Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES NO PAIS. DEFESA DA APROVAÇÃO DE PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, DE SUA AUTORIA, QUE PROIBE A PARTICIPAÇÃO DE CAPITAL ESTRANGEIRO NA PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES NO PAIS. DEFESA DA APROVAÇÃO DE PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, DE SUA AUTORIA, QUE PROIBE A PARTICIPAÇÃO DE CAPITAL ESTRANGEIRO NA PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA.
Aparteantes
Edison Lobão, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2000 - Página 7375
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS, OBJETIVO, PAGAMENTO, DIVIDA PUBLICA, DIVIDA EXTERNA, EFEITO, REDUÇÃO, CAPACIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, AUMENTO, POBREZA, MISERIA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, ANULAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, LIDERANÇA, PARTIDO POLITICO, CONGRESSO NACIONAL, REALIZAÇÃO, DEBATE, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) – Srª Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, subo, mais uma vez, a esta tribuna contristado, porquanto tenho em minha bagagem apenas um amontoado de frustrações.  

Difícil, Srª Presidente, dificílimo é ser arauto da rendição. Mas não se trata de qualquer malogro pessoal. Não se trata de qualquer interesse corporativo. Aqui, sempre fomos porta-vozes daquilo que acreditamos ser interesses do País e do povo brasileiro e, neste particular, já por diversas vezes o fiz, hoje, novamente, trago à colação a questão das privatizações.  

Embrenhei-me por esse caminho sem volta em defesa do patrimônio nacional, cada vez mais dilapidado e transferido, irresponsavelmente, de maneira imprópria, a preços vis, de forma lesiva a uma política genuína de desenvolvimento do País.  

Eu, na verdade, percorrendo, sobretudo o meu Estado de Rondônia, já nas feiras livres, constatei que há um nível de consciência contrária ao modelo de privatizações elegido no Brasil.  

E de lá me faz brotar novamente o dever de falar, porque o certo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era aqui, depois de uma década de posição firme e inabalável sobre esse tema, desde a minha relatoria, na Comissão de Inquérito Mista do processo de desestatização, depois de bater sempre na mesma tecla, repetir a mim mesmo, eu não teria talvez outra atitude do que aquela que poderia servir de exemplo e referência o próprio Cristo, quando, sentindo a incompreensão do seu discurso, de uma profunda, perene e sempre atual pregação, retirou-se para além dos muros de Jerusalém e chorou, e disse - não textualmente, mas traduzo no meu sentir: "Ai de ti, Jerusalém! Ai de ti, que apedrejas os teus profetas!" E o profeta nada mais é do que aquele que antevê a realidade para as gerações posteriores. O profeta, como o poeta, sempre anda na frente dos fatos e dos acontecimentos de seu tempo, porque tem a sensibilidade e pureza d’alma para, de maneira verdadeira e desinteressada, antecipar o real.  

E neste passo, há quase 10 anos, falava eu nesta tribuna, escrevia eu também no meu relatório o malogro do processo de privatizações, uma receita que veio de fora e foi seguida à risca, traindo, inclusive, os objetivos da Lei 8031, de 1990, prejudicando todos os propósitos legais, e desmentindo a panacéia da propaganda que se fez a respeito do processo de privatização.  

A mídia sempre sustentou que era preciso reduzir o tamanho do Estado, privatizando aquelas atividades que não diziam respeito às funções essenciais no que se refere, sobretudo, à saúde, à educação e ao saneamento básico. Mas o que se verificou, que nada deu certo mesmo quando se dizia que a privatização visava, sobremodo, o pagamento e a quitação da dívida, que, naquela época, rondava a casa dos R$64 bilhões; hoje, apesar de tudo que foi privatizado, apesar de tudo que foi vendido, esse valor já ultrapassa a casa do meio trilhão de reais.  

Constata-se é que o Brasil empobreceu e essa receita vinda dos credores, volto a repetir, foi perversa, porque obrigou o País a vender setores onde havia lucros e vantagens, para pagar a dívida e o serviço da dívida. Essa ordem foi danosa porque retirou do País essa capacidade de geração de renda, de riqueza, até para fazer face a esses compromissos da dívida.  

Tenho dito, de uma maneira muito simples, a brutal perversidade dessa determinação, seguida à risca pela política econômica do governo, pois retirou os braços dos trabalhadores da produção do pão de cada dia, e retirou a capacidade de pagamento da economia nacional. Não é concebível que quem quer receber, tome, como primeira providência, acabar com a capacidade do devedor de gerar riqueza e renda para fazer face aos pagamentos.  

Tenho falado e repito a mim mesmo e me pergunto o que me faz continuar nessa causa? É a minha consciência de que não posso omitir-me quando a Nação está em risco, quando o processo de desnacionalização crescente coloca em xeque a sobrevivência de uma Nação livre e independente.  

Sr. Presidente, as estradas, em grande parte as rodovias federais, já não nos pertencem. Todo o processo de telecomunicações, de indiscutível interesse nacional – porque é por aí que se veicula os segredos da pátria, os segredos do indivíduo – está em posse de empresas que têm em mente não prestar apenas um serviço público e guardar o sigilo, mas, sobretudo, obter lucros e vantagens, e que agregadas ao sistema de interesses internacionais. O que é grave – e ainda não entrei neste ponto das avaliações - que já o fiz em tantas outras oportunidades –, mais uma vez, as teles que foram vendidas, a grosso modo, como referência, por R$22 bilhões tiveram uma vantagem fiscal de R$7,5 bilhões.  

Ainda recentemente, a Senadora Emilia Fernandes, desta tribuna, denunciou que agora estão devolvendo aquilo que se chamou de benefício fiscal, que nada mais é do que a diferença entre a avaliação original e o ágio obtido, que foi um ágio de araque. Não tinha por que enganar o povo brasileiro dizendo simplesmente que as teles estavam sendo vendidas por R$22 bilhões, quando isso não representou 1/3, pouco mais de 1/3 dos 60, 70, dos 40, dos 50 que o então Ministro Sérgio Motta sempre colocava como o volume mínimo da venda das teles.  

Portanto, esse valor de R$7,5 bilhões significa que as teles foram vendidas por menos de 2/3 daquilo que se falou e se propagou, ou seja, perdeu-se 1/3 nessa questão de referência.  

Quem lê a Lei nº 8.031 não extrai de lá qualquer possibilidade dessas vantagens absurdas que consignaram a favor dos compradores. Os números, as avaliações constituem um escândalo sobre o qual não quero me debruçar neste momento, mas que a Nação precisava, de maneira transparente, mais uma vez, ter conhecimento, porque são números assustadores.  

Agora, depois de 10 anos, aquilo que escrevíamos, sobretudo como constatação naquele momento e como previsão de um quadro que seria nocivo aos interesses nacionais, hoje tudo se constata , agora muitos estão de acordo com a danosa privatização. E há, não só entre os parlamentares, mas também em setores da mídia, uma série de atores que vêm à cena denunciando esses fatos. Não há mais o que falar dos "dinossauros", como éramos alcunhados, não há que se mencionar os "jurássicos", os "colonizados", os "neobobos", como ainda recentemente fomos referenciados, mas, também hoje, são os próprios compradores das estatais brasileiras que ousam afirmar, como fez o Sr. Esteban Serra Mont, Diretor da Iberdrola para a América Latina: "Não entendo por que o Governo (brasileiro) quer vender empresas que já estão pagas e que dão lucro".  

Não somos nós que estamos obcecados por essa idéia, mas é exatamente o executivo da Iberdrola. E quem é a Iberdrola?. Nada mais, nada menos que a empresa cujo grupo acionário majoritário é um dos maiores investidores do mercado brasileiro de energia elétrica. Já controla as distribuidoras da Bahia (Coelba), do Rio Grande do Norte (Cosern), e de Pernambuco (Celpe). Junto com a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, e com o próprio Banco, controla 34% da distribuição de energia elétrica das Regiões Norte e Nordeste e 11% da distribuição nacional. Os investimentos desse grupo espanhol no Brasil atinge, hoje, a casa dos US$2,2 bilhões e inclui, além da energia elétrica, telecomunicações e gás.  

Para o Sr. Esteban, empresas lucrativas geram recursos durante muitos anos, enquanto o dinheiro das privatizações é efêmero. Portanto, para ele, seria mais inteligente conservar essas empresas nas mãos do Estado e permitir que o setor privado se dedicasse a novas unidades – ele mais se refere, aqui, às empresas geradoras de energia –, de acordo com a demanda. E essa demanda é efetiva, porque o Brasil necessita incorporar 4.000 megawatts por ano à sua capacidade instalada. O grupo Iberdrola, com os mesmos parceiros nacionais, vai construir três novas usinas: duas termelétricas e uma hidrelétrica, com capacidade total de 1.170 megawatts e investimentos da ordem de 1,3 bilhão.  

Ora, na verdade, tem razão o Sr. Esteban o dinheiro da privatização é efêmero. Se fizéssemos uma enquete neste Senado ou um pedido de informações ao Poder Executivo, certamente a resposta seria unânime: ninguém viu, ninguém sabe onde estão os recursos da privatização. A dívida aumentou quase 10 vezes. Não foi, portanto, amortizada. A modernização do parque industrial brasileiro também não ocorreu. E, nas teles, os recursos públicos estão cada vez mais sendo endereçados, de maneira criminosa, para as empresas privatizadas, na forma de empréstimos subsidiados. Falava-se que era preciso privatizar para acabar com a sangria do dinheiro público e salvar as empresas públicas. Na verdade, depois de privatizadas, só as teles consumiram R$2,4 bilhões e estão para serem imediatamente liberados em torno de R$7 bilhões. Isso significa que, após a privatização, o Governo já emprestou para essas empresas, a juros subsidiados, muito mais do que recebeu até agora com a venda das estatais, já que estas foram compradas a prazo, adquiridas em um processo de financiamento público.  

Sr. Presidente, eu poderia andar por esse tema, pois são tantas as facetas perversas e danosas que não sei como continuar. Mas o que me motivou a proferir este discurso foi dar notícia à Casa de que, há poucos dias, apresentei um projeto de decreto legislativo no sentido de sustar a aplicação do decreto de 23 de dezembro de 1999 do Poder Executivo, que "reconhece como de interesse do Governo brasileiro a participação societária estrangeira no capital social do Banco do Estado de São Paulo - Banespa e de suas controladas – Banescor, Banespa S/A Corretora de Câmbio e Títulos, Banespa Leasing, Banespa S/A Arrendamento Mercantil, e dá outras providências".  

A nossa proposta é sustar o decreto, proibindo, assim, a participação do capital estrangeiro na aquisição do Banespa. Eu falava que as estradas já não são mais nossas, as teles também não e agora os bancos, que controlam os ativos financeiros do País, que exercem uma função decisiva até na política econômica, estão para alcançar um patamar superior a 50% de participação no mercado brasileiro. Isso significa que o controle desses ativos estará na mão do capital estrangeiro, que não tem, certamente, identidade com os interesses nacionais. Louvo-me numa afirmação do Deputado Delfim Neto: no mundo civilizado, no Primeiro Mundo, nas economias sólidas que se sustentam no interesse do País, esse valor varia de 0% a 5% - a tolerância é essa. Hoje, se o Banespa for privatizado e adquirido por uma empresa estrangeira, o controle do setor bancário passará às mãos alienígenas.

 

E a minha preocupação aumentou quando li, recentemente, um artigo publicado em O Estado de S.Paulo , intitulado "Banespa, a privatização para poucos", do professor Roberto Macedo, pessoa reconhecida, pesquisador da Fipe-USP, professor da Universidade Mackenzie. Inclusive, partes principais desse artigo integram este breve e pálido pronunciamento.  

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha proposta submergiu no desconhecido e no silêncio. Por certo, ela tramita pelas salas desertas, anda pelos escaninhos e descaminhos das causas perdidas. Não tenho qualquer ilusão de que seja aprovada; não nutro qualquer esperança do seu êxito. No entanto, mesmo sabendo da morte anunciada, não poderia deixar de, por dever de consciência e deste imenso e infinito amor à Pátria, registrar o meu intento que deveria ser o intento daqueles que acreditam no Brasil e na soberania nacional.  

Nesse particular, faço um apelo às lideranças de todos os partidos no Congresso Nacional e, sobremodo, no Senado Federal: reflitamos, estabeleçamos um debate se a privatização, com desnacionalização - porque esse binômio é inevitável -, é de interesse do povo brasileiro e, sobretudo, se os representantes do povo nesta Casa estão absolutamente acordes com essa questão.  

O Sr. Edison Lobão (PFL – MA) – Senador Amir Lando, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. AMIR LANDO (PMDB – RO) – Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Edison Lobão.  

O Sr. Edison Lobão (PFL – MA) – Senador Amir Lando, V. Exª propõe um debate em torno de uma questão que considero de extrema importância para o Brasil neste momento. Não tenho, pessoalmente, prevenção alguma contra o capital estrangeiro. O mundo moderno não a tem. O Vietnã não a tem, a China não a tem, a Rússia não a tem, país algum a tem. Mais de 50% da economia da França estão nas mãos de multinacionais, mas, nem por isso, aquele país perdeu a sua soberania. Mas é uma questão que devemos examinar com cuidado, para saber se esse é o interesse nacional. Na verdade, nas privatizações, o capital externo está penetrando profundamente, e, provavelmente, esse será o caso do Banespa. Sucede que, se votarmos uma resolução como a que sugere V. Exª, impedindo o capital externo de participar da licitação para a aquisição do Banespa, inevitavelmente iremos desvalorizar as ações desse banco. Ou seja, o capital nacional que irá competir para a compra do Banespa será, sem dúvida alguma, bem menor do que aquele que obteremos se ampliarmos esse leque para a participação estrangeira. Mas essa é uma questão a ser discutida. Se o País entender que é melhor vender mais barato a mãos nacionais do que vender por um preço mais elevado a mãos estrangeiras, devemos seguir por esse caminho. Não custa nada travar uma discussão em torno da matéria. Enquanto isso, talvez fosse o caso de realmente suspender o leilão do Banespa. Essa suspensão não seria letal para a economia brasileira. E, provavelmente, não o seria para o próprio banco que está sendo posto à venda. Agora, o que ocorreu com os bancos vendidos aos bancos estrangeiros? E este é um argumento que vem até em favor da tese de V. Exª. Esses bancos internacionais que assumiram nossos bancos não estão a operá-los melhor do que os brasileiros operam os seus, como Bradesco e Itaú, por exemplo. Ou seja, eles não nos estão dando aulas de como dirigir bem o sistema financeiro nacional. E, no dia-a-dia, não nos ganham na competição. Assim, os nossos banqueiros são capazes de dirigir o sistema financeiro nacional. Portanto, entendo que a discussão proposta por V. Exª é procedente, pois considero que se poderia tranqüilamente caminhar para um meio termo nesta com relação a essa matéria.  

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) – Nobre Senador Edison Lobão, em primeiro lugar, quero dizer que sei que, quando os interesses da Pátria nos chamam, ninguém pode ficar omisso ou indiferente. Aqui V. Exª mostra, sobretudo nesta hora difícil, uma posição de equilíbrio. Eu também não quero eliminar totalmente a participação estrangeira. Mas o controle é o que interessa – no meu entender – ser proibido, para melhor atender os interesses nacionais.  

Por outro lado, veja V. Exª que os bancos estrangeiros lucraram 852% no ano que passou, contra 57% dos bancos nacionais. Não é uma questão de competência, mas de manejo de recursos, informações privilegiadas sobretudo naquele momento crucial em que houve a mudança no câmbio. O que há é que levaram e foram embora esses recursos, que não serão reinvestidos no País para gerar emprego e renda para melhorar a qualidade de vida da cidadania brasileira, pois esses recursos vão embora a título de remessas de lucro. Então, é uma sangria preocupante do recursos nacionais.  

Nesse ponto não quero negar a participação estrangeira, mas limitá-la a um certo percentual tolerável, porque V. Exª sabe e disse-o muito bem que o sistema financeiro é sensível à ação dos bancos que intervém de maneira direta e inclusive geram "moeda" em certas circunstâncias, recursos fictos, mas que são aceitos no mercado, têm valor comercial. Neste ponto realmente nos preocupa o predomínio dos bancos estrangeiros no sistema financeiro brasileiro.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco PT – AL) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. AMIR LANDO (PMDB – RO) – Ouço a nobre Senadora Heloisa Helena. Antes de ouvi-la, quero enfatizar: vamos continuar o debate, que interessa ao País e a todos nós.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) - Senador Amir Lando, saúdo-o por trazer a esta Casa o debate das privatizações. Mas, Senador, talvez estejamos um pouco cansados pela ação do tempo, pela possibilidade concreta de apenas remar contra a maré, embora seja a minha modalidade especial de nado, mas é algo muito difícil, porque é como se não perguntássemos mais por que privatizar, por que existe essa necessidade de privatização. Porque todas as outras privatizações que aconteceram no Brasil, especialmente aquelas para as quais o Governo Federal fez uma grande propaganda enganosa perante a opinião pública, de fato, nem significava conviver com a lógica formal da modernidade, porque entregar dinheiro público, estrutura pública, infra-estrutura construída com o dinheiro da Nação brasileira simplesmente para que organismos internacionais, muitas vezes, estatais administrassem isso, não é algo lógico. Isso contraria a lógica formal, qualquer preceito de modernidade de uma nação como o Brasil. Sei que as coisas vão acontecendo, a Constituição é golpeada, a política econômica já não tem aquilo que a Constituição obriga, que é requisito irrenunciável para discutir a política econômica, que é a soberania nacional. Não existe mais nada disso. Por que é que necessariamente tem-se que privatizar? Tudo o que foi privatizado no Brasil, que foi parte da propaganda enganosa do Governo Federal, que contraria a lógica formal econômica, contraria a soberania nacional, hoje, a própria sociedade já vê que não serviu absolutamente para nada. Um projeto entreguista que, com certeza, indigna a Nação brasileira. Não serviu para nada! Agora, é muito difícil, hoje, esse pronunciamento de V. Exª junto com as declarações do Presidente da República, ontem, dizendo que tinha asco à corrupção, cobrando ética na democracia com algumas declarações. Não sei, Senador Amir Lando, certamente V. Exª conhece muito mais do que eu, mas me parece que era uma imitação de Castro Alves aqui, sem dar necessariamente as prerrogativas que deveriam ser dadas de louvor ao autor de frases semelhantes a essa. E comentei com o Senador Jefferson Péres que é por isso que a grande maioria do povo brasileiro tem pavor de político, pela forma como as personalidades políticas manipulam as palavras. Sei que as palavras são de domínio público; não nos cabe querer ter de forma privativa o domínio e a utilização das palavras, mas um Governo Federal que golpeou a Constituição – não foi o Estatuto do PT nem do PDT –, golpeou a soberania nacional, a ordem jurídica vigente dizer que tem asco da corrupção, cobrar ética na democracia!? E V. Exª traz a esta Casa o debate da privatização, que foi o maior exemplo de corrupção que aconteceu neste País: não foi só um atentado à soberania nacional, um golpe à ordem jurídica vigente, mas de corrupção mesmo, de tráfico de influência, de prevaricação, de tudo o que o Código Penal manda colocar na cadeia. Infelizmente, diante disso, se observarmos as declarações do Presidente, veremos que realmente é por isso que muitos brasileiros têm muita raiva dos políticos, porque o cinismo e a dissimulação no uso das palavras constituem um verdadeiro abismo entre o que se fala e o que, efetivamente, se faz quando se está no poder, no comando político. Realmente, nada melhor do que o pronunciamento de V. Exª para nos trazer a lembrança maldita do processo de corrupção e de entreguismo que aconteceu neste País na privatização. Por isso que o FMI ontem disse o que disse, sabe tanto o que significa a nossa incapacidade de fiscalizar que acaba tendo a ousadia - porque não tem credibilidade, nem autoridade moral, nem legitimidade popular para criticar – e se vê no direito de criticar. Portanto, quero saudar o pronunciamento de V. Exª.  

O SR. AMIR LANDO (PMDB– RO) – V. Exª traz o vigor e a força que minhas palavras não tinham. Incorporando o aparte de V. Exª ao meu discurso, ele sai sumamente enriquecido.  

V. Exª tem toda a razão: esse processo de privatização foi corrupto na sua concepção e na sua execução por todos os meios.  

O vazamento, as fitas demonstraram o que ocorreu, da mesma maneira na venda da CSN, como também de todas as estatais sempre essa promiscuidade, sempre esse acerto prévio, quebrando todas as idéias e princípios do processo de licitação; depois chegam a dizer, inclusive, que leilão não tem nada a ver com licitação.  

Para quem não leu a Lei de Licitações, art. 22, que estabelece as formas, as espécies de licitações, entre elas o leilão. É óbvio, tudo aconteceu numa ação entre amigos. Dilapidou-se o patrimônio brasileiro e isso aconteceu com a complacência de todos nós. Falo eu, que protestei, mas que não pude fazer nada. Conseqüentemente, sou cúmplice desse processo, desse destroçamento do patrimônio nacional.

 

Para concluir, o Senador Edison Lobão falava-me que talvez a ausência do capital estrangeiro poderia diminuir o valor do leilão. Acho que não, por uma razão muito simples, haverá um valor mínimo. O valor da avaliação tem que corresponder a um lance mínimo. Claro, o lance mínimo tem que corresponder ao valor mínimo da avaliação, que deve ser pela Bacia das Almas. Eu não tenho ainda o valor, mas só o Banespa consumiu R$56 bilhões para o seu saneamento e deve ser vendido por algo em torno de R$1 ou R$2 bilhões.  

Vou encerrar, Sr. Presidente, mas preciso concluir a idéia.  

Entendo que esse valor tem que ser pago. Conseqüentemente, o que for pago a mais será descontado, a título de benefício fiscal. Ora, se vender pelo mínimo e não descontar nada é a mesma coisa que vender por 30%, 40%, 50% ou 100% a mais e ser deduzido esse valor. Isso é "para inglês ver", no bom ditado popular. Hoje acho que é para os neobobos verem, não é?  

Falou-se muito também que a Petrobrás era intocável, que estava fora do processo de privatização. E, neste momento, no Rio Grande do Sul, a refinaria Alberto Pasqualini está sendo trocada por 600 postos de gasolina na Argentina. Algo como US$600 milhões em troca de uma refinaria que vale US$2 bilhões. Vamos trocar 2 bilhões por 600 milhões!  

E o interessante é que essa troca se faz com a Repsol, que controla a YFP, empresa que já vem participando dos segredos da tecnologia de ponta, adquirida a duras penas pela Petrobrás, hoje democratizada entre todas aqueles que se associam à pesquisa à extração do petróleo em águas profundas. Até aí, tudo bem. Mas, agora, vamos começar a vender as partes que dão lucro à Petrobrás, assim como lhes amputamos o setor petroquímico, que, hoje, está na UTI, necessitando de recursos públicos. Privatizou-se para que desonerasse o Estado desse ônus, de sempre se recorrer aos cofres públicos para a saúde das empresas estatais. Hoje, mesmo privatizadas, precisam dos recursos do povo brasileiro. Quando não há nenhuma outra fonte, vai-se ao FAT, inclusive para financiar estatais privatizadas.  

É grave, é gravíssimo: hoje, querem privatizar o setor elétrico. Exatamente as hidrelétricas, que, em todos os países do mundo, são públicas, como nos Estados Unidos e no Canadá. As hidrelétricas do Primeiro Mundo são estatais e nós temos que privatizá-las, vender a nossa capacidade instalada a troca de nada . Como bem afirmou o Sr. Esteban Serra Mont, é um contra-senso vender aquilo que está pago e gerando lucro e deixar que esses recursos desapareçam de maneira efêmera, rápida, imperceptível, de maneira invisível.  

Resumindo, Sr. Presidente, voltei sem ânimo a um tema que já ocupou mais de uma década da minha vida parlamentar, mas tenho certeza de que, hoje, essa consciência está atingindo todos os setores da coletividade. Já sai daqueles que acreditam na soberania e na sobrevivência do País para alcançar o coração do povo. Aí sim, o povo resistirá, porque contra a vontade do povo todos hão de se dobrar, inclusive o Congresso Nacional, e o Poder Executivo.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2000 - Página 7375