Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO BRASILEIRO.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO BRASILEIRO.
Aparteantes
Amir Lando, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2000 - Página 7380
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS, AUSENCIA, BUSCA, INTERESSE NACIONAL, REDUÇÃO, EFICIENCIA, SERVIÇOS PUBLICOS, DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, POSSIBILIDADE, CORRUPÇÃO, PROCESSO, DESESTATIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, AUTORIA, DELFIM NETTO, DEPUTADO FEDERAL, REFERENCIA, ANALISE, PROCESSO, DESESTATIZAÇÃO, ECONOMIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, AMPLIAÇÃO, REMESSA, LUCRO, EXTERIOR, EFEITO, CRESCIMENTO, DESEMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não aparteei o Senador Amir Lando, propositadamente, porque, por coincidência, o tema do meu discurso era o mesmo, o que talvez demonstre, Senador Amir Lando, que começa a se disseminar a preocupação com a forma como foi feita a privatização das empresas estatais no Brasil, ao mesmo tempo que ocorreu, também de forma discutível, o processo de abertura da economia ao exterior.  

Sinto-me à vontade ao abordar esse tema porque fui e continuo sendo favorável às duas coisas. Entendi, a partir de algum tempo, com as mudanças ocorridas no mundo, que a economia brasileira estava excessivamente estatizada. Uma parte do setor estatal deveria ser transferido ao setor privado até para tornar essas empresas mais eficientes e livres das peias em que são aprisionadas pela legislação de qualquer empresa ou autarquia ligada ao setor público.  

Defendia também que o produto da privatização, os recursos, abatessem a dívida a fim de, com isso, indireta e conseqüentemente, reduzir a taxa de juros, que pesa muito sobre todos nós. Mas nunca esperei, Senador Amir Lando, Senadora Heloisa Helena, que a privatização fosse feita de forma tão desastrada e, hoje, começo a desconfiar, tão lesiva aos interesses nacionais. Quem conhece a maneira como se privatizou no Brasil sabe que, em muitos casos, o Governo injetou recursos nas empresas, modernizando-as, elevou as tarifas e assegurou o financiamento da compra pelo BNDES. Tudo isso, como precondição para que elas fossem adquiridas por particulares, inclusive estrangeiros.  

O que aconteceu? Ativos nacionais, e estatais, foram transferidos para o controle estrangeiro e essas empresas, na verdade, investiram muito pouco aqui, Senador Amir Lando. Parte financiada pelo BNDES, com juros muito generosos; empresas subavaliadas, em muitos casos, muitas foram subavaliadas, senão todas; com títulos da dívida pública, com títulos podres adquiridos no mercado, às vezes, por 20% do valor de face. Muito bem. O Governo alegava que fazia tudo isso para valorizar e aumentar o preço. Aí, quando ocorriam as privatizações, nós víamos ágios de 50%, 100% e até 200%. Era uma festa que a assistíamos na televisão: Ministros, Presidente das estatais batendo o martelo porque o ágio havia sido excepcional.  

Agora, vemos estarrecidos que quem vai pagar esse ágio somos nós. O Governo admitiu que os ágios fossem lançados como perda das empresas e a legislação tributária permite que essas perdas sejam deduzidas do Imposto de Renda. Como mostrou o Senador Amir Lando, R$7,5 bilhões na forma de abatimento de impostos vão retornar aos cofres dessas empresas.  

Isso, realmente, é um escândalo! Começo a acreditar que não basta chamar, como fez a Câmara dos Deputados, autoridades para se explicarem. Creio que estava em tempo de se instalar uma CPI da Privatização; creio que muita lama virá à tona e veremos, talvez escandalizados, que, além da alienação do patrimônio nacional para estrangeiros, ela foi feita de forma corrupta. Houve muita corrupção nesse processo, já começo a desconfiar.  

V. Exª mencionou a privatização do Banespa, cujo controle provavelmente passará para bancos estrangeiros. V. Exª citou o Deputado Delfim Netto, que, no caso, é insuspeito. Embora seja um crítico do Governo, não há qualquer suspeita de que o Deputado Delfim Netto seja esquerdista ou nacionalista xenófobo. Não sei se V. Exªs tiveram oportunidade de ler o artigo do Deputado, Colônia, de novo?. Ele se mostra muito preocupado com a desnacionalização da economia brasileira. No ano passado, os investimentos estrangeiros no Brasil somaram US$ 29,9 bilhões. Portanto, quase US$ 30 bilhões, uma quantia realmente considerável.  

Diz S. Exª:  

 

O aumento dos investimentos diretos é sempre interessante, embora, em nosso caso, esses investimentos têm sido direcionados, em sua maior parte, para a compra de empresas, significando a simples troca de propriedade.  

 

Uma coisa é o investimento ser feito com novas empresas, gerando riquezas, aumentando a capacidade produtiva do país, mas, quando se compram empresas nacionais, estatais ou privadas, isso tem resultado negativo a médio e a longo prazos, como mostra o Deputado Delfim.  

 

Uma parcela importante desses "investimentos externos" tem-se destinado, na realidade, à compra do mercado interno: o cidadão que estava no setor vende seu negócio para um estrangeiro que, em geral, começa reduzindo o número de trabalhadores, traz alguns administradores de fora e, mais do que depressa, trata de remeter lucros.  

 

Diz ainda:  

 

Para se ter uma idéia da dimensão do problema, o Brasil tem hoje um passivo externo líquido da ordem de US$350 bilhões, ou seja, os estrangeiros têm aqui propriedades nesse valor. Se imaginarmos uma remuneração mínima de modestíssimos 6% anuais de remessa, isso já significa algo como US$21 bilhões por ano.  

 

Se os investimentos e a compra de empresas, num primeiro momento, trazem dinheiro do exterior, cobrindo o rombo das nossas contas externas, num segundo momento vão agravar esse rombo, a menos que tenhamos aumentado muito a nossa capacidade de exportação. Isso pode ser uma bomba de efeito retardado muito sério daqui a poucos anos.  

E a propósito do Banespa, também citado por V. Exª, Senador Amir Lando, diz o Deputado Delfim Netto:  

 

Não se trata de alimentar nenhum tipo de xenofobia, mas esses fatos devem ser lembrados no momento em que aumentam os riscos de se transferir para o exterior as decisões que envolvem a aplicação da poupança dos brasileiros e o destino dos investimentos em nosso país.  

 

Os bancos estrangeiros dominam hoje, no varejo bancário, algo como 40% do mercado.  

A Senadora Heloisa Helena falou na modernidade e nos países do antigamente chamado Primeiro Mundo, que tanto gostamos de imitar. E o que diz o Deputado Delfim Netto a respeito desses países, Senadora?  

 

Não se trata de discriminar o capital externo, trata-se de ser a favor do Brasil. Todos os países discriminam nesse setor. Mesmo na consolidada união econômica européia, a França não deixa um banco alemão entrar no varejo bancário; um banco italiano não compra um banco alemão, nem um francês compra um banco italiano com forte presença no varejo. Essas restrições se mantêm, sem que isso cause algum mal ao fluxo de investimentos externos ou à imagem de um país nos mercados financeiros.  

 

O que se diz hoje aqui, quando se fala em fazer alguma restrição à entrada de capital estrangeiro? "Isso vai afetar a imagem do País, isso vai afugentar capitais estrangeiros"! Ficamos presos a uma verdadeira chantagem com esse tipo de discurso.  

O Sr. Amir Lando (PMDB – RO) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Cedo-lhe o aparte, Senador Amir Lando.  

O Sr. Amir Lando (PMDB – RO) – Nobre Senador Jefferson Péres, V. Exª, com razão e sobretudo com o conhecimento que todos reverenciamos, está dissecando aquele momento sentimental que vivi na tribuna. Tenho por esse tema paixão, devo dizer, e a paixão cega em certos momentos. Mas V. Exª o está dissecando com todos os dados, estatísticas, mostrando o que está acontecendo. E é exatamente isto: estamos cada vez mais aumentando a intervenção do sistema internacional, das empresas multinacionais, no País. Essa desnacionalização da economia é preocupante. Hoje, ela atinge não apenas setores de infra-estrutura, de geração de serviços públicos, mas, sobretudo, os serviços em geral, e até supermercados. Veja V. Exª, a participação estrangeira é expressiva. Mas, hoje, até em escritórios de advocacia já começa a ser acentuada a presença dos serviços estrangeiros no País. Realmente não há nenhum controle. Abriram-se as porteiras – a abertura dos portos é antiga, mas, agora, estamos abrindo em todo setor, o que é extremamente perigoso, sobretudo no sistema financeiro, que exerce um controle brutal, inclusive, como disse bem o Deputado Delfim Netto, na nossa poupança. As decisões sobre a nossa poupança serão tomadas possivelmente em Amsterdã, Londres ou em qualquer outro grande centro financeiro do mundo. Isso é preocupante. Parabenizo-o e digo-lhe que V. Exª não se agrega agora a essa luta. Ela já é antiga, porque quem tem um sentido mínimo de interesse pelo País e, sobretudo, quem professa esse amor à Pátria não pode jamais negar-se a colocar posições, como V. Exª faz, com muita racionalidade, com muita propriedade e sabedoria.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Muito obrigado, Senador Amir Lando.  

Realmente, encaro esse assunto com muita racionalidade; não sou um passional. Defendi o processo de privatização e a quebra dos monopólios. Não gosto de monopólios. Mas a verdade é que agora estamos entregando-os a empresas privadas estrangeiras. Refiro-me ao setor de saneamento básico.  

Há poucos dias, foi transferido um leilão da Manaus Saneamento, nossa empresa de águas e esgotos, Senador Amir Lando. Um setor que tem um monopólio natural. Não sei se é real o preço avaliado pela empresa, já o disse desta tribuna. Entendo que vale muito mais.  

As empresas que estão se habilitando ao leilão são estrangeiras: três grupos. Na Bolívia, em Cochabamba, vimos recentemente estourar uma rebelião popular. Por quê? Porque o Governo aumentou consideravelmente as tarifas de água para valorizar a empresa e vendê-la a um grupo francês. A população de Cochabamba saiu às ruas e quase derruba o Governo, porque, aproveitando o descontentamento generalizado no País, a rebelião se propagou para outras cidades. Esse é um exemplo que devemos levar em conta. Estou muito preocupado com a privatização dessa empresa de águas e esgotos da minha cidade.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) - Cedo-lhe o aparte, Senadora Heloisa Helena.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Desejo saudar V. Exª pelo seu pronunciamento, Senador Jefferson Péres. Realmente, isso contraria qualquer pressuposto de modernidade. E é lógico que entram todos os outros conceitos: o de modernidade, o de globalização, a mentira do Primeiro Mundo sobre a globalização, as barreiras protecionistas que são montadas, as barreiras que são derrubadas para agigantar nações que já são grandes e desmantelar nações inteiras, o Fundo Monetário Internacional e o monopólio. Como bem disse V. Exª a respeito do saneamento, com as distribuidoras de energia é do mesmo jeito! Hoje, existe monopólio espanhol na distribuição de energia no Nordeste. Todas as empresas de distribuição de energia foram "privatizadas", como lembrou V. Exª, com dinheiro público, com tráfico de influência, com um processo vergonhoso de corrupção. Mas foi garantido o monopólio da empresa espanhola, que é também a principal interessada no processo de privatização da CHESF, a geradora de energia do Nordeste. Imagine V. Exª, então, que processo monstruoso contra a soberania nacional! O que me deixa mais indignada – sei que V. Exª e o Senador Amir Lando também compartilham disso – é essa apatia do povo brasileiro, essa apatia monstruosa do Congresso Nacional. Tudo bem que o Congresso Nacional represente a elite política e econômica deste País, represente muito mais os interesses de alguns poucos do que os interesses da Nação brasileira e da maioria do povo brasileiro, mas eu fico impressionada! É obrigação nossa, enquanto cidadãos, fiscalizar os atos do Poder Executivo! V. Exª lembra um fato de extrema importância acontecido em outro país. O nosso Hino Nacional diz que "um filho teu não foge à luta" e, mesmo assim, há essa monstruosa apatia. É claro que compartilhada com os meios de comunicação, que levam para o imaginário popular uma mentira formulada pela elite política e econômica. Infelizmente, é como se estivéssemos indo para o abismo. Observamos que os programas de ajuste fiscal impostos pelo FMI em outras nações do mundo são exatamente os mesmos, com o mesmo receituário: com o processo de privatização, de desmantelamento do patrimônio nacional, dos serviços essenciais e da infra-estrutura. É como se estivéssemos indo, como animais mansos, para o matadouro; a guilhotina está lá na frente, e nós estamos indo, pacificamente, para ela, para um processo de desmonte da nação. Sou uma apaixonada pelo meu País e pela América Latina. Não tenho dúvida de que é o Brasil o único País capaz de modificar essa ordem internacional, em função do seu gigantesco potencial: áreas agricultáveis, recursos hídricos, infra-estrutura, mercado interno de massa. É o Brasil um elemento fundamental. Exatamente por isso, o FMI mantém o País sob um jugo maldito: porque caberia ao Brasil fazer isso. V. Exª traz dados que contrariam não simplesmente um pressuposto ideológico de uma ou outra cabeça, de um ou outro partido político, mas a lógica formal e a racionalidade, fundamentais para se fazer qualquer projeto de soberania nacional ou a construção de qualquer nação neste mundo. Portanto, eu não poderia deixar de saudar o pronunciamento de V. Exª e de dizer que compartilho das suas preocupações, de que possamos fazer deste País a nação que o povo brasileiro merece. Infelizmente, não foi possível, ainda, transformar o Brasil na nação que queremos.

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Obrigado, Senadora Heloisa Helena. Já que V. Exª mencionou a privatização das empresas de energia elétrica, lembro mais um privilégio concedido a essas multinacionais que as adquiriram: a duras penas, conseguimos extinguir a indexação no Brasil, um mecanismo perverso de perpetuação do processo inflacionário, mas as elétricas ganharam o privilégio de, durante cinco anos, indexarem as suas tarifas. Foi uma privatização com dinheiro público, em parte, sem risco e com garantia de lucro certo durante cinco anos. É, realmente, de estarrecer.  

Lamento, como V. Exª disse, Senadora Heloisa Helena, que a sociedade brasileira pareça estar perdendo a capacidade de indignação. Ela assiste a tudo isso como se não tivesse jeito: "É assim mesmo, deixa para lá." Até diante da corrupção desbragada, a maior parte da sociedade parece anestesiada. Inclusive, se estendermos o conceito de corrupção para abarcar aqueles que são coniventes, pelo silêncio, com tudo isso que aí está, realmente escapariam muitos poucos na classe política e na elite dominante deste País.  

O Sr. Amir Lando (PMDB – RO) – Antes de encerrar, permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) - Vou encerrar o meu pronunciamento com o seu aparte como fecho.  

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) – Lembro a frase do Presidente Fernando Henrique Cardoso, referindo-se a Castro Alves.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – É de O Navio Negreiro ? 

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) – De O Navio Negreiro . Exatamente sobre esse tema, realmente estamos diante de uma situação em que poderíamos dizer, com todas as letras:  

Tanto horror perante os céus?!  

Ó mar, por que não apagas  

Co’a esponja de tuas vagas  

De teu manto este borrão?...  

Astros! noites! tempestades!  

Rolai das imensidades!  

Varrei os mares, tufão!  

Varrei a inundação do capital estrangeiro nas privatizações!  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Era um dos poetas da minha juventude, acho que de todos nós. Imagine Castro Alves redivivo. Que belíssimo poema ele escreveria sobre o que acontece no nosso País, nos dias atuais!  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Mas, com certeza, hoje se angustiou muito, em algum lugar, em alguma luz em que ainda esteja, vendo onde foram verbalizadas as suas palavras, Senador.  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – E talvez Castro Alves fosse olhado apenas como um xenófobo, como um dinossauro, como alguém fora da sua época.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2000 - Página 7380