Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DA REFORMULAÇÃO DA ATIVIDADE POLITICA PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM PUBLICA E ETICA DENTRO DO ESTADO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • NECESSIDADE DA REFORMULAÇÃO DA ATIVIDADE POLITICA PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM PUBLICA E ETICA DENTRO DO ESTADO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2000 - Página 7617
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ESTADO, EXCESSO, CORRUPÇÃO, CRIME DO COLARINHO BRANCO, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, CONTINUAÇÃO, IMPUNIDADE, OMISSÃO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, REFORMA POLITICA, MODERNIZAÇÃO, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, AMPLIAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, SINDICATO, AUMENTO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ESTADO, INVESTIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, PRIVILEGIO, NATUREZA TRIBUTARIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crise global de nossas instituições aponta para a criação imediata de um novo Estado nacional porque o atual está completamente desmoralizado e começou a entrar em colapso no início da década de 80.  

Em meio aos furacões de escândalos que ameaçam gravemente a nossa frágil democracia, não dá mais para fazer de conta que o que estamos assistindo é um espetáculo sem nenhuma importância.  

Antes que seja tarde demais, não podemos mais continuar subestimando o ódio do povo que está entendendo perfeitamente qual é a natureza da crise do Estado brasileiro.  

Praticamente todos os dias, a maioria ainda silenciosa acompanha com indignação os numerosos casos de corrupção, assassinatos, recebimento de propinas, subornos, tráfico de drogas, tráfico de influência e desvios monumentais de dinheiro público envolvendo altas personalidades da vida da Nação. O pior de tudo é que os culpados continuam rindo dos seus próprios crimes porque contam com a certeza da impunidade e com a total desmoralização do próprio Poder Judiciário que já não tem tanta autoridade assim para condená-los.  

Partindo dessas premissas básicas, talvez possamos dizer que uma das causas mais importantes do nosso atraso político e da profunda falta de respeito da maioria de nossas elites a valores e fundamentos éticos, está estreitamente vinculada à nossa formação histórica que passou trezentos e vinte e dois anos sob o jugo português.  

Na verdade, o Brasil passou três séculos sob o domínio de um reino atrasado e decadente, corrupto, avesso às idéias renovadoras surgidas na Europa com o Renascimento, partidário da Contra-Reforma, submetido a uma retrógrada tutela jesuíta, esbanjador das riquezas retiradas de nossas terras e vassalo da Inglaterra após a assinatura do acordo de Methuen, em 1703, que impediu a sua entrada na Revolução Industrial. Tal tutela, nos parece, pode ter sido suficiente para impedir que os ideais rousseaunianos de liberdade e igualdade e o pensamento liberal aqui se implantassem e transformassem os rumos da história do Brasil.  

A conjuntura que estamos vivendo pede profundas reformas no campo da atividade política. Para termos um Estado forte e instituições sólidas, é preciso que existam homens públicos criativos, honestos e capazes de transformar rapidamente a triste realidade que vivemos.  

Uma das idéias mais importantes é a modernização política, o crescimento dos Partidos e a democratização de suas ações. Só assim seremos capazes de salvar a democracia, favorecer a disciplina do desenvolvimento e moralizar a vida pública.  

Toda a classe política precisa entender, finalmente, que neste final de século, o povo brasileiro está cobrando dos políticos os compromissos assumidos publicamente durante suas campanhas eleitorais, e que quase sempre são esquecidos.  

Quando falamos da importância da relação que deve existir entre o mundo político, a qualidade política e a eficácia da gestão estratégica do Estado, não podemos nos esquecer de que é fundamental a construção de uma nova ordem pública dentro do Estado. Ela é fundamental também para a formação de um novo pacto social, que encontre a sua razão de ser em um projeto nacional inovador e capaz de enfrentar, com respostas concretas, os constantes sacrifícios impostos pela globalização.  

Todos nós sabemos que a integração acelerada dos mercados mundiais e a própria situação geográfica do Brasil, mostram que seria um verdadeiro absurdo se optássemos pelo isolamento. Dessa maneira, diante da enorme concorrência imposta pelos mercados internacionais, não temos outra escolha a não ser fazer um enorme esforço pela sustentação da produção e do crescimento, pela geração de empregos, pelo aumento da capacidade de competição, por novos patamares de produtividade e, sobretudo, pela modernização total e imediata do Estado nacional. Inevitavelmente, no mundo globalizado, o Estado deixou de ser empresário e intervencionista e virou regulador das grandes questões e dos processos econômicos.  

Como se pode ver, os alicerces do novo Estado apóiam-se em novos significados. A legitimidade que ele busca como instituição é o maior desafio que tem de enfrentar no começo do novo século que está chegando.  

A chamada terceira revolução industrial como muitos costumam chamar, está se processando em algumas áreas dinâmicas do mundo e nós brasileiros, com a dimensão geográfica que temos, com o potencial de que dispomos, e com o parque industrial que construímos ao longo de quase um século, não podemos ficar atrás dessa grande onda, porque precisamos pensar alto em termos de América e em termos mundiais.  

Nesse sentido, os partidos políticos devem ter a responsabilidade de ampliar o campo da representatividade pública e dividi-lo com as associações de bairro, sindicatos, imprensa, igrejas, universidade, empresas e organizações profissionais, que devem assumir em definitivo o importante papel de agentes reguladores das ações do Estado nesse contexto nacional e internacional.  

No que se refere às funções desse novo Estado, ele precisa estar pronto para garantir a estratégia do desenvolvimento adotado, a honestidade e a transparência na aplicação dos recursos públicos, a relação de cooperação e não de conflito com os agentes econômicos e o apoio para que o País avance no campo do desenvolvimento industrial, científico e tecnológico. No campo social, sua posição deve ser também de coordenação, de transferência de recursos oficiais para solucionar os problemas graves de infra-estrutura, e de atribuições diretas na luta para diminuir drasticamente as vergonhosas contradições sociais.  

É importante que o novo Estado seja realmente a expressão político-jurídica da sociedade civil. O Estado não pode continuar sendo privatizado pelos corruptos que se revezam numa escalada assustadora de assaltos ao dinheiro da sociedade – os recursos destinados à água, ao esgoto, ao lixo, ao transporte, à saúde dos mais pobres, à merenda escolar, enfim, à infra-estrutura do País. Assim, não podemos mais permitir que as instituições sociais sejam desmoralizadas pela corrupção e que a tradicional distinção entre Estado e sociedade civil, volte a ameaçar a estabilidade política e o desenvolvimento.  

Com o colapso, ainda recente, do Estado autoritário, que durou 21 anos entre nós, resultou a reorganização das classes e facções de classe, de grupos de pressão e de representações sociais que protestam nas cidades e nos campos. Diante dessa nova realidade, é preciso avançar rápido na adoção de políticas de ajustamento que superem a crise fiscal, reconstituam a poupança pública, promovam as privatizações necessárias, a desregulamentação e a liberalização do comércio. Assim, o Estado e o mercado se completarão e estarão em funcionamento harmonioso. Por sua vez, os mecanismos clássicos de representação e os mecanismos corporativos de participação estarão em perfeitas condições de integração.  

Prejudicado pelos 21 anos de regime militar, o Brasil chegou um pouco atrasado para participar do grande debate mundial sobre a necessidade de se reformar o Estado. Nos grandes centros mundiais essa discussão já havia se iniciado e a globalização já tinha dado alguns passos largos. Assim, ao mesmo tempo em que a União Soviética e toda a Europa do Leste desmoronava, em nosso País, o Estado, com seu gigantismo inoperante, com sua estrutura rígida, paternalista, monopolista, corrupta, incompetente e corporativista, mostrava claramente o seu esgotamento. Mesmo assim, desde aquela época, a resistência conservadora tem lutado por todos os meios para manter o status quo que ainda garante os seus privilégios e alimenta uma vergonhosa cadeia de corrupção. Essas elites perversas não admitem, em hipótese alguma, um Estado voltado para o mundo e para o cidadão.  

Eles preferem um Estado que faça vistas grossas e mantenha na impunidade mais da metade das 500 maiores empresas do País, sem pagar um centavo de Imposto de Renda, enquanto o leão suga o sangue dos assalariados e dos micro e pequenos empresários. Eles querem a continuidade de uma máquina viciada, onde o sistema financeiro, que aufere lucros fabulosos, também não declare nada ao fisco. Eles preferem o vazamento de informações privilegiadas toda vez que existe uma crise cambial, porque esta permite o ganho de milhões de dólares para alguns desonestos em alguns minutos, a um eficiente sistema de vigilância e punição. Enfim, a opção desses maus brasileiros é pela guerra fiscal fratricida que os Estados travam entre si, cada um oferecendo vantagens absurdas a montadoras estrangeiras que não trazem nenhuma tecnologia nova, não criam empregos, e dilapidam ainda mais os combalidos cofres estaduais, com o pedido de outros favores, que são desmoralizantes.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, chegou realmente a hora de se estabelecer quais são os limites que separam a coisa pública da coisa privada. O desafio de mudar radicalmente valores completamente deformados, de definir novos conceitos morais, de pensar verdadeiramente um projeto nacional que inclua a maioria, é a maior tarefa que este Congresso tem a fazer neste final de século. Só assim seremos capazes de nos tornarmos um País decente e um Estado moderno, governado por homens honestos e não dominado por traficantes, mafiosos e criminosos do colarinho branco que repugnam o povo brasileiro.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2000 - Página 7617