Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO AMAZONICA. RETROSPECTO DO PROCESSO PRODUTIVO AMAZONICO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CRITICAS AO ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO AMAZONICA. RETROSPECTO DO PROCESSO PRODUTIVO AMAZONICO.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2000 - Página 7370
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, RESULTADO, PESQUISA, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE), APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA, REGISTRO, EXISTENCIA, PROGRAMA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO AMAPA (AP), OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, NECESSIDADE, INCENTIVO, CIENCIA E TECNOLOGIA, OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REGIÃO AMAZONICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srª Senadora Heloisa Helena, Srªs e Srs. Senadores, desde que foram feitas as publicações sobre os índices de desflorestamento da Amazônia, eu gostaria de ter feito um registro, desta tribuna, a respeito dos vergonhosos números apresentados à sociedade brasileira relativos às áreas desflorestadas nos anos de 1997 e 1998. Farei uma breve recuperação dos últimos cinco anos de divulgação dos dados levantados pelo INPE, concernentes a esse assunto.  

De 1992 a 1994, a área desflorestada era de 14.896 quilômetros quadrados; de 1994 a 1995, esse número - o mais vergonhoso de todos - era de 29.059 quilômetros quadrados; de 1995 a 1996, havia 18.161 quilômetros quadrados de área desflorestada; de 1996 a 1997, esse número era de 13.227 quilômetros quadrados; agora, os dados divulgados nesta semana mostram que, de 1997 a 1998, foram desflorestados 17.383 quilômetros quadrados.  

Estou relembrando esses dados, Srª Presidente, porque ouvimos muito falar no desenvolvimento da Amazônia, e a palavra "desenvolvimento" encobre muitas coisas, ao mesmo tempo em que revela outras.  

Durante a primeira ocupação da Amazônia, houve aquele típico desenvolvimento do período colonial, em que essa região foi ocupada com a dizimação das suas populações indígenas, com a extração dos seus recursos naturais, a partir de uma perspectiva extrativista – de acordo com as condições técnicas e o conhecimento que se tinha à época –, com uma forma de ocupação da Amazônia que não foi pacífica. Mas, pela força que ela tinha, pelo desconhecimento dos colonizadores e pela ausência de tecnologia para explorar com sofisticação todos os seus recursos naturais, houve uma ocupação em que os danos ambientais não foram tão grandes como os que vêm ocorrendo nos últimos vinte ou trinta anos.  

A segunda fase de ocupação ocorreu a partir da década de 70. Com a decadência do modelo extrativista, a empresa extrativista de aviamento e o surgimento dos grandes projetos, cantados e decantados por alguns como a redenção da Amazônia, o desenvolvimento e o progresso, são responsáveis pelos índices de desflorestamento que acabo de citar. Alguns poderiam dizer: "Não, mas isso é conversa das ONGs. São elas que inventam esses dados". Ou: "Não, isso é conversa de ambientalista, de Senador ambientalista". Não. Esses são dados reais do Inpe, oficiais, divulgados pelo Governo, que, a cada ano, envergonhado, divulga os dados e toma alguma medida para inglês ver e não para evitar o desflorestamento da Amazônia nas condições que vem acontecendo.  

Não sou daquele tipo que tem uma visão puramente contemplativa dos recursos naturais. Conheço a necessidade que temos da sua utilização para o desenvolvimento econômico e social. Mas toda e qualquer atividade econômica, na Amazônia, deve responder, no mínimo, a cinco perguntas, sem hierarquia entre elas.  

A primeira pergunta é se esse desenvolvimento tem sustentabilidade ambiental; a segunda, se tem sustentabilidade social; a terceira, se tem sustentabilidade cultural; a quarta, se tem sustentabilidade política, e, a quinta, se tem sustentabilidade social. Por que é importante responder a essas cinco perguntas? Porque, para ser efetivamente sustentável, a atividade deve preservar o ambiente e possibilitar que a cultura e a forma de vida da população da Amazônia tenham condição de continuar existindo. A sustentabilidade política é muito importante, porque qualquer projeto de desenvolvimento que surja de meia dúzia de cabeças, por mais iluminadas que sejam, não terá base de sustentação.  

Nesta fase dos grandes projetos das empresas mineradoras, de pecuária, de exploração da madeira, e assim por diante, essas perguntas sequer foram feitas. E não o foram porque alguns chegam na região com a idéia do desenvolvimento na Amazônia e não da Amazônia. Essas pessoas são aquelas que, muitas vezes, saem com uma tipóia no ombro, chegam na Amazônia e ganham verdadeiras fortunas, enquanto o povo local continua pobre. Ouço muitos dizerem que as pessoas da Amazônia precisam de saúde, de educação, disso e daquilo, mas muitos dos que tiveram oportunidade de lhes oferecer isso, sendo prefeitos, sendo governadores, sendo isso ou aquilo, não o fizeram.  

Hoje, há dois Governos na Amazônia, o de Jorge Viana, no Acre, e o de Capiberibe, no Amapá, que estão apostando num outro programa de desenvolvimento para a região. Para alguns, trata-se de uma proposta atrasada, porque esses Governadores estão apoiando idéia de índio, estão apoiando idéia de seringueiro, não estão desenvolvendo grandes projetos – tão grandes que o povo nem os alcança. Eu quero saber qual foi o alcance do grande Projeto Jari; quero saber qual é o alcance do desflorestamento, que, hoje, já chega a mais de 27%, somando a área desmatada com a área de ação antrópica, principalmente de exploração madeireira. O que o povo pobre conseguiu com isso? O Acre, hoje, tem 53% da sua população vivendo em cidades e o Estado do Amazonas tem 75%, em uma situação muito difícil.  

Pode até ser que esses dois Governos, que estão apostando num outro tipo de desenvolvimento, constituam-se em fracasso. Mas eles têm uma vantagem. A maioria das outras propostas de desenvolvimento que chegaram na Amazônia foi pensada de cima para baixo, do Sul para o Norte, e a visão de quem as fez, em primeiro lugar, era a de uma Amazônia homogênea, em que tudo é floresta, tudo é a mesma coisa. Isso não é verdade. A Amazônia é vários ecossistemas diferentes, a Amazônia é um ecossistema complexo, e o Senador Mestrinho, um profundo conhecedor das águas da Amazônia, até pelo apelido carinhoso que tem, sabe que se numa margem temos um ecossistema, na outra poderemos ter outro.  

Assim, os grandes projetos, que acreditavam que a Amazônia era única, lá chegavam, faziam e aconteciam, e quebravam a cara. Os prepotentes primeiro quebraram a cara com a Estrada Madeira-Mamoré. E depois quebraram a cara outras vezes. A floresta lhes respondeu à altura, porque é uma força da natureza. É por isso que, hoje, apesar de todo o esforço de alguns para dizimá-la, achando que ela é atraso, que progresso é derrubar para plantar capim, para criar boi, a devastação não conseguiu atingir mais do que 10% de sua área. Graças a Deus!  

O segundo erro cometido em relação à Amazônia foi a suposição de que ali existia um vazio demográfico. A Amazônia tem vinte milhões de habitantes. Não há vazio demográfico. Se lá fizermos o mesmo povoamento feito em São Paulo, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, vamos acabar com a Amazônia. Ela não suporta a mesma forma de ocupação realizada nas outras regiões do nosso País. A sua ocupação deve ser sustentável, para que ela continue sendo o que é, mas isso não foi considerado.  

O terceiro erro praticado na ocupação da Amazônia foi o de achar que ali existia um povo ignorante, que não sabia o que queria; e que, portanto, algum ser iluminado, não se sabe onde, iria planejar o que era bom para o seu desenvolvimento. O caboclo não era ouvido, o índio não era ouvido, o seringueiro não era ouvido e os próprios pensadores da Amazônia, economistas, sociólogos, antropólogos – temos muitos e são eficientes -, engenheiros florestais e agrônomos também não eram ouvidos. "Afinal de contas, isso aqui é um mundo que não tem ciência."  

Temos dois tipos de ciência na Amazônia: a ciência formal, do conhecimento sistematizado, e o etnoconhecimento, que também é ciência. Tanto o é que vem sendo usurpado, ano após ano, por aqueles que transformam descobertas milenares dos índios em pesquisa, patenteiam-nas e ganham dinheiro com elas. Só que os índios continuam pobres. Alguém pode dizer: "Não, mas quem fez isso foram as ONGs." Não foram as ONGs, não. Quem faz isso são as empresas. E não ouço vozes se levantando contra essas empresas.  

Uma empresa americana e uma italiana estão faturando US$25 milhões com uma descoberta dos índios da Amazônia, usando uma espécie de resina da pele de um sapo, lá do Estado do Senador Mestrinho, para produzir um remédio semelhante à morfina. Estou cansada de denunciar isso, porque esse grande laboratório é nefasto para a Amazônia, é nefasto para o nosso desenvolvimento e fere a nossa soberania.  

Existe um outro laboratório, japonês, pesquisando uma espécie de planta, também do Estado do Senador Mestrinho, chamada pedra-ume-caá, a partir da qual está desenvolvendo um remédio para diabetes, faturando, segundo dados da imprensa, mais de US$30 milhões. E os índios não ganham absolutamente nada! Quem fere a soberania da Amazônia, portanto, não são as ONGs. São laboratórios sofisticados.  

Não defendo todas as ONGs. Mas também não generalizo e digo que todas são usurpadoras e querem entregar a Amazônia. Conheço a realidade de pessoas sérias e citarei uma aqui, o Bispo D. Moacyr Grechi, durante 25 anos responsável pelo Conselho Indigenista Missionário do meu Estado, o Acre. E hoje, com todo o apoio de outras entidades, no meu Estado, 80% das áreas indígenas demarcadas foram demarcadas graças ao trabalho sério do Cimi. Se existe assistência à saúde do índio, ela tem a participação do Cimi e de outras entidades, como, no caso, a CTI. Se existe trabalho de educação para seringueiros há mais de vinte anos, inclusive, na época, com a ajuda de Chico Mendes, é graças ao CTA, uma ONG, o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, que desenvolveu até uma cartilha própria, chamada Poronga.  

Nasci e me criei no seringal. E na primeira vez que tive contato com os livros do Mobral, notei que ali se falava de um universo cultural que não era o meu: falava-se de uva, morango e de várias frutas que eu até tinha curiosidade de conhecer e comer. Mas não estava no livro didático a castanha, não estavam o abiu, bacuri, biribá, taperebá, todas as frutas que temos na Amazônia.  

A cartilha Poronga, da ONG CTA, foi desenvolvida levando em conta esse universo cultural e já alfabetizou milhares de seringueiros.  

Hoje, no Acre, graças a Deus, temos a primeira escola bilingüe de segundo grau, que já formou a sua primeira turma de índios.

 

Sr. Presidente, estou dizendo isso porque fico muito revoltada. A cada ano divulgamos índices e o Governo baixa uma portaria que nada resolve. Não adianta baixar portaria proibindo o desmatamento na Amazônia, porque isso não resolve. Para evitar o desmatamento temos que elaborar um programa de desenvolvimento sustentável. Temos que investir em tecnologia. Hoje, a Embrapa já tem tecnologia que possibilita aos fazendeiros dobrarem a sua capacidade produtiva sem a derrubada de mais um pé de mato. Temos tecnologias aplicadas ao manejo florestal que permitem aos empresários da indústria da madeira a exploração sustentável desse bem, e isso beneficia a eles próprios, para que possam ter uma atividade sustentável no tempo.  

Infelizmente, não temos dinheiro ou programas de Governo que apóiem esse tipo de iniciativa. Hoje, já temos tecnologia para fazer com que os nossos produtores rurais aumentem a sua produtividade. Lamentavelmente, isso não é aplicado. No dia em que fizermos isso, que tivermos dinheiro para investir nessas propostas que, está mais do que comprovado, são adequadas para a Amazônia, tenho absoluta certeza de que esses índices de desflorestamento cairão. Evidentemente não cairão apenas com medidas para inglês ver. Apenas baixando portarias não teremos a solução para esse problema. Toda a sociedade vai ficar na ilegalidade? As pessoas deixarão de plantar os seus roçados? Elas não podem parar de comer, de viver, se não apresentarmos alternativas.  

Estou feliz que, no Acre, estejamos buscando a resposta. E vamos ser avaliados, porque acredito que todos estão olhando para nós. Espero em Deus que possamos contribuir. Já fizemos o zoneamento ecológico-econômico. Já estamos fazendo entendimentos com madeireiros, com pecuaristas, com agricultores, com extrativistas, com todo mundo. O objetivo não é excluir, não é acabar com o desenvolvimento. É criar um desenvolvimento que não seja esse que vem de cima para baixo, que não seja desenvolvimento na Amazônia. Nós queremos o desenvolvimento da Amazônia.  

Gosto muito de sonhar. Acredito que esses 5 milhões de quilômetros quadrados que nos pertencem podem ser o melhor meio de fazer inveja ao mundo. Na verdade, outros países conseguiram o desenvolvimento, mas acabaram com suas florestas e com seus recursos naturais. Na Amazônia, o devir ainda está; ainda há possibilidade de futuro. E eu sonho com isso. Sonhar para mim é um alimento. Se Deus criou o mundo pelo Verbo, o homem cria o mundo pelo sonho. Se no Verbo Deus fez o mundo em sete dias, dizendo "faça" – e era feito –, sonhando nós estamos, há milhares de anos, realizando.  

Aliás, foi sonhando que nós realizamos um dos sonhos mais ousados da mitologia grega, representado na figura de Ícaro, o homem que voa. Se alguém não tivesse sonhado que era possível o homem voar, mesmo que fosse em um "pássaro de aço", até hoje estaríamos nos deslocando em navios, em lombo de burro ou a pé. Eu sonho que é possível, na Amazônia, fazermos esse desenvolvimento sustentável, onde a pesca artesanal tenha o seu espaço; a pesca industrial, responsável, tenha o seu espaço; a exploração madeireira, que não pense no lucro fácil, que não sacrifique recursos de um milênio pelo lucro de 10 anos, possa também acontecer.  

Os cálculos que fiz, prezado Senador Gilberto Mestrinho, dão-me conta de que a Amazônia tem 5,5 milhões de quilômetros quadrados, e que, em 20 anos, já devastamos 551.780 quilômetros quadrados, o que quer dizer 10% de área desflorestada. Aqui não estão computadas as áreas de exploração da madeira, porque aí a área devastada aumentaria para 27%. Levando-se em conta a perspectiva de 20 anos, levaríamos 90 anos para acabar com a Amazônia. Embora eu não vá estar mais viva daqui a 90 anos, não quero que a Amazônia acabe, não quero que isso aconteça. Quero que as gerações do futuro possam continuar com a Amazônia, a brasileira, a peruana, a boliviana, a venezuelana, a da Guiana Francesa, a da Guiana Inglesa, porque nós temos o melhor presente que Deus deu a um povo: um jardim, um paraíso natural.  

Quando fui aos Estados Unidos pela primeira vez, visitei o Central Park – não para andar naquela carrocinha ridícula em que a Zélia andou –, para ver um bosque artificial dentro da cidade mais violenta, em asfalto, do mundo. E vi o quanto que aquele povo gosta daquele bosque artificial!  

Quando fui à Itália, fui com uns padres, e Padre Heitor me levou a um bosque, na Itália, que era muito bonito. E sabem V. Exªs que as coisas saem do coração com naturalidade. E eu falei: – Nossa, que capoeira bonita! O Padre ficou muito ofendido e disse: – Senadora, não chame o nosso bosque de capoeira. Aí eu disse: - Desculpe-me, Padre, mas para quem tem uma floresta daquelas, isso aqui é, realmente, uma capoeira.  

Aquelas pessoas fizeram bosques artificiais porque não têm mais florestas. E nós temos uma que foi plantada por Deus, e temos que cuidar dela, até porque ela é a galinha dos ovos de ouro da nossa reprodução econômica, social e, principalmente, cultural.  

O Senador Gilberto Mestrinho e eu temos um estilo de vida que é o do amazônida – e muitas pessoas que vão viver lá adquirem esse costume de vida. Queremos continuar sendo assim. E o mundo fica nos assistindo. Só que tem uma coisa: a floresta é brasileira. A responsabilidade, em primeiro lugar, é do Brasil. É do Peru e da Bolívia no pedaço que lhes compete, mas temos o maior pedaço e, por isso, temos que ser o melhor exemplo.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) – Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Concedo o aparte ao Senador Gilberto Mestrinho.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) – Nobre Senadora Marina Silva, gosto do discurso de V. Exª, porque o fundamento dele é efetivo e demonstra que o que falta para a Amazônia é uma política de desenvolvimento coerente com a realidade amazônida. Sabemos que a política para a Amazônia tem sido ditada ou de fora do País, ou do Sul, recebendo influência externa. E a Amazônia tem características próprias. Só quem tem vivência da Amazônia, quem sente aquela realidade fantástica, pode compreendê-la, pode entendê-la e pensá-la em termos de desenvolvimento. Fui e sou, às vezes, muito combatido porque critico exatamente essas políticas. Não sou favorável – nunca fui – a derrubar florestas, a colocar a pata do boi. Falei isso em vários pronunciamentos ao longo da minha vida. A nossa vocação, por incrível que pareça – porque a própria natureza mostrou isso –, são as árvores. Qualquer hectare de árvore bem aproveitado na Amazônia vale mais do que qualquer tipo de agricultura, pelo alto valor econômico, cada vez maior, que têm as árvores neste mundo em desenvolvimento e com carência de madeira cada vez maior. Digo isso a V. Exª porque já tive a oportunidade, ao longo de minha vida, de conhecer todas as florestas do mundo, desde as florestas geladas da Finlândia, da Suécia, do norte da Rússia, às florestas equatoriais da África, às florestas asiáticas, do sudeste asiático principalmente, à Floresta Negra, da Alemanha, que também não é mais do que uma capoeira, à floresta do Canadá e à dos Estados Unidos ou às tundras, do norte do Alasca. Em todas elas há peculiaridades próprias, naturais. A diversidade nossa é, efetivamente, muito grande e ensina que a atividade de monocultura na região não dá certo. Por isso que as plantações de borracha na Amazônia não deram certo, porque lá a terra é apenas o suporte das árvores; elas se alimentam da fotossíntese e do gás carbônico, cuja mais alta concentração sobre a Terra está na Amazônia, em razão da floresta que lá existe. A floresta não é nada mais que uma bateria de gás carbônico. Contudo, isso não é entendido assim. De fato, poderemos fazer o desenvolvimento daquela região. Quero ainda ressalvar esse relatório do Inpe, que faz uma análise da Amazônia desde que Francisco Orellana andou por lá. Nesse período todo, só 10% da região sofreu essa ação antrópica. É preciso ver o seguinte: ainda em 1872, a Amazônia tinha trezentos e quarenta e poucos mil habitantes; hoje, são 20 milhões. Essas pessoas precisam fazer suas casas, cidades, vilas e estradas. É natural que o meio ambiente seja afetado, pois retiram-se árvores da floresta, já que nós, da Amazônia, infelizmente não temos vocação para ser Tarzan e morar sobre árvores. Esse relatório ressalva que não foi olhada a atividade madeireira. Essa atividade, se fiscalizada e bem orientada, não destrói a floresta, desde que não seja olhada apenas com o apavoramento das multas. Se multa resolvesse alguma coisa, não haveria sonegadores; se penalidade resolvesse alguma coisa, não haveria criminosos. Precisamos fazer planos de educação ambiental para a região, para se fazer manejo efetivo em benefício da sociedade. Então, esse relatório faz essa análise e nos faz ver que, nesse período, só sobraram 5% das florestas americanas; que, embora o Canadá tenha aumentado a sua área florestal, é uma área florestal artificial, porque a original praticamente já não existe mais; que a Europa devastou suas florestas. Se verificarmos o que aconteceu na Espanha, vamos ficar tristes, porque a única árvore que se vê lá é a oliveira e, aqui e acolá, um carvalho. Quer dizer, o mundo devastou. Por quê? Porque o recurso natural faz com que as populações melhorem a sua qualidade de vida, e os europeus têm uma qualidade de vida incrivelmente superior à nossa. Essa é a dolorosa realidade. Temos áreas de capoeira, como V. Exª afirmou, que foram degradadas. Há uma quantidade grande na Região Amazônica que pode ser aproveitada. Temos organizações não-governamentais sérias - concordo com isso -, mas temos organizações não-governamentais que estão protestando agora porque foi dito que houve redução no desmatamento da Amazônia, o que seca a fonte de renda delas na medida em que não conseguirão mais usar a Amazônia como moeda de troca. Então, essas não são sérias. Aquelas organizações que não querem que se combata o narcotráfico também não são sérias. Quer dizer, isso existe na realidade. Mas, efetivamente, é preciso que nós tenhamos uma programação do desenvolvimento da Amazônia discutida com a sociedade amazônica, com aqueles que vivem na região, que tem peculiaridades próprias. Temos regiões de cerrado, regiões de florestas, regiões das margens dos igapós. São biomas distintos.

 

A SRª. MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) – Exato.  

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) – Totalmente distintos. A biota amazônica é múltipla. Só para encerrar, vou lhe contar uma história. Certa vez, recebi uma autoridade do Ibama, a sua Presidente, para discutir a questão do defeso do pescado. Sou favorável ao defeso do pescado. Só que tinha sido baixada uma portaria do defeso que ia da fronteira com o Peru ao oceano Atlântico. Então, eu chamei essa senhora e disse-lhe: "Olha, a senhora sabe quanto mede o rio Amazonas, da fronteira do Peru ao oceano Atlântico?" Ela disse: "Não". "A senhora sabe que os rios da margem esquerda do Amazonas são de água preta e os da margem direita são de água branca?" Ela disse: "Não". "A senhora sabe que o regime das águas – que V. Exª declarou ainda há pouco – é distinto nas duas margens?" Ela disse: "Não". Disse-lhe: "Então, como a senhora quer fazer o defeso do pescado na mesma época para todas as regiões?" Ela disse: "Efetivamente, a minha assessoria não me chamou a atenção para isso". Quer dizer, Senadora, esses erros crassos, terríveis, é que prejudicam a Amazônia. Agradeço a V. EXª pela paciência com que me ouviu e lhe digo que, nessa questão da discussão do desenvolvimento da Amazônia de acordo com a nossa realidade, conte comigo como parceiro.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Agradeço o aparte de V. Exª.  

Concluo, Srª Presidente, dizendo que, no ano passado, até por uma questão de Justiça, tanto o Ministro José Sarney Filho quanto a Drª Mary Helena Allegretti, responsável pela Secretaria da Amazônia Legal, procuraram fazer uma agenda positiva na Amazônia envolvendo os Governadores dos Estados. O meu Estado se empenhou muito nessa agenda positiva. Acredito que a cumpriu. O Governador do Amapá também fez o mesmo. Nos outros Estados, não sei dizer; portanto, não posso falar a respeito do trabalho realizado.  

Em que pese o esforço da Drª Allegretti e a abertura proporcionada pelo Ministro José Sarney Filho para discutir com as entidades, com o setor produtivo, com as organizações não-governamentais e com os governos estaduais, a diminuição dos índices de desflorestamento em relação à projeção de 3% ou 2% não é motivo para comemoração.  

Faço também uma ressalva: não teremos como cobrar do Ministério do Meio Ambiente a sua responsabilidade sobre a questão ambiental e, particularmente, sobre a preservação da Amazônia se a ação do Ministério do Meio Ambiente continuar isolada, sem contar com uma sinergia de ação do Ministério do Planejamento, do Ministério da Fazenda e de todas as esferas do Governo. A política de defesa do meio ambiente tem que estar plasmada em todos os programas de governo. Enquanto o Governo Federal não levar a sério, numa parceira com os governos estaduais, o zoneamento ecológico econômico, como o que acabamos de realizar no Acre, não tem como cobrarmos apenas de uma ou duas pessoas, porque não se trata de mágica, mas de prática, de compromisso e de decisão política.  

Srª Presidente, sei que meu tempo já está esgotado, mas não posso deixar de mencionar a necessidade, para este ano, de medidas concretas no sentido de viabilizar uma economia sustentável para nossa Região, que responda àquelas cinco perguntas que fiz anteriormente, pois não dá para imaginar que daqui a 90 anos não teremos mais a Amazônia.  

Fico muito triste quando ouço pessoas mencionarem o "atraso da Amazônia", a "falta de desenvolvimento". Em meu Estados há 500 mil habitantes e no Estado de V. Exª, Srª Presidente, parece-me que há 250 mil, menos gente que um bairro de São Paulo. Uma Região tão rica, com tanta pobreza! É lamentável!  

No Acre, temos, hoje, mais ou menos 60 mil pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Lá, estamos trabalhando num programa de combate à pobreza, a convite do Governador. Inclusive estou levando sugestões à Comissão de Combate à Pobreza, para o Presidente Cardoso. Se Sua Excelência não quiser seguir as sugestões, nada posso fazer, pois sou minoria aqui. Mas, lá no Acre, posso ajudar. Nós queremos, sem arrogância e com muita humildade, nos constituir num exemplo, de como um Estado pequeno, menor que um bairro de são Paulo, com 15 milhões de hectares de riqueza, pode fazer um desenvolvimento sustentável que responda à sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política.  

Durante esses 90 anos, quem quiser derrubar floresta, como vem sendo feito, quem quiser realizar monocultura não vá para a Amazônia. Ali tem que haver uma agricultura diversificada, como é a floresta. Portanto, não inventem de plantar só cana, só café ou só soja. Não somos acostumados a essa mesmice paisagística que irrita qualquer mente humana. Somos acostumados com cipoal, com o macaco sagüi, cutia, nhambu, paca, tracajá, com um grande variedade. Para quem gosta de mesmice, a Amazônia não é lugar.  

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2000 - Página 7370