Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA DO INDIO E CONSIDERAÇÕES SOBRE A VISÃO BRASILEIRA DA QUESTÃO INDIGENA.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • HOMENAGEM AO DIA DO INDIO E CONSIDERAÇÕES SOBRE A VISÃO BRASILEIRA DA QUESTÃO INDIGENA.
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2000 - Página 7742
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA, INDIO, COMENTARIO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, PUBLICAÇÃO, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ASSUNTO, INTERESSE, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ASSISTENCIA, SAUDE, EDUCAÇÃO, INDIO, ANUNCIO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), POLITICA, ENSINO, RESPEITO, CULTURA.
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, VOTAÇÃO, ESTATUTO, INDIO.
  • HOMENAGEM, INDIO, BRASIL, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPECTATIVA, UNIÃO, SOLUÇÃO, CONFLITO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 19 de abril, é o Dia do Índio e, para nossa satisfação, aqui estão, nas galerias do Senado, representantes de várias nações indígenas que, no dia de hoje, falam sobre questões que considero extremamente importantes para o futuro da população indígena brasileira.  

Sei que outros oradores também vão tratar desta questão hoje - Senadoras Marina Silva e Heloisa Helena, Senador Tião Viana -, mas quero dar, também, o meu enfoque, a minha contribuição e a minha palavra de alerta, já que, como ex-Presidente do Projeto Rondon e da Funai, ex-Governador de Roraima e atual Senador por aquele Estado, conheço de perto as questões indígena, ambiental e amazônica, que estão intrinsecamente ligadas.  

Antes de falar de problemas, Sr. Presidente, eu gostaria de abordar um lado bom e positivo da questão indígena brasileira. Começaria por uma extensa matéria, publicada no jornal Correio Braziliense , que comenta pesquisa realizada no País acerca da visão da população brasileira a respeito da questão indígena. De uma forma alvissareira e positiva, verifica-se que essa visão da população não índia - e, portanto, de uma população envolvente, que, sob vários aspectos, tem criado problema para a população indígena - tem evoluído de forma positiva e a percepção da questão indígena torna-se uma preocupação de toda a sociedade brasileira.  

Quando Presidente da Funai, não cansei de afirmar que a questão indígena não é prerrogativa daquele órgão ou do Governo, mas transcende-os e torna-se uma questão de toda sociedade brasileira. Só esse entendimento levará a uma relação, não de integração, mas de interação e de respeito entre as sociedades.  

A pesquisa que menciono apresenta aspectos positivos que gostaria, rapidamente, de relatar. Entre algumas perguntas e respostas registradas temos:  

- Preocupação:  

Qual o grau de interesse pelo futuro dos índios brasileiros?  

Setenta e oito por cento da população respondeu que tem interesse e apenas 18% respondeu que não tem interesse no futuro dos índios brasileiros.  

- Preservar a origem:  

Os índios devem ter o direito de continuar na selva de acordo com o seu costume?  

Noventa e dois por cento da população acha que os índios têm o direito de escolherem seus caminhos - o que é o correto -, e apenas 5% discorda desse direito à preservação do ritmo cultural de acordo com cada comunidade indígena.  

- Problemas:  

Na sua opinião, quais são os três principais problemas que afetam os índios brasileiros atualmente?  

O primeiro deles, com 57%, a invasão de suas terras pelos brancos. Isso, sem dúvida nenhuma, reflete o potencial de problemas, de conflitos que temos debatido aqui, no Plenário do Senado, ao longo dos anos. Em segundo lugar, com 41%, vem o desrespeito à cultura indígena, ou seja, a percepção da sociedade da importante preservação da cultura indígena brasileira. E com 28% vêm as doenças que os índios pegam dos brancos.  

Portanto, os três problemas definidos pela sociedade brasileira na questão indígena são: a invasão de terras, o desrespeito à cultura indígena e a questão da saúde indígena.  

- Lado ruim dos brancos:  

Os índios são bons, mas aprendem muitas coisas com os homens brancos?  

Setenta e oito por cento da população branca concorda com essa afirmação - o que é uma verdade. Na verdade, o patrimônio da cultura indígena, a relação dos índios com a população não índia vem sendo aviltada ao longo dos anos exatamente pela falta de percepção de uns e pela presença nociva de alguns setores na relação com os índios.  

-Direito à terra:  

Qual dessas frases expressa a sua opinião sobre os índios que falam português e se vestem como brancos?  

Setenta por cento acreditam que eles devem continuar a ter o direito sobre as terras indígenas - o que é claro e óbvio. No entanto, há uma parte da população que não acompanha diretamente a questão indígena. Apenas 24% dizem que devem perder o direito sobre suas terras. Infelizmente, há uma percepção de que a cultura indígena e a sua preservação seriam ligadas ao fato de vestirem-se como brancos ou falarem o português, o que, na verdade, todos sabemos que não corresponde à realidade.  

o     Futuro garantido:

Qual dessas frases melhor expressa a sua opinião sobre o futuro dos índios brasileiros?  

Quarenta e cinco por cento entendem que os índios continuarão nas suas terras e preservarão a sua cultura. Portanto, quase metade da população brasileira tem já firmada a visão da preservação da comunidade indígena. Vinte e um por cento diz que os índios vão viver nas cidades e assimilar a cultura dos brancos e 11% dizem que vão continuar nas suas terras, mas vão esquecer a sua cultura.  

Por que relato essa pesquisa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Porque entendo ser importante acentuar a visão positiva da população sobre as questões indígenas.  

Gostaria, ainda tratando desse assunto, de solicitar a transcrição dos depoimentos constantes nessa matéria do índio Marcos Terena, do Deputado Aloízio Mercadante, do Presidente da Funai, Sr. Carlos Marés, de minha disposição, como Senador, e também de Lux Vidal.  

Sr. Presidente, se, de um lado, a questão da percepção da sociedade melhorou, de outro, continuamos a ter problemas - inclusive as comemorações dos 500 anos têm demonstrado isso. São problemas que se referem à expressão da verdade e da movimentação. Há também outras matérias importantes, que precisam ser registradas, assim como aspectos relevantes a serem citados: "País não tem política educacional para índios". Na verdade, a política educacional para o índio é incipiente.  

O País avançou na questão da saúde utilizando-se da Fundação Nacional de Saúde e das próprias comunidades indígenas. No meu Estado, por exemplo, o CIR, que é um segmento organizado da população indígena, fez convênio com a Fundação Nacional de Saúde. Mediante esse convênio, a própria comunidade indígena presta assistência às populações indígenas. No entanto, se na saúde avançamos em alguns aspectos, na educação deixamos a desejar - e é importante que se estruture esse aspecto.  

Nessa matéria, o Ministério da Educação diz estar tratando dessa questão. Mas é importante que, com a comemoração dos 500 anos do Descobrimento, haja um avanço significativo e se defina, até o final deste ano, uma política educacional consistente para as populações indígenas, inclusive com a manutenção do idioma e de questões fundamentais. É importante também que se discuta e se vote o estatuto do índio, que está na Câmara dos Deputados há dez anos. Temos acompanhado as discussões. Há inclusive um pedido de urgência para que seja votado o Estatuto do Índio. Entendemos importante a urgência, mas também é importante uma discussão aprofundada do Estatuto, de seus aspectos polêmicos, como a questão da tutela.  

Hoje nos jornais o indigenista Orlando Villas Bôas está discutindo essa questão. E é um assunto polêmico que tem que ser tratado de frente, tem que ser discutido pelas próprias populações indígenas.  

Outra questão fundamental é a restruturação da Funai, que merece uma reflexão profunda sobre como aturar e coordenar intervenções que estão sendo feitas não pelo Poder Público, mas por entidades não-governamentais.  

Sr. Presidente, além de fazer esse registro, quero homenagear todas as comunidades indígenas, que, com sua luta, com a sua história, com o seu sofrimento, têm escrito como ninguém a História deste País.  

Mais do que isso: quero homenageio os segmentos e as populações indígenas do meu Estado de Roraima, índios que hoje vivem momentos de apreensão, inclusive de conflito interno, estimulado infelizmente por setores alheios à questão indígena. Hoje, os segmentos indígenas de Roraima começam a se digladiar - e isso não é bom. É importante que os índios se unam. A luta indígena é dura e precisa contar com a unidade das populações indígenas. Ao homenagear todas os índios de Roraima, faço o registro de que há proposta de minha autoria feita ao Ministro da Justiça e ao Presidente da República para buscar a pacificação e a solução da demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol.  

O Sr. José Fogaça (PMDB – RS) – V. Exª me concede um aparte?  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB – RR) – Concedo, com satisfação, o aparte ao Senador José Fogaça.  

O Sr. José Fogaça (PMDB – RS) – Senador Romero Jucá, quero cumprimentar V. Exª pelo conteúdo do seu pronunciamento. Conheço V. Exª há muitos anos, desde que foi indicado, pelo Presidente José Sarney, para a presidência da Funai. Conheço a sua luta em favor da causa dos povos indígenas. Como hoje é dia 19, e como daqui a dois dias teremos a chamada comemoração dos 500 anos, queria aproveitar, Senador, para, a par de cumprimentar V. Exª, trazer uma pequena reflexão. Quando falamos em comemoração dos 500 anos, temos de decompor a palavra "comemoração" e utilizá-la no seu étimo e no seu significado mais profundo e verdadeiro. Comemorar é memorar com alguém; é memorizar; é refletir; é lembrar em conjunto; é fazer uma reflexão e uma memória coletiva. Comemorar não é exaltar, não pode ser enaltecer, festejar. Não. Comemorar não é festejar; comemorar não é glorificar; comemorar não é tornar edificante o que não o é ou vice-versa. Comemorar é apenas refletir e pensar. E, nesse sentido, o pronunciamento de V. Exª traz uma contribuição no sentido de que se deve pensar no problema, fazer uma avaliação de erros e acertos e tentar encontrar saídas para os conflitos que persistem. A chegada da civilização européia e portuguesa no Território brasileiro não pode ter conteúdo algum de afirmação e de domínio ou de apogeu e de glória, porque, se assim fosse, obedeceria a uma lógica de dominação, de supremacia, que deve ser condenada. O que me parece importante é que, neste momento, ao comemorarmos, ao relembrarmos essa data, abrimos espaço para a reflexão e para algumas perguntas, entre as quais aquela que V. Exª acabou de fazer, sobre a questão da tutela. Há muitos anos, no Brasil, a política indigenista se faz a partir de uma visão tutelar, protetora. Todos nós fomos formados politicamente a partir desta visão: a de que integrar é corromper, é incorporar-se de forma degradante, colocando o homem e a mulher indígenas numa situação de inferioridade, subjugando-os. Talvez este seja o momento de, na comemoração entre todos nós, refletirmos e perguntarmos se não é possível introduzir um processo de radicalização democrática multirracial neste País, com a adoção de políticas de discriminação positivas que garantam o direito ao conhecimento e à preservação de sua cultura original, que ofereçam o direito de opção consciente aos povos, para que haja uma integração soberana, democrática e igualitária. Somos hoje um povo maduro para isso ou não? Para esta reflexão é que valem os quinhentos anos: somos um povo com uma identidade multirracial e multicultural capaz de oferecer esse direito democrático de opção a uma integração soberana dos povos da floresta? Somos ou não capazes de fazer isso? Se não o somos, talvez seja necessário continuar com a política tutelar que vige há mais de meio século em nosso País. Faço este aparte, porque também quero contribuir com as reflexões sérias e importantes que V. Exª vem fazendo. V. Exª fez uma pergunta sobre a questão da tutela, inscrita em nossa Constituição. Neste momento, também me somo a V. Exª para fazer esta indagação: aos 500 anos da chegada da civilização européia e portuguesa ao território brasileiro, já somos capazes de iniciar um processo de radicalização democrática multirracial e multicultural no Brasil, ou ainda somos um povo de

apartheid, de discriminação negativa, de marginalização? Qual a nossa identidade perante essa passagem dos 500 anos do Descobrimento do Brasil? O que somos como nação e como povo? Faço essas perguntas, porque tenho um filho de 25 anos, que é guarani, francês, português, italiano e negro. Que povo somos nós? Que força temos para construirmos uma democracia radical, multirracial e multicultural neste País? Agradeço a V. Exª.  

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) – Agradeço a V. Exª, Senador José Fogaça, pelo seu importante aparte. V. Exª tem razão. V. Exª abrilhanta, com muita competência, o meu discurso, demonstrando, inclusive - diferente do que foi dito na imprensa -, que a data concernente aos povos indígenas não passa em branco neste Senado. Pelo contrário, estamos discutindo aqui com profundidade questões que, como bem disse V. Exª, são fundamentais, primordiais.  

O Estatuto do Índio faz suscitar essas questões na Câmara. E é importante que a urgência seja dada ao Estatuto do Índio, para que tenhamos condições de, como bem disse V. Exª, discutir a questão da tutela, mecanismos novos, essa interação ou integração, e de definir o perfil do povo brasileiro. Essa é uma questão a ser analisada com seriedade na comemoração ou na rememoração, como bem lembrou semanticamente V. Exª, na passagem dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.  

Não temos de fazer festas. Temos de usar este momento para discutirmos o nosso futuro, calcado na triste, dura e penosa experiência desses 500 anos, principalmente para os povos indígenas.  

Quero ainda fazer alguns registros. Há um projeto em tramitação que define rapidamente a pronta demarcação de todas as terras indígenas. E é importante relembrar também, nessa comemoração dos 500 anos do Descobrimento, que, há sete anos, estamos descumprindo o que diz a Constituição. Em 1998, a Constituição definiu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas brasileiras fossem demarcadas. Passaram-se os cinco anos, passaram-se mais sete anos, e essas terras ainda continuam sendo ponto de disputa, de conflitos, que, invariavelmente, levam a comunidade indígena a perder e a ter prejuízo.  

O conflito não é bom para as comunidades indígenas. Tenho dito reiteradamente que não me preocupa apenas a definição do dia, a assinatura do ato; preocupa-me o dia seguinte. Depois dessas questões, como ficará a relação na comunidade entre índios e não índios? Nessa relação, invariavelmente, a comunidade indígena é a sofredora e a perdedora.  

Sr. Presidente, temos de lembrar esta data e apoiar as lutas indígenas. Mais do que isso, devemos tratar essa questão de forma que o Estatuto do Índio seja efetivamente discutido na Câmara dos Deputados e venha para este Senado, para que aqui tenhamos também condições de discuti-lo com profundidade, fazendo, se necessário, modificações oportunas, e para que tenhamos condições de aprovar, depois desses 500 anos, uma regra jurídica que engrandeça as populações indígenas, que as proteja e as preserve, que as trate com o respeito que elas merecem.  

Sr. Presidente, solicito que a minha proposta sobre a questão da pacificação de Roraima também faça parte do meu discurso.  

Muito obrigado.  

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROMERO JUCÁ EM SEU PRONUNCIAMENTO.  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2000 - Página 7742