Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DOS OITO MIL JOVENS BRASILEIROS QUE ESTUDAM NA BOLIVIA, EM FACE DA CONTURBAÇÃO POLITICA POR QUE ATRAVESSA AQUELE PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A SITUAÇÃO DOS OITO MIL JOVENS BRASILEIROS QUE ESTUDAM NA BOLIVIA, EM FACE DA CONTURBAÇÃO POLITICA POR QUE ATRAVESSA AQUELE PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2000 - Página 7290
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • APREENSÃO, ESTABILIDADE, SITUAÇÃO POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, ESTADO DE SITIO, OCORRENCIA, VIOLENCIA, MOTIVO, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO.
  • GESTÃO, ORADOR, SOLICITAÇÃO, EMBAIXADOR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, ITAMARATI (MRE), PROTEÇÃO, ESTUDANTE, BRASILEIROS, RESIDENCIA, AREA, CONFLITO.
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, TERCEIRO MUNDO, CRITICA, DESNACIONALIZAÇÃO, AREA ESTRATEGICA, ECONOMIA.
  • DEFESA, SOLIDARIEDADE, POLITICA EXTERNA, BRASIL, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, trago ao Senado Federal uma preocupação que certamente se estende a mais de oito mil famílias de brasileiros cujos filhos estudam em universidades na Bolívia.  

Trata-se da situação política da Bolívia. Não bastasse a suspeita de fraude na eleição do Peru, por uma prática de imperialismo que se quer implantar lá, pelo Governo Fujimori, mais uma vez, desrespeitando a soberania popular, a Bolívia acha-se em meio a uma conturbação da ordem pública e política. O Movimento Social Organizado da Bolívia propugna pela defesa de um estado de direito sobre cidadania. Aquilo que seria acesso a um bem fundamental, como o saneamento básico, como a água, toma uma dimensão maior do que um simples problema de ordem política, porque envolve o saneamento básico. Hoje talvez a última onda da perversidade da política de redução do papel do Estado, da apropriação do grande patrimônio estratégico dos países do Terceiro Mundo, é a política de privatização de saneamento básico.  

O governo boliviano decretou estado de sítio por um período de noventa dias diante de situações de violência pública, com mortes de pessoas, civis e militares, e, ao mesmo tempo, conflitos de rua que levam riscos aos cidadãos brasileiros ali residentes. Já encaminhei ofício ao Sr. Embaixador do Brasil na Bolívia e ao Sr. Embaixador da Bolívia no Brasil, solicitando atenção e sensibilidade especial com tranqüilidade e proteção dos civis brasileiros que estão, àquele momento, vivendo no território boliviano.  

A razão do estado de sítio, é importante destacar porque não é um problema apenas do governo e dos irmãos bolivianos, origina-se da política de privatização de saneamento básico. Ou seja, de apropriação de um bem estratégico, fundamental hoje dos países do Terceiro Mundo, especialmente América do Sul, que é a água. Estamos diante de uma manifestação que envolve um investimento de US$200 milhões de um consórcio internacional com os governos inglês, italiano, americano e espanhol, para que se amplie a chamada tese da universalização do saneamento básico e do atendimento de água. Os manifestantes pedem a rescisão do contrato com o chamado consórcio internacional Águas de Tunari, liderado por uma empresa internacional chamada Water Limited, com sede em Londres.  

O consórcio é integrado pelo grupo italiano Edison, a norte-americana Bechtel Enterprise Holdings, além de uma empresa espanhola chamada Abengoa, e de duas companhias bolivianas, a ICE Ingenieros e a Soboce. É uma situação que demonstra que até nas montanhas andinas, até nas montanhas bolivianas, numa região belíssima da América do Sul que é a região de Cochabamba, nós já temos a presença da violência dos consórcios internacionais, tentando se apropriar de um bem fundamental, que é a água e o saneamento básico.  

Existe hoje, dentro do Governo brasileiro, um impasse, uma divisão de opiniões em que setores do Governo Federal entendem que é antiético, que é antiestratégico e que é pouco inteligente a presença de uma política de privatização de saneamento básico. Outros setores defendem a privatização, baseados na famigerada, injusta e construtora de desigualdades cada vez maiores, tese do Estado mínimo, da desnacionalização das empresas e do aumento da dificuldade de acesso da população ao enriquecimento do patrimônio nacional.  

Acredito que é um momento delicado que o povo boliviano está vivendo. Quero registrar a mais profunda admiração pela população da Bolívia, que não está discutindo apenas por um aumento de salário, que dói imediatamente no estômago, não está discutindo por acesso de preços de mercadorias de alimentos básicos, mas está discutindo por algo fundamental e estratégico, que é o saneamento básico. É preciso olhar para a inteligência do Estado, é preciso olhar para aquilo que é a capacidade de elevar os países do Terceiro Mundo localizados na América do Sul a uma condição de soberania, de dignidade e elevação perante um cenário internacional tão perverso.  

Estamos vivendo um momento em que o encontro dos países pobres em Havana decide que o que está posto dentro da política internacional de redução do papel do Estado nacional dos países pobres, de desnacionalização das empresas nacionais, é do tamanho ou maior do que o holocausto vivido neste século, que testemunhamos com olhos muito tristes.  

Fidel Castro alega que os países pobres deveriam se reunir e criar um tribunal internacional que julgasse, pela perversidade, aqueles ricos que cada vez mais procuram sangrar os pobres do Terceiro Mundo, por vaidade e em nome de uma soberania que quer sobreviver por mais mil anos.  

Entendo que o Brasil precisa ser oficialmente solidário ao povo boliviano neste momento, pedindo tranqüilidade aos que constróem e coordenam a ordem pública daquele país, pedindo que o resultado seja o respeito à manifestação popular, à decisão popular de não querer a privatização do serviço de saneamento, em respeito a um patrimônio estratégico daquele país, que é a água. O discurso que desvirtua uma realidade, de que está se ampliando a cobertura de saneamento básico por intermédio de um consórcio internacional, no fundo, esconde uma tentativa de apropriação de um patrimônio, de um bem estratégico, que é a água, que tanto vai representar nos próximos 30 anos para os países que a detêm.  

Acredito que o Governo brasileiro deva ter, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, um cuidado especial com oito mil jovens que estão naquele momento vivendo um clima de tensão na Bolívia e que precisam ter tranqüilidade para não estarem diante de um momento de mais mortes, de mais violência nas ruas, que possa redundar em risco de vida, risco à integridade física de civis brasileiros que estão tentando viver e construir uma realidade que lhes permita trabalhar no futuro em seu próprio país.  

É um assunto delicado essa situação de privatização do serviço de saneamento; envolve amplo debate e tem sido exaustivamente exposto como preocupação do Senado Federal. Espero que o Governo brasileiro dê um basta definitivo a essa tese de que não deverá redundar em outra atitude, senão a de rejeição, pela sociedade brasileira, de uma política de privatização que, a cada dia, nos deixaria mais pobres e mais sujeitos a inseguranças sobre o que constitui nosso bem maior: o patrimônio mineral estratégico.  

Muito obrigado, Srª Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2000 - Página 7290