Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UM FUNDO DE APOIO AO ENSINO MEDIO NOS MOLDES DO FUNDEF.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UM FUNDO DE APOIO AO ENSINO MEDIO NOS MOLDES DO FUNDEF.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2000 - Página 6787
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, APOIO, FINANCIAMENTO, ENSINO MEDIO.
  • COMENTARIO, IMPOSSIBILIDADE, PODER PUBLICO, OMISSÃO, GARANTIA, OFERTA, VAGA, ENSINO MEDIO.
  • CRITICA, BUROCRACIA, TENTATIVA, TRANSFORMAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, PROGRAMA, FINANCIAMENTO, ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, ESTUDANTE CARENTE, PAIS.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, PROGRAMA, FINANCIAMENTO, ENSINO SUPERIOR, VIABILIDADE, ACESSO, PERMANENCIA, ESTUDANTE CARENTE, FACULDADE, INICIATIVA PRIVADA.
  • SOLICITAÇÃO, EXECUTIVO, COMISSÃO MISTA, ANALISE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DISPOSIÇÃO, PROGRAMA, FINANCIAMENTO, ESTUDANTE, URGENCIA, PROMOÇÃO, ALTERAÇÃO, FUNDOS, DESTINAÇÃO, ENSINO SUPERIOR.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobres Colegas, não foram poucas as vezes que ocupei esta tribuna para abordar temas ligados à educação brasileira. Penso ser minha obrigação, como cidadão e Parlamentar, estimular o debate em torno dessa área absolutamente vital para o País. Volto a fazê-lo agora para focalizar uma questão da maior relevância, especialmente por sua aguda repercussão social. Trata-se do crucial problema do financiamento da educação superior, o qual, a cada dia que passa, torna-se mais angustiante.

Falemos francamente se é verdade que o acesso ao Ensino Fundamental está sendo ampliado, possibilitando que cerca de 95% de nossas crianças sejam matriculadas na faixa de escolaridade obrigatória, o mesmo não pode ser afirmado tão amplamente em relação ao ensino médio e, muito particularmente, no que se refere à educação superior. Para que não nos percamos com números, basta lembrar que, nos dias de hoje, precisaríamos multiplicar por dez o número de universitários brasileiros para que, proporcionalmente ao conjunto da população, empatássemos com a vizinha Argentina.

Nas circunstâncias que presidem o mundo contemporâneo, em que a informação e o conhecimento são peças fundamentais para a garantia da qualidade de vida da sociedade, para o pleno exercício da cidadania e para a pujança econômica de qualquer país, a educação superior deixou de ser um luxo apenas disponível para as camadas sociais mais elevadas. Hoje, ter acesso e condições de permanência em um curso de graduação - seja ele qual for - é questão de direito e pressuposto para superar as barreiras do atraso e da dependência.

Nesse sentido, dois desafios se colocam diante de nós e, em ambos os casos, não há como se escamotear a realidade. Em primeiro lugar, não pode o Poder Público se omitir no tocante à oferta de vagas ao ensino médio. Eis aí uma questão grave que bate à nossa porta e que, se não for enfrentada com determinação, haverá de explodir em pouco tempo, com gravíssimas repercussões sociais.

De muito pouco adiantará o esforço que se está fazendo, no sentido de colocar "toda criança na escola" se não for oferecida aos adolescentes e jovens egressos do ensino fundamental possibilidade de concluírem a educação básica, terminando o ensino médio.

Infelizmente, até o momento, os recursos da União estão canalizados para o ensino fundamental, deixando aos Estados a responsabilidade de, sozinhos, conduzirem o ensino médio. Prevejo, para os próximos anos, um problema de monumental dimensão nesse ciclo de escolaridade: os Estados não conseguirão garantir as vagas necessárias para o atendimento de uma demanda que, felizmente, não pára de crescer. Ao Governo Federal cabe uma única atitude: criar algo similar ao atual Fundef - que, a propósito, precisa urgentemente aproximar suas contas da realidade, ao invés de trabalhar com valor fictício por aluno matriculado - para o financiamento do ensino médio.

O segundo desafio situa-se no âmbito da educação superior. Uma vez mais, tenhamos a coragem de falar aberta e francamente: a União praticamente esgotou sua capacidade de intervenção nesse setor. Nem ela tem condições de criar e manter novas universidades, nem as instituições públicas conseguirão ampliar suas vagas à quantidade necessária. Assim, independentemente de nossa vontade ou de nossas convicções doutrinárias, o campo fica cada vez mais aberto à iniciativa privada.

Aliás, quem o reconhece é o próprio Governo Federal. Na área da educação superior, a atual gestão do MEC tem retirado inúmeros óbices porventura existentes para criação de cursos superiores, os quais se multiplicam pelo País afora, em sua esmagadora maioria mantidos pela iniciativa privada. Imaginemos ser essa a solução possível; entretanto, fica faltando resolver a questão subseqüente, exatamente o pagamento das anuidades.

Sabemos todos, Sr. Presidente, Srª s e Srs. Senadores, que a imensa maioria dos alunos que se matriculam numa instituição particular de ensino superior não tem condições de arcar com o pagamento de seus estudos. São milhares de pessoas que, no justo anseio de uma vida melhor, buscam nos cursos de graduação a chance que a vida lhes negou, ou seja, aprimorar seus conhecimentos, qualificando-se para um bom desempenho profissional.

Se o Estado não lhes pode oferecer vaga nas instituições públicas, que ao menos lhes dê condições de estudar numa faculdade particular. Como fazê-lo? Criando mecanismos de financiamento que, compatíveis com a realidade do aluno e não se confundindo com mera transação financeira, possam garantir a esses brasileiros o direito sagrado de completar sua educação.

Infelizmente, não é isso o que está acontecendo. O Programa de Crédito Educativo, o conhecido Creduc, teve uma existência por demais atribulada. Com absurda inconstância, surgia e desaparecia, abria e fechava inscrições, na maioria das vezes liberando os recursos contratados com inaceitável atraso. Ademais, nunca teve garantias quanto à fonte de recursos.

No atual Governo, foi o Creduc substituído por um novo programa, o Fies, com algumas diferenças marcantes em relação ao modelo anterior. A mais importante de todas, em minha opinião, é também o seu calcanhar-de-aquiles: hoje, o programa de financiamento da educação superior confunde-se, desgraçadamente, com mera transação bancária, com todas as implicações que lhe são inerentes. É contra isso que me insurjo!

As exigências iniciais apresentadas pelo Fies foram de tamanha monta que, na primeira seleção ocorrida no ano passado, cerca de 20 mil vagas deixaram de ser preenchidas, malgrado o expressivo número de pretendentes. A situação foi tão chocante que o próprio MEC reconheceu o exagero das exigências, alterando-as em alguns pontos.

No entanto, Sr. Presidente, isso ainda é muito pouco. A legislação que rege o Fies carece de urgente e profunda reformulação, sob pena de continuar esmagando os milhares de estudantes que dele dependem, quando não impossibilitando por completo sua utilização. Há que haver juros menores, diferenciando essa modalidade de empréstimo daqueles comuns no mercado financeiro. Ademais, salta aos olhos a necessidade de um razoável prazo de carência após a formatura para que a dívida comece a ser saldada. Afinal, há um componente social nesse tipo de financiamento que não pode ser esquecido, sob pena de o Fies perder todo e qualquer sentido.

Em suma, Sr. Presidente, nobres Colegas, acredito que um programa de financiamento da educação superior, como se pretende o Fies, somente se justifica se conseguir viabilizar o acesso e a permanência de estudantes carentes nos cursos pretendidos. Afinal, não são esses estudantes os responsáveis pelas mazelas do País, pela falta de vagas nas instituições públicas e gratuitas, por sua situação de penúria financeira. Eles não são os culpados. São, antes de tudo, vítimas de uma história que não construíram. Na maioria são trabalhadores que, em face de sua condição econômica, não tiveram acesso à universidade pública.

Fica, pois, o meu apelo ao Executivo e à Comissão Mista que analisa a Medida Provisória nº 1.972/11, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante, para que reflita sobre o quadro hoje existente, compreendendo a premente necessidade de promover alterações de fundo no atual programa de financiamento da educação superior.

É questão de elementar justiça para com milhares de brasileiros que, de outra forma, não teriam como arcar com os custos de seus estudos.

É uma questão de bom senso para com o País, que não tem o direito de ser privar de tanta gente esforçada, que quer - e pode - dar o melhor de si para a sociedade da qual faz parte.

Faço isso, Sr. Presidente, nobres Colegas, porque vivo o problema de perto e sei que os nobres Pares também o vivem em seus respectivos Estados. Recebo, por semana, dezenas de cartas de pais e de estudantes que passaram no vestibular, mas não têm como financiar o seu estudo. "Eu gostaria de me formar, de me aprimorar, de me aperfeiçoar, de ser uma pessoa preparada para a vida, mas não tenho como custear o meu curso superior nesta ou naquela faculdade."

No meu de Estado Santa Catarina, considerado um dos mais desenvolvidos do Brasil, até mesmo em vista de seu PIB, com uma economia descentralizada e bem servida, recebo dezenas de cartas de estudantes e de pais "chorando misérias". Quando estou no meu Estado nos fins de semana, sinto o clamor deles. Trabalham de dia para, à noite, freqüentarem o aperfeiçoamento de um curso superior. Entretanto, às vezes não encontram espaço no mercado de trabalho, e os pais fazem um apelo para que eu arrume um emprego, pelo menos de meio expediente, para que o filho possa pagar a faculdade. Eles dizem que o padrinho paga a pensão, mas a faculdade é R$300,00, R$500,00 e eles não têm esse dinheiro. O filho tem de arrumar um emprego, para poder se formar. E há faculdades que cobram R$700,00, R$800,00, R$900,00, R$1.000,00 por mês! O que pode fazer um pai pobre, com quatro ou cinco filhos, ganhando um salário mínimo, dois ou três? O filho passa num vestibular e é triste vê-lo em casa, sem conseguir um emprego e sem freqüentar o banco escolar.

Eu respondo a todos que procurem inscrever-se, na secretaria da sua faculdade, candidatando-se a dois pontos: um é o Crédito Educativo e o outro é um Fundo para a Educação, criado pela Constituição do nosso Estado, por meio de lei sancionada quando fui Governador. Os recursos do Fundo, previstos no Orçamento do Estado, são destinados a atender alunos carentes. Mas ele é tão pequeno, porque só o nosso Estado o sustenta, que não tem como atender a todos. Dessa forma, aconselho o aluno a se candidatar ao fundo de crédito educativo - porque na universidade há uma comissão de estudantes, professores e servidores que analisam os poderes de cada pai e do aluno para poder decidir sobre a matéria - ou à bolsa do Estado de Santa Catarina, já que o Governo Federal não fornece bolsa para isso.

Passam-se quatro, cinco meses. Recebo carta de vários alunos que ficaram estudando praticamente o ano todo, mas não puderam pagar. Não há solução para o crédito educativo nem como se conseguir bolsa. E agora o aluno até pode freqüentar o novo ano letivo, mas não lhe dão o resultado nem as notas, por não estar em dia com a tesouraria da universidade. Nesse caso, o filho chora, liga, diz que o pai não pode pagar e, por isso, terá de voltar para casa. Apesar de ter estudado no ano anterior, queixa-se de não poder estudar no ano em curso, porque não efetuou o pagamento. Teria de regularizar e fazer um "Proer", uma repactuação. No entanto, os juros são altos e os pais não têm essas garantias; muitas vezes não conseguem nem mesmo um avalista.

Srs. Senadores, não podemos simplesmente confundir o estudo e o aprimoramento da pessoa com uma transação financeira, como ocorre com o Proer dos bancos ou da agricultura. O estudante bem formado ajudará o País. O Governo diz que entrará com 70%, mas tem de haver um avalista. Se o aluno conseguir se formar, terá de começar a pagar. Entretanto, o que acontecerá se não conseguir um emprego? Não se pode confundir a formação das pessoas com uma mera transação financeira. Esse assunto tem que ser visto como uma questão social.

Srs. Presidente, trago esse debate porque acredito que não sou apenas eu que me preocupo com essa situação. Os Colegas também constatam esse problema em seus Estados. É importante a profissionalização no segundo grau, que devemos fomentar a fim de preparar os alunos para o mercado de trabalho. Não há dúvida. Mas, às vezes, o estudante prepara-se e não consegue ser inserido no mercado de trabalho. Então, para não ficar parado, vai tentando fazer cursos de especialização.

É o que está ocorrendo. O cidadão logra êxito no vestibular e, no entanto, os pais, padrinhos, tios ou avós não podem pagar seus estudos. Essa situação dói muito, Sr. Presidente. Não é fácil.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB - SC) - Ouço o aparte da Senadora Heloisa Helena.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Casildo Maldaner, não tinha intenção de fazer mais apartes, porque sei que o tempo está esgotado e já senti raiva demais durante todo o dia de hoje ao fazer referência ao Orçamento e ao fato de o Governo Federal mentir para a opinião pública ao falar de investimento na educação, quando pretende comprometer apenas 3% dos recursos. Imaginem V. Ex as que, num País com estas dimensões continentais e com esta enorme população, somente 3% dos recursos do Orçamento são destinados à educação! Como isso é possível? Por essa razão, não poderia deixar de prestar solidariedade a V. Exª pelo seu pronunciamento. Esse problema não ocorre apenas em seu Estado. A questão é tão grave que, se o problema existe em um Estado com uma das maiores rendas per capita no Brasil, imaginem o que acontece nos outros Estados. Talvez fosse obrigação do Ministério da Educação realizar uma campanha pública afirmando que as escolas não podem fazer isso. Nenhuma instituição educacional pode prender currículos ou qualquer outro documento. É preciso mandar o caso, se ocorrer, para o Ministério Público. Se se deve à escola, esta tem obrigação de cobrar judicialmente a dívida. É ilegal que ela prenda currículo ou qualquer outro documento do estudante. É importante que as pessoas prestem atenção a isso, principalmente as mais simples, as mais pobres, que muitas vezes passam por esse tipo de humilhação. Às vezes, o estudante quer matricular-se em outra escola com mensalidade menor, mas a outra escola, da qual o pai ou a mãe de família é devedor, nega-se a entregar as notas. Isso é ilegal. Quando isso acontecer, vá ao Ministério Público, vá ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. A escola terá de liberar os documentos. A instituição que coloque, então, o pai ou a mãe na Justiça para resolver o problema. Saúdo V. Exª pelo pronunciamento extremamente relevante, especialmente quando estamos às vésperas de votar o Orçamento. Essas questões devem ser tratadas durante a discussão do Orçamento, sobretudo quando nós, do Congresso Nacional, dizemos que podemos alterá-lo, que temos autonomia para isso. Mas continuamos deixando que um País deste tamanho, com uma população numerosa, comprometa apenas 3% de seu Orçamento com educação, do ensino fundamental ao nível superior. Parabéns, Senador Casildo Maldaner.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB - SC) - É com honra que recolho suas ponderações, Senadora Heloisa Helena.

Há recursos do próprio Governo para financiar moradias para a classe média ou até mesmo alta, por um período de 12 ou 15 anos, às vezes casas de praia em lugares de veraneio. Enquanto isso, vejo sofrer um estudante que quer se formar, que quer se preparar para a vida, para o País, para colaborar em áreas importantes. As vagas existem, porque o Conselho de Educação as autorizou. É preciso analisar se naquele campo há vaga para que a pessoa possa se preparar, porque o País precisa de profissionais, e não há condições de financiamento. Não dá para entender essa disparidade.

Sr. Presidente, trago essa preocupação para que a área econômica, o Ministro da Educação enfrente o problema. Trata-se de uma questão social que precisa ser levada ao Presidente da República. Claro, os que precisam, até um certo limite, podem ter suas casas, mas financiar casas de veraneio com fundos do Governo não é possível.

Precisamos encontrar caminhos para que todos possam preparar-se para colaborar com o Brasil. Trata-se de aproximarmos os excluídos de um processo do qual gostariam de participar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2000 - Página 6787