Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DIFICULDADE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARA EM DESIGNAR UM JUIZ PARA PRESIDIR O JULGAMENTO DOS RESPONSAVEIS PELO MASSACRE DE ELADORADO DOS CARAJAS. (COMO LIDER)

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.:
  • DIFICULDADE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARA EM DESIGNAR UM JUIZ PARA PRESIDIR O JULGAMENTO DOS RESPONSAVEIS PELO MASSACRE DE ELADORADO DOS CARAJAS. (COMO LIDER)
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2000 - Página 7287
Assunto
Outros > JUDICIARIO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, JULGAMENTO, RESPONSAVEL, HOMICIDIO, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), DIFICULDADE, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DESIGNAÇÃO, JUIZ.
  • CRITICA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ISENÇÃO, CULPA, GOVERNADOR, SECRETARIO, SEGURANÇA PUBLICA, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, ESTADO DO PARA (PA), ABSOLVIÇÃO, JULGAMENTO, MILITAR, COMANDO, OPERAÇÃO, PREVISÃO, CONDENAÇÃO, SOLDADO, DEFESA, REVISÃO, DECISÃO JUDICIAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, DIFICULDADE, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • INFERIORIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, POLITICA FUNDIARIA, RISCOS, CONTINUAÇÃO, OCORRENCIA, CONFLITO, INVASÃO, SEM-TERRA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB – PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em nome do meu Partido, registro a nossa preocupação com um fato que está gerando bastante inquietação no meu Estado, com repercussão nacional e internacional.  

Refiro-me ao julgamento dos responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996. Esse julgamento teve início no ano passado, e os primeiros integrantes da corporação da Polícia Militar a serem julgados, três comandantes, foram absolvidos no primeiro julgamento. O julgamento seria feito por partes, porque envolve cerca de 150 policiais militares. Ocorre que a Promotoria entrou com um recurso para que o julgamento fosse anulado, o que de fato aconteceu.  

Agora, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará se encontra diante da dificuldade de não conseguir um juiz para presidir esse julgamento.  

Há dois dias, o Presidente do Tribunal do Pará reuniu-se com 15 juízes, dos quais 13 recusaram presidir esse julgamento. Dois ainda devem dar a resposta, mas há um entendimento de que não aceitarão. Disse o Presidente que tentará convencer um dos 24 juízes da área Cível a aceitar a incumbência. Persistindo o problema, o Presidente apelará para os quarenta e cinco juízes da Primeira Entrância. A continuar a recusa, S. Exª apelará para os 70 juízes lotados no interior do Estado do Pará.  

Sr. Presidente, há uma dificuldade enorme do próprio Poder Judiciário do meu Estado para encontrar alguém que queira assumir a condução desse julgamento, que tem tido tanta repercussão no Pará, no Brasil e no mundo. Por quê? Talvez por uma dificuldade, por erro de base do próprio Poder Judiciário, pois vivemos um fato inédito e estamos diante de uma situação extremamente difícil para o Poder Judiciário.  

O massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu quando mil e quinhentos trabalhadores rurais, que vinham de uma luta de dois anos, esperavam uma providência do Governo Federal. Acompanho essa luta desde o começo, quando a Vale do Rio Doce expulsou esse trabalhadores de uma área que dizia ser dela. Tudo começou daí. Depois de dois anos de espera, esses trabalhadores resolveram caminhar até Belém para reivindicar os seus direitos ao Incra. No percurso, eles perceberam as dificuldades: a distância era muito grande, o cansaço, a fome, e resolveram parar em Eldorado dos Carajás, na chamada curva do "S", e reivindicaram ônibus e alimento para que pudessem ir até Marabá ou até Belém.  

O Governador do Estado foi pressionado e lhe foi sugerido que agisse, que demonstrasse a sua autoridade, que aquela mobilização era um desrespeito à autoridade do Governador do Estado. Então, S. Exª mandou que a Polícia retirasse os trabalhadores da rodovia a qualquer custo. Não custaria ao Governador, evidentemente, ter convidado Deputados Federais, Senadores mais próximos dos integrantes do Movimento dos Sem-terra para negociar uma solução para o problema. O que eles queriam era somente transporte e alimentação.  

Entretanto, o Governador preferiu ouvir integrantes da Direita, da UDR, integrantes dos setores ligados aos produtores mais reacionários da nossa região, e mandou que a Polícia desobstruísse a estrada a qualquer custo. O Governador não foi capaz de prever o que poderia ocorrer durante a operação, que resultou na morte de 19 trabalhadores sem-terra.  

Ora, de quem partiu a ordem para desobstruir a estrada? Partiu do Governador do Estado, seguida pelo Secretário de Segurança Pública e pelo Comandante da Polícia Militar, que repassou a ordem a dois comandantes locais da Polícia Militar. Esses executaram a ordem, e, ao fazê-lo, houve o confronto entre a Polícia, evidentemente armada, e os trabalhadores desarmados. Como conseqüência: o assassinato de 19 trabalhadores.  

O Poder Judiciário, por meio do Superior Tribunal de Justiça, antecipadamente, isentou de culpa aqueles que, na minha opinião, seriam os principais responsáveis pelo ocorrido, ou seja, o Governador do Estado, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar.  

Vejam em que situação difícil se encontra a Justiça do Pará: se quem deu a ordem para a ação foi isentado de culpa, antecipadamente, como agora vai-se culpar os comandantes e, por último, os soldados?  

Além disso, num primeiro momento, foram julgados os três militares que estavam no comando, entre eles dois capitães, e receberam a absolvição. Ora, qual seria o resultado do restante do julgamento se o Governador, o Secretário de Segurança Pública e o Comandante da Polícia Militar – aqueles que deram a ordem – foram antecipadamente isentados pelo Superior Tribunal de Justiça do nosso País e, em seqüência, os comandantes da operação também restaram absolvidos? Seriam os soldados que obedeceram as ordens os culpados.  

Houve, evidentemente, excessos; mas, no fim, como se diz na gíria popular, quem pagaria o pato seriam os soldados da Polícia Militar, ou seja, aqueles que recebem ordens, que ganham menos.  

A Justiça está numa situação extremamente difícil, tanto é que não consegue um juiz para presidir esse julgamento. Todos eles têm-se recusado permanentemente a fazê-lo.  

No Pará, hoje, encontram-se acampados em frente ao Tribunal de Justiça daquele Estado cerca de 450 famílias de sem-terra. Estão numa praça pública, clamando por justiça, pedindo que os responsáveis pelo massacre sejam devidamente punidos. Estão ali há quase um mês, passando fome, enfrentando chuva e sol, numa situação muito desconfortável. E o Tribunal – imagine, Senadora Heloisa Helena – não dispõe de um juiz para presidir esse julgamento.  

Na verdade, analisando os fatos, conclui-se que esses juízes têm até razão, porque a quem eles devem julgar? Os principais responsáveis, o Governador, o Secretário e o Comandante da Polícia Militar foram isentados de culpa e não fazem parte do julgamento. Já houve o primeiro julgamento e nele foram absolvidos os comandantes. Esse julgamento foi anulado a pedido da Promotoria, mediante solicitação nossa, porque todos nós nos reunimos para visitar a Promotoria e a própria Presidência, para falar da nossa posição contrária àquela decisão absurda, pois, ao fim, seriam os soldados que pagariam pelo crime.  

Além disso, ao chamar o Governador como testemunha, imaginem a humilhação por que passou o Poder Judiciário, inclusive os sete jurados: ao invés de o Governador ir ao Tribunal do Júri prestar o seu depoimento na qualidade de testemunha, os jurados, todo o aparato judicial deslocou-se para a casa do Governador para ouvi-lo. Vejam como funciona a Justiça em nosso País! Toda a equipe que participava do julgamento foi deslocada para a residência do Governador, porque S. Exª não podia sair de sua casa e sentar no Tribunal de Júri, quando é ele, no meu entendimento, o grande responsável por tudo que aconteceu.  

Fica difícil presidir um julgamento que culpará os menos culpados, condenar aqueles que, na realidade, são os menos responsáveis por tudo que aconteceu. Esses fatos ocorreram em função da falta de recursos ou de irresponsabilidade do Governo Federal para com a reforma agrária. E continuam ocorrendo. Não culpo o Ministério Extraordinário de Política Fundiária e o próprio Ministro Raul Jungman e sim o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Pedro Malan, o Ministro Martus Tavares porque desconhecem a realidade e contigenciam recursos do referido Ministério quando jamais deveriam fazê-lo, deixando, dessa forma, o próprio Ministro e principalmente os funcionários do Incra em situação de extrema dificuldade.  

Em nosso Estado, a cada semana, invade-se uma sede do Incra, prende-se um funcionário, impedindo-o de ter contato com a família; o cidadão passa cinco ou seis dias preso na sede do Incra em cidades do interior do Estado, sendo muitas vezes acusado de roubar dinheiro daquela instituição.  

Os pobres dos funcionários do Incra são acusados de roubarem dinheiro do órgão. Mas, na verdade, se o Governo tem que pagar R$2.500 por assentado para que construa a sua casa, envia a metade, ou seja, R$1.250. E, assim, a base entende que o funcionário do Incra roubou o dinheiro e não que o Governo deixou de enviá-lo.  

Ontem, o Congresso Nacional, ao votar o Orçamento, não conseguiu alterar muito o quadro da política fundiária. Vejam os recursos destinados a ela destinados pelo Poder Executivo: 1 bilhão 773 milhões de reais, um valor absolutamente insignificante para atender às necessidades fundiárias do Brasil,  

Para desapropriações, em termos de títulos da dívida, em torno de R$800 milhões. Ora, com a demanda crescente de acampamentos, em função da própria crise por que atravessa o Brasil, caracterizada pelo desemprego e a conseqüente falta de meios para sustentar sua família, as pessoas acabam, como último recurso, por fazer parte de um acampamento, pressionando para ganhar uma terra e as "benesses" do Governo. E o Orçamento revela-se absolutamente insignificante para o atendimento dessas necessidades, o que, evidentemente, pode levar a novos conflitos.  

Essa é uma situação difícil, e ressalto essa minha preocupação enquanto representante do Estado do Pará.  

Penso que o Poder Judiciário, quem sabe o Tribunal de Justiça do Estado, possa trazer para si a responsabilidade de designar um desembargador para presidir esse julgamento, ao invés de deixar a responsabilidade na mão de um juiz, uma vez que eles estão se recusando a presidir esse julgamento.  

A expectativa é a de que ninguém vai aceitar essa missão difícil e até injusta. Se, de antemão, os maiores responsáveis pelo massacre foram eximidos de culpa, como julgar-se os que tiveram que obedecer ordens?  

Penso que em relação ao massacre do Pará vai o ocorrer o mesmo que ocorreu no inquérito do Rio Centro, em que nada foi apurado E, quinze, vinte anos depois, reabre-se o caso, buscando-se um julgamento real, para se punirem os verdadeiros culpados daquele atentado terrorista que envolvia integrantes das Forças Armadas brasileiras.  

É possível que, no futuro, repito, o mesmo venha a ocorrer com o massacre de Eldorado dos Carajás, venha acontecer isso no futuro. Entendo que esse julgamento tinha que se iniciar, e a Justiça, nesse aspecto, teria que voltar atrás, com o julgamento das pessoas que deram a ordem para que o confronto ocorresse: o Governador do Estado, o Secretário de Segurança e o Comandante da Polícia Militar.

 

É absolutamente injusto julgar quem obedeceu às ordens, mesmo que estes tenham evidentemente cometido excesso. E quem dá uma ordem desse tipo tem que prever a dimensão a ser alcançada por um conflito como esse – no caso, o Governador. Ele tem a obrigação de perceber o que pode acontecer num conflito como esse. O Governador não deu ouvidos às pessoas, não negociou com elas. O que elas queriam era só transporte e comida, nada mais do que isso. Qualquer parlamentar ligado ao movimento, na ocasião, poderia ter resolvido isso, como por exemplo a Deputada Socorro Gomes, eu, o Deputado Paulo Rocha e outros deputados que estavam. Mas não! O Governador preferiu ouvir aqueles que falavam da sua autoridade, da preservação da autoridade, e aí manda a polícia, e aconteceu o que aconteceu.  

Espero que a Justiça do meu Estado encontre uma solução para o problema. É necessário haver o julgamento, para que os culpados paguem pelos seus crimes. Se isso ocorrer, de alguma forma, serão apontado como responsáveis o Governador, o Secretário de Segurança e o Comandante da Polícia Militar do Estado. Por outro lado, esse fato fará com que o Incra, o Governo Fernando Henrique Cardoso, o seu Ministro Pedro Malan e o Ministro Martus Tavares sensibilizem-se com esse tipo de ocorrência.  

Com freqüência, estamos indo ao Congresso Nacional anunciar invasão de agências, de sedes do Incra, em vários cantos do Estado, porque não se respeita o compromisso assumido. O que os trabalhadores vêm cobrar não é nada novo, não! É o que foi negociado, traçado, colocado em planilha, colocado no orçamento. Estava tudo lá previsto e certo, vem o Ministro e corta o recurso. Aí, acontece o que aconteceu, e, de repente, estamos sujeitos a ver um novo incidente grave, talvez de proporções menores mas tão grave quanto o de Eldorado dos Carajás.  

Espero que a Justiça do meu Estado encontre uma solução para resolver esse difícil problema.  

Muito obrigado!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2000 - Página 7287