Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO 125º ANIVERSARIO DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO.

Autor
Pedro Piva (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Pedro Franco Piva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO 125º ANIVERSARIO DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/2000 - Página 3968
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, HISTORIA, BRASIL, DEFESA, LIBERDADE, DEMOCRACIA.

O SR. PEDRO PIVA (PSDB - SP. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poucos são os jornais do mundo que podem ostentar a condição de circular, ininterruptamente, por 125 anos. Poucas, igualmente, são aquelas publicações que, embora centenárias, evoluem com o tempo e buscam a qualidade, a renovação gráfica e editorial capaz de mantê-los em sintonia com as transformações por que passa o mundo. Muito poucos órgãos de imprensa, enfim, podem exibir um passado de lutas pela independência e pela liberdade e mantém-se fiéis a esses princípios.  

Pois o Jornal O Estado de S. Paulo reúne todas as credenciais e ainda é apontado por uma instituição de prestígio, como a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, como um dos vinte melhores jornais do mundo, ao lado de publicações respeitadas internacionalmente, como The New York Post, The Washington Post , Le Monde e Corriere della Sera .  

Não bastasse isso, O Estadão – como é carinhosamente chamado por centenas de milhares de leitores – conserva ainda outra marca característica: num mundo cada vez mais impessoal e frio, o diário vem sendo editado pela mesma família ao longo de todo esse tempo, sem jamais ter-se desviado da linha editorial que o transformou num dos jornais mais influentes e respeitados no concerto dos países democráticos.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história de uma nação é a história das idéias que a modelaram, é a história da luta pela liberdade e pela independência, é a história dos homens que sacrificaram os seus bens e até as suas vidas na construção da nacionalidade. É a história da resistência democrática.  

Por isso o registro do aniversário de O Estado de S. Paulo , que tenho o orgulho e a honra de fazer neste momento, não é apenas mais um rito protocolar, nem diz respeito somente aos paulistas. Este é daqueles momentos que convidam a uma reflexão de todos nós, brasileiros, sobre a formação da nacionalidade, porque a história do Estadão está intimamente relacionada à História do Brasil e de seus momentos decisivos. Desde o dia 4 de janeiro de 1875, quando a então minúscula cidade de São Paulo, com 20 mil habitantes e 96 ruas, viu surgir o primeiro número de A Província de São Paulo. Este jornal não apenas foi testemunha dos episódios mais importantes da formação do Brasil moderno, como teve papel ativo e, muitas vezes, determinante nos seus desdobramentos. Foi assim com o movimento abolicionista, que encontrou no jovem diário um dos seus principais porta-vozes, em contraste com a tendência conservadora e oficialista dos jornais de então; o diário foi o único dentre os periódicos brasileiros a acompanhar diretamente a Guerra de Canudos, pelos olhos e pela pena de seu correspondente Euclides da Cunha, trabalho que, depois, foi reunido pelo jornalista em uma obra clássica: Os Sertões ; e a tradição de engajamento nas questões centrais da brasilidade se repetiu com o movimento republicano, que encontrou o jornal na linha de frente da luta pela derrubada do velho regime. A epopéia da industrialização e da mudança da mentalidade agrária, então dominante no País, encontrou no diário um dos seus defensores mais inflamados.  

O Tenentismo e a Revolução Constitucionalista de 1932, que lançaram as sementes do Brasil moderno, tiveram eco e se reproduziram nas páginas do diário, já então temido adversário dos detentores do poder. O jornal manteve postura crítica à instalação do regime autoritário que se prenunciava e que, denunciado em editorial de novembro de 1937, se acabou materializando com o Estado Novo. Naqueles momentos difíceis em que a ditadura se instalava com toda sua crueza, o Estadão pagou um alto preço por sua postura democrática. O jornal foi invadido e mantido sob intervenção por cinco longos anos. Júlio de Mesquita Filho, seu dirigente maior e considerado inimigo pelo regime discricionário, permaneceu preso por um ano, submetido a torturas e, posteriormente, exilado em sua terra pelo crime de ter defendido a liberdade.  

A direção de O Estado de S.Paulo considera, muito justamente, que esses cinco anos não integram a sua história. Por isso, entende que o jornal acaba de completar 125 anos de existência, mas apenas 120 anos de vida.  

Anos mais tarde, essa postura de defesa intransigente da liberdade voltaria a ter momentos afirmativos e novamente contra a tirania. Todos os democratas deste País recordam a corajosa resistência do Estadão contra a censura à liberdade de imprensa e a quebra dos princípios democráticos pelo governo autoritário de então.  

O jornal não se curvou quando as pressões políticas se avolumaram, nem quando os ditadores de plantão recorreram à tática de estrangulá-los financeiramente. Finalmente, quando todos os expedientes falharam, o Governo tentou intimidar o jornal pela força, colocando censores dentro da redação e impedindo a publicação de informações e editoriais que o desafiassem. A resposta dos Mesquita foi um hino à dignidade e à liberdade. Os espaços abertos pela proibição passaram a ser preenchidos emblematicamente por trechos de Os Lusíadas , de Luís de Camões, obra maior da língua, onde são cantados os novos tempos e heróicos feitos da raça.  

Todas as forças democráticas do País devem muito à posição assumida pelo jornal naquele momento. Se hoje desfrutamos de liberdade total, se hoje o Brasil trilha novamente os caminhos da democracia, muito se deve à consciência crítica e à resistência ao arbítrio, do qual o Estadão foi um dos maiores tradutores e porta-vozes.  

Sr. Presidente, assinalei acima que O Estado de S.Paulo se distingue por pertencer a uma mesma linhagem de jornalistas, há doze décadas. Ao lado da longevidade do periódico, esse é outro valor notável. Das milhares empresas brasileiras, somente dezoito são centenárias e, destas, apenas cinco – insisto no número – foram inauguradas e permanecem sobre o mesmo controle da família até hoje. Esse é um dado notável do qual, certamente, a quarta geração dos Mesquita, que assumiu a responsabilidade de dar seqüência à obra de seus antepassados, deve orgulhar-se com toda justiça.  

Não poderia, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, encerrar essa homenagem sem lembrar os nomes dos jornalistas que escreveram as páginas dessa gloriosa história: Júlio de Mesquita inaugurou uma dinastia que se vem alternando na direção do diário e que hoje já se encontra na quarta geração. O patriarca da família dirigiu o diário por 36 anos, de 1891 a 1927. Nesse ano, Júlio de Mesquita Filho assumiu a direção, juntamente com seu irmão, Francisco Mesquita, o Dr. Chiquinho, como era carinhosamente chamado pelos amigos e funcionários. Ambos permaneceram à frente do Jornal por 42 anos, até 1969, período em que o Estadão se consolidou como o grande jornal brasileiro e o núcleo de resistência a aventuras autoritárias.  

Infelizmente, os dois morreram sem ver a redemocratização do Brasil, pela qual tanto lutaram. A resistência, reforçada em 1966 com o lançamento do Jornal da Tarde , vespertino moderno, leve, jovem, inquieto, que revolucionou a imprensa brasileira sob a direção de Ruy Mesquita, teve prosseguimento com a gestão de Júlio de Mesquita Neto, que permaneceu no seu comando até 1996, ano de sua morte.  

Durante toda a fase dos governos militares, o centenário periódico superou toda a ordem de dificuldades motivadas por sua postura de resistência a arbítrio, mas, em nenhum momento, esmoreceu. Ao contrário, consolidou posições, transferiu sua sede para o complexo construído especialmente para abrigar o jornal e todas as empresas associadas, modernizou seu parque industrial, diversificou suas atividades de comunicação e ingressou definitivamente na era da informática, transformando-se no maior centro de comunicação on line do hemisfério.  

Com o desaparecimento de Dr. Júlio, assume o comando seu irmão, Ruy Mesquita, cujo talento, visão jornalística e capacidade de trabalho têm sido decisivos para a manutenção do jornal no patamar em que foi enquadrado pelas gerações que o antecederam.  

Esta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a justa homenagem que gostaria de prestar a esse monumento à liberdade de expressão que é o Estado de S.Paulo . Como assinalei antes, é uma preciosa oportunidade para que meditemos sobre esse legado de dignidade, de coragem, de liberdade deixado por homens do calibre dos Mesquita. Uma oportunidade para que armemos nossos espíritos contra aventuras que possam arranhar as instituições democráticas e nos levar de volta a um passado que, espero, nunca mais voltaremos a viver.  

Se é certo que a virtude da história é nos mostrar os erros do passado para que não os repitamos no futuro, também é certo que os acertos haverão de nos animar na construção de um País mais justo, mais solidário e mais democrático. As páginas de o Estado de S.Paulo estão a nossa disposição para nos inspirar nesse propósito.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB - SP) – Concedo o aparte ao nobre Senador Pedro Piva.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Senador Pedro Piva, não quis interromper a cronologia histórica que V. Exª fazia do jornal O Estado de S.Paulo, que, sem dúvida nenhuma, é a cronologia da própria história do nosso País e, principalmente, da defesa da liberdade. Se se fala em liberdade de imprensa, se se fala em heróis que por ela trabalhavam no Estadão, V. Exª se referiu a eles com muita sensibilidade e, por que não dizer, com bastante emoção. Peço que, com a generosidade do seu coração, permanentemente demonstrada nesta Casa, me incorpore nessa homenagem de V. Exª, que encerra com brilhantismo a sessão desta tarde. Se me permitir, associo-me à brilhante oração que fez desta tribuna.  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB - SP) – Senador Romeu Tuma, este não é um pedido, mas uma obrigação de minha parte. Sendo V. Exª um Senador de São Paulo dos mais ativos, competentes, honestos e carinhosos com toda a Casa, com todos os seus colegas, na defesa intransigente dos seus princípios, pode estar certo de que o seu aparte valorizará a homenagem que faço a esse jornal.

 

Neste momento, defendo a liberdade de imprensa e um jornal como O Estado de S.Paulo , uma empresa que faz 125 anos – uma entre as cinco apenas remanescentes neste País. Este é um país jovem e dinâmico, que terá muito pela frente e que, certamente, será ajudado pelas páginas de órgãos como O Estado de S.Paulo .  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) – Senador Pedro Piva, a Presidência compartilha com V. Exª e com o Senador Romeu Tuma os cumprimentos ao jornal O Estado de S.Paulo , que faz 125 anos. Cumprimento-o pela maneira como expôs a trajetória desse extraordinário jornal, criado quando São Paulo tinha apenas 20 mil habitantes, destacando-o como um órgão da maior importância na defesa da liberdade de expressão e um exemplo de jornalismo, ainda que com forte opinião, preocupado em dar a informação correta sobre os mais diversos fatos. Inúmeras vezes candidato a Deputado Estadual, a Deputado Federal, a Prefeito, ao Senado, ao Governo, sempre pude notar isenção na maneira como o jornal O Estado de S.Paulo cobriu as campanhas no Estado de São Paulo. Toda vez em que visitei os seus diretores, fiz questão de registrar essa maneira imparcial no que diz respeito à minha própria vida política e sempre avaliei a cobertura como séria e imparcial do ponto de vista jornalístico. Muitas vezes tivemos discordâncias em assuntos políticos ou em editoriais, mas a forma como O Estado de S. Paulo tem sempre procurado esmerar-se na informação dos fatos realmente relevantes na vida do País é algo que faz a todos nós, brasileiros, paulistas, muito felizes. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB – SP) – Obrigado, Sr. Presidente.  

V. Exª afirma que O Estado de S.Paulo é um jornal de opinião, muitas vezes de opiniões divergentes – não só da sua, mas da minha e de muitos outros. É justamente essa diferença de opiniões que o faz grande. A liberdade com que trata os assuntos relacionados à Nação faz de O Estado de S.Paulo um grande jornal, admirado por toda a população do Brasil e até fora do País, sendo um dos mais respeitados em todo o mundo.  

Obrigado pela sua posição.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB – RS) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB – SP) – Ouço V. Exª, com prazer.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) – Senador Pedro Piva, peço licença a V. Exª, já que este aparte é um atrevimento. No entanto, nós, do Rio Grande do Sul, somos dados a isso. Estamos vivendo, neste momento, uma repercussão, uma reprodução do que é o Brasil: São Paulo. Na Presidência dos trabalhos, com muito brilho nesta Casa, um dos maiores, senão o maior Líder dos trabalhadores do Brasil, Senador Eduardo Suplicy. No microfone, fazendo o seu pronunciamento, um dos grandes nomes e, de modo muito especial, um dos empresários de maior respeito e credibilidade do Brasil, Senador Pedro Piva. E, nos apartes, o Senador Romeu Tuma, que se impõe à admiração do Brasil inteiro, à margem de ser um excepcional Senador, pela sua atuação e pelo seu conhecimento profundo na área da segurança. São Paulo está realmente bem representado, e, neste final de sessão, os três Senadores falam excepcionalmente bem de um patrimônio nacional: o Estado de São Paulo. Este colono do Rio Grande do Sul pede licença para dizer que nós, também, do Rio Grande do Sul – e certamente todo o Brasil –, pensamos como V. Exª s acerca do jornal O Estado de S.Paulo . Trata-se de um patrimônio nosso. É um jornal que se impõe pela sua seriedade, sua retidão, sua dignidade e seu caráter. Temos, inclusive, que reconhecer a família que compõe a sua direção, que tem uma série de princípios e uma formação que, às vezes, conduzem o jornal, em termos empresariais, de modo diferente do que deveria ser. Mas eles não mudam a linha de ação e de correção, nem a firmeza de propósitos que têm caracterizado aquele periódico. É, em verdade, um jornal de luta, que tomou posição. O Rio Grande estava com o Dr. Getúlio, e o jornal, contrário a ele, mas, temos o maior respeito pela integridade de O Estado de S.Paulo e pelo que este representa para a imprensa nacional. É difícil encontrar, no Brasil, alguém que, da tribuna de um parlamento, tenha lido mais vezes O Estado de S.Paulo do que o Deputado Estadual Pedro Simon. Na dura hora da ditadura e do arbítrio, eu ia para a tribuna da Assembléia Legislativa e lia o referido jornal – e conseguia a cópia do que a imprensa publicava. O Estado de S.Paulo publicou duas vezes Os Lusíadas , de Camões, e As receitas de Dona Benta na terceira página, no lugar do que a censura proibia. E lembro muito bem o impacto causado no Brasil inteiro, quando o jornalista Carlos Chagas, representante da sucursal de O Estado de S.Paulo em Brasília, foi a Porto Alegre e levou os originais das matérias que o Estadão publicava e a censura proibia. Esse jornal merece, indiscutivelmente, a admiração e o respeito de todos nós, principalmente quando uma análise sobre ele é feita por uma pessoa que tem o carinho, a admiração, a credibilidade e o respeito de todos nós, que é V. Exª.  

O SR. PEDRO PIVA (PSDB – SP) – Muito obrigado, Senador Pedro Simon.  

São Paulo é São Paulo. E, neste discurso que acabo de proferir, relembro que, há 120 anos, a cidade tinha 20 mil habitantes, entre os quais colonos – como V. Exª acaba de nominar – vindos do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, além dos nossos irmãos do Nordeste, bem como colonos que vieram de fora, imigrantes de todas as raças. Esses, sim, fizeram a nossa terra, fizeram São Paulo, fizeram este grande País a que temos o orgulho de pertencer. Incluímo-nos no grupo dos descendentes de imigrantes, nós, Senador Pedro Simon, que fizemos este País, graças a nomes como o de V. Exª.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/2000 - Página 3968