uma normalização das relações das populações de Roraima, especialmente no que diz respeito à demarcação de terras na área chamada Raposa Serra do Sol. Conheço aquele povo há muitos anos, V. Exª era menino ainda, e eu já conversava com Wapixanas, Makuxis, Taurepangs, Ingarikôs. Os Tuxauas todos são meus conhecidos, meus amigos. Vez por outra me procuram, trocam idéias. O que estranho é a exigência, por parte de organismos internacionais, de só aceitarem demarcações de áreas contínuas, quando os próprios índios não querem isso. Ainda há poucos dias, conversando com Tuxauas, disseram que queriam as demarcações, mas que fossem em ilhas, como dizem, em blocos, porque são tribos diferentes, povos diferentes, e não se dão bem. É a realidade. Por que então fazer demarcações de áreas contínuas, obrigatoriamente? Por que não se ouve os índios e sim os falsos protetores de índios? Eles é que são ouvidos. Os verdadeiros índios não têm sido ouvidos em coisa alguma. Há pouco tempo, dois ou três meses, conversava com vários Tuxauas Ianomamis, que me diziam - e V. Exª conhece o assunto melhor do que eu, pois foi Presidente da Funai - que os Ianomamis são seis grupos distintos, embora o tronco étnico seja o mesmo, inclusive têm dialetos diferentes. Cada um desses grupos tinha o costume de matar os filhos de sexo feminino. Então, havia sempre falta de mulheres em determinadas tribos, porque não as deixavam crescer, e havia briga constante entre as tribos. Eles não queriam a demarcação contínua, mas foi imposta. Veio o representante da coroa britânica, que foi falar com a Drª Cláudia Andujar, e exigiu-se do Governo brasileiro, que já tinha feito o levantamento e as portarias de demarcação em áreas separadas, em 150 ilhas, que fosse feita a demarcação contínua. Pegaram todo o polígono mineral de Roraima e do Amazonas e transformaram aquilo em Nação Ianomami. Os Tuxauas me diziam: "Olha, professor," – era como eles me chamavam – "a pior coisa que aconteceu para nós foi a tal demarcação, porque levaram os nossos líderes para falar até com a rainha da Inglaterra, com o Presidente da França, com todo o mundo, e depois da demarcação nos esqueceram." V. Exª diz que o dia seguinte é preocupante exatamente por isso. Se demarcarem áreas contínuas na Raposa Serra do Sol, com certeza haverá conflitos sangrentos, porque a maioria quer a demarcação separada, e uma minoria, imposta por um grupo que nem o Cardeal Ratzinger quer saber e, em conseqüência, o Papa, mas são impostos por ele, quer a demarcação contínua. Eles dizem que vai haver sangue, e, sendo um grupo minoritário, já ameaçam expulsar os outros, se a reserva for demarcada. V. Exª está prestando um grande serviço a Roraima, procurando encontrar um modus vivendi que atenda a todos, que pacifique, que respeite também o direito de os fazendeiros se localizarem sem prejuízo. Só duvido o seguinte: não há na História registro, pelo menos do meu conhecimento, de alguma indenização da Funai ou do Ministério do Meio Ambiente, ou do Governo em desapropriação ou demarcação de terra.  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Agradeço a V. Exª, com a experiência e o equilíbrio que V. Exª tem, por fazer um aparte importante como esse.  

O meu objetivo, ao buscar esse entendimento, não é procurar culpados, dividir a comunidade indígena. Tanto que, nos documentos que encaminhei ao Ministro, existem manifestações tanto do grupo do CIR – Conselho Indigenista de Roraima, que pede a área contínua, quanto do grupo do Sodiur, os índios que pedem a área descontínua.  

O que me preocupa - e já disse às duas comunidades indígenas - é que temos que ter a consciência de procurar soluções, primeiro, para fazer uma demarcação que garanta às comunidades indígenas o futuro e, mais do que isso, que não divida as comunidades indígenas. Dividir essas comunidades indígenas por conta desses processos de demarcação é um desserviço para o futuro das próprias comunidades indígenas.  

É importante buscar uma solução que não tenha vencidos nem vencedores, que não indique ou penalize ninguém, que não tenha condições de acusar ninguém. Não queremos culpados, queremos uma solução de paz. Queremos que o Estado de Roraima possa produzir, que tenha condições de ter riquezas e um potencial indígena como algo positivo para o Estado, e não um ponto de conflito interminável como é hoje.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) – Com muita satisfação, concedo um aparte à Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Em primeiro lugar, Senador Romero Jucá, gostaria de compartilhar do pronunciamento de V. Exª no que concerne à discordância em relação à estadualização da demarcação de terras indígenas. É absolutamente inadmissível imaginar como seria, nos Estados e Municípios, esse tipo de disputa. Trata-se de uma disputa gravíssima e não se daria somente nos Estados da Região Norte, seria o caso de Alagoas e vários outros Estados nordestinos onde há povos indígenas. Só em Alagoas há os Xucurukariri, os Karirixocó, os Wassu e os Jiripancó, que geram muita confusão enfrentando o poder político local. Fala-se com um pouco de cinismo da demarcação de terras indígenas ou da "invasão" do Movimento dos Sem-Terra. De fato, os invasores são outros. Por vezes, ostentam títulos falsos ou fabricados em cartórios. Estamos comemorando 500 anos de existência, fazendo várias saudações aos povos indígenas, mas sequer cumprimos a Constituição. Portanto, quero cumprimentar V. Exª por trazer este debate à Casa. A única coisa que temos obrigação de fazer é fiscalizar os atos do Poder Executivo para que a Constituição seja cumprida, pois há lei nesse sentido. Sei que neste País não se cumprem as leis, que vige a impunidade. No entanto, o problema é outro. No caso dos povos indígenas, antes de fazermos festa, devíamos cumprir a Constituição. Senador Romero Jucá, V. Exª viu esses dias que sequer um monumento, para a sua comemoração paralela dos 500 anos, um povo indígena pôde fazer, porque a polícia foi lá e derrubou-o. Fizeram uma cruz maravilhosa, substituindo a cruz original de madeira; um grande monumento arquitetônico. E os índios queriam fazer a sua própria homenagem, mas foi derrubada. Eles ainda voltaram e tentaram reconstruí-la, mas novamente foi posta no chão. E ainda dizemos que vamos comemorar os 500 anos! Portanto, queria saudar V. Exª por essa preocupação.  

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) – Nobre Senador Romero Jucá, a Presidência gostaria também de poder conceder a palavra aos próximos oradores inscritos.  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) – Vou concluir, Sr. Presidente.  

Estou alongando-me porque se trata de assunto extremamente grave para o meu Estado e os apartes foram muito importantes. Agradeço os apartes recebidos e também à Senadora Heloisa Helena.  

A legislação já é bastante dura. O título não precisa ser falso, pois, mesmo que o título seja verdadeiro, se há um laudo antropológico definindo aquela terra como indígena, aquele título é tornado sem efeito e a terra é demarcada. Por isso há a possibilidade da indenização.  

Temos que lutar para que a Funai tenha recursos ou para que sejam explicitados a fim de que o Governo Federal faça as indenizações, porque não é justo que benfeitorias construídas de boa-fé sejam desprezadas, que pessoas – como existem hoje em Roraima –, que construíram seu patrimônio durante duas ou três gerações, investiram tudo o que tinham naquela fazenda, vejam-se de repente sem a terra que passa a ser indígena. O esforço e a luta daquelas famílias têm que ser indenizados para que elas possam reconstruir suas vidas em outro lugar. É isso que defendemos.  

Encaminhei essa proposta porque entendo que este é o momento de se chegar a uma definição operacional que possa pacificar Roraima. E, como Senador, como cidadão e como ex-presidente da Funai, deixo por escrito uma proposta que, se for seguida pelo Governo Federal, tendo o mínimo de boa vontade com os setores com que já temos conversado, chegaremos a um ponto comum, demarcaremos as terras indígenas em Roraima e teremos um Estado exemplar, com uma política indigenista em condições de resgatar a dignidade dos índios no Brasil.

 

Solicito, Sr. Presidente, que, como parte do meu pronunciamento, sejam incorporados os ofícios encaminhados ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro da Justiça, José Carlos Dias, e todos os documentos que estão anexados.  

Muito obrigado.  

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROMERO JUCÁ EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2000 - Página 6772