Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

SOLIDARIEDADE AO SENADOR ROBERTO REQUIÃO. HOMENAGENS AO DIA DO INDIO, DIA DO TIRADENTES E AOS 500 ANOS DE DESCOBRIMENTO DO BRASIL.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • SOLIDARIEDADE AO SENADOR ROBERTO REQUIÃO. HOMENAGENS AO DIA DO INDIO, DIA DO TIRADENTES E AOS 500 ANOS DE DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2000 - Página 7781
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, PRONUNCIAMENTO, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, REFERENCIA, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, EMPRESA, RESPONSAVEL, JORNAL, PERIODICO, ESTADO DO PARANA (PR).
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, ELOGIO, RESISTENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, PAIS, LUTA, BUSCA, DIREITO A VIDA.
  • HOMENAGEM, JOAQUIM JOSE DA SILVA XAVIER, VULTO HISTORICO, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LUTA, BUSCA, SOBERANIA NACIONAL, INDEPENDENCIA, PAIS.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, CRITICA, EXCESSO, INTERFERENCIA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro, quero prestar a minha solidariedade ao Senador Roberto Requião. Várias vezes, nesta Casa, já tive oportunidade de dizer que enfrento o mesmo problema na minha querida Alagoas. A minha mãe dizia sempre, Senador Requião, que o pescoço podia ser magro, mas nele não cabia canga – canga, no interior, é aquele objeto que se coloca em cima do burro. Minha mãe dizia muito isto: "Em pescoço de filho pobre meu não cabe canga". O meu é como o pescoço de V. Exª.  

Srª Presidente, neste fim de semana, a partir de hoje, existem, sem dúvida, três datas extremamente importantes a se comemorar; três datas extremamente especiais na vida do povo brasileiro. A primeira, que é hoje, e sobre a qual vários companheiros parlamentares já tiveram a oportunidade de falar, é o Dia do Índio; 21 é o Dia de Tiradentes; e 22, "o Dia do Descobrimento".  

Quero, no dia de hoje, fazer uma saudação à resistência indígena, à resistência dessa grande história de luta. Desde o Império Colonial, tentaram destruí-los a ditadura, as oligarquias regionais e locais e o Estado brasileiro, com sua parcialidade hostil. E mesmo diante de tantas adversidades, com a força da identidade histórica e cultural, os povos indígenas estão se reconstruindo, reinventando a si próprios, recuperando os limites de suas áreas, lutando e projetando um futuro para as novas gerações de comunidades livres, orgulhosas por se considerarem um povo e por terem uma história e um destino.  

Saúdo todas as nações indígenas e, muito especialmente, as da minha querida Alagoas. O sangue das índias andarilhas que corre em nossas veias, misturado de forma maravilhosa com o das negras guerreiras, ajuda nossos corações alagoanos a pulsar com a batida firme da coragem, da solidariedade, da liberdade e da esperança.  

Saúdo os povos indígenas da minha querida Alagoas, os povos xucuru-kariri, da minha Palmeira dos Índios; wassu-cocal, de Joaquim Gomes; karapotó, de São Sebastião; jiripankó, de Pariconha; kariri-xocó, de Porto Real do Colégio; tingui-botó, de Feira Grande; kalancó, de Água Branca, e o nosso vizinho xocó, de Porto da Folha, no Estado de Sergipe.  

Srª Presidente, eu gostaria ainda de não deixar passar em branco o dia 21, que é o Dia de Tiradentes, desse guerreiro que lutou pela soberania nacional. É sempre o momento de o povo brasileiro relembrar o movimento de 1780, que teve como causa a derrama de 20% de tributos de ouro que eram arrancados do Brasil para sustentar a Coroa portuguesa.  

Hoje, pagamos mais de 30% do PIB, mais de 50% do Orçamento nacional para financiar a agiotagem internacional. Portanto, nada mais lógico que pudéssemos reviver aqueles dias; rediscutir quem, hoje, no cenário do poder político brasileiro, deveria ser caracterizado como o Visconde de Barbacena, que garantiu os interesses da coroa portuguesa à custa da dominação e da sangria do nosso País, ou como o Silvério dos Reis, traidor da Pátria, entreguista. Então, talvez fosse o momento de, ao se discutir o guerreiro pela soberania nacional, o Tiradentes, fazermos uma associação da derrama de 20% dos tributos de ouro para que se sustentasse a coroa portuguesa com os mais de 30% do PIB e os mais de 50% do Orçamento nacional para se financiar a agiotagem internacional, caracterizada muito bem pelo Fundo Monetário Internacional, o conhecido saprófita da Humanidade que, infelizmente, impõe, por meio de um jugo maldito e perverso, as regras no nosso querido Brasil.  

Srª Presidente, não poderia também deixar de falar um pouco sobre o dia 22. Lembro-me de que 1992, ao se completarem os 500 anos da chegada dos colonizadores espanhóis à terra dos Astecas, do Incas e dos Maias, houve um grande debate na imprensa européia e latino-americana, com repercussão, inclusive, no Brasil. Como resultado desse debate, não mais se utilizou o termo "descobrimento", mas sim "conquista". Assim, sem rodeios, se deixava claro que o que se passara naqueles dias não fora um descobrimento - porque tratava-se de uma terra já descoberta, da mesma forma como ocorreu com o nosso País - e, sim, uma conquista. Sem rodeios, sem mais delongas, tratava-se simplesmente da discussão da conquista que ocorreu na terra dos Astecas, dos Incas e dos Maias.  

Oito anos depois, o Governo brasileiro e a grande mídia, até com relógio com contagem regressiva, comemoram os 500 anos. Todos sabemos que comemorar não é apenas trazer à memória, não é apenas fazer recordar. É, por intermédio desse "fazer recordar", comemorar com o aspecto de festejo, mesmo. E é claro que só celebra e festeja quem tem motivos para isso, o que não é o caso dos negros, dos índios e da maioria do povo brasileiro.  

O Governo brasileiro e a grande mídia comemoram os 500 anos do "Descobrimento do Brasil". Não faltarão nem mesmo o Presidente de Portugal, um estado de sítio informal na região do desembarque e tantas outras coisas abomináveis que têm acontecido nesses dias e que nós já tivemos a oportunidade de, várias vezes, denunciar e discutir no plenário. Para piorar as coisas, os Ministros encarregados estão mais preocupados em organizar uma grande festa do que em provocar uma grande reflexão sobre o passado, o presente e o futuro de nossa querida Pátria.  

Comemorar os 500 anos do Descobrimento do Brasil pelos portugueses é, antes de mais nada, um enorme anacronismo. Quando Pedro Álvares Cabral chegou no que hoje é litoral brasileiro, outros navegadores já haviam passado por ali. Muito antes, mas muito antes mesmo, esse território já era habitado por milhões de pessoas. E não se chamava Brasil.  

O anacronismo revela, de fato, um enorme europocentrismo: a História vista sob o ponto de vista dos portugueses. Ou melhor seria dizer: a História vista sob o ponto de vista dos colonizadores - nada mais natural, até porque as nossas elites gostariam de ser européias, apesar de terem um modelo estético mais vinculado aos penduricalhos de Miami. No entanto, como pega muito mal para as nossas elites eternamente hipócritas assumir a sua real condição, a comemoração dos 500 anos precisa, também, ser mistificadora.  

Comemora-se o "descobrimento" como um "encontro pacífico", quando o que houve por aqui foi um verdadeiro assalto, um massacre, uma invasão, um genocídio, se levarmos em conta que, ao longo de 300 anos, a população nativa caiu de milhões para centenas de milhares.  

Para se mistificar é preciso mutilar-se a História, eliminando-se qualquer traço de resistência dos de baixo, que, trasantontem, foram os índios; anteontem, os negros; ontem, os colonos imigrantes e, hoje, os trabalhadores urbanos e rurais. Mas há algo mais nessas comemorações, pois não se trata apenas de se comemorar o passado. Assim como a burguesia paulista inventou um passado heróico - e heróico, para ela, eram as Entradas e Bandeiras, responsáveis pelo apresamento de indígenas - para justificar suas ambições presentes, também as nossas elites comemoram o "desembarque", ocorrido há 500 anos, para justificar o seu apoio ao desembarque que continua acontecendo hoje. Nada de caravelas, é claro, porque na alta tecnologia e na forma sutil de desembaque atual elas não cabem mais. Agora, trata-se de receber com braços abertos o capital externo. Nosso País, coitado, seria um paraíso, cheio de potencialidades mas carente de capitais. Sem eles, não seria possível fazermos aflorar nosso destino manifesto. Hoje, o Brasil, o Governo e a elite política e econômica recebem essas "caravelas", de braços abertos, para novos desembarques, para a continuidade desse processo de colonização.  

Trata-se, sem dúvida, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de uma teoria malfeita e insustentável. O Brasil e os demais países da América Latina foram essenciais para o surgimento do capitalismo industrial na Europa. Passamos séculos mandando riquezas para fora, para alimentar o giro da máquina econômica do Velho Mundo e, hoje, fazemos exatamente o mesmo, embora o beneficiário principal esteja em nosso próprio continente, na América do Norte.  

O mínimo que se pode dizer, portanto, é que os capitais externos precisam de nós, tanto quanto precisamos deles, mas quem se beneficia desses capitais? Quem se beneficia dos juros altos que atraem esses capitais? Quem se beneficia da imoralidade e da corrupção, da venda das nossas estatais? Quem se beneficia da abertura de nossos mercados, da destruição de parques produtivos inteiros e do maior desemprego da História? Quem se beneficia do processo de concentração e centralização de capitais, que vem acontecendo nos últimos anos a uma velocidade espantosa?  

Certamente, não é a maior parte do povo; certamente não é a maioria do povo brasileiro. Os beneficiários são conhecidos, têm nome, sobrenome e muitos passeiam pelos salões do Congresso Nacional, nem sempre como visitantes. Deve-se dizer que muitos desses capitais "externos" são de capitalistas brasileirinhos, ou melhor, brasileirões, que se beneficiam também das facilidades do mercado desregulado, a serviço da agiotagem.  

No fundo, ao festejar a primeira "globalização", que coincide exatamente com as navegações, os chamados descobrimentos, a conquista do "Novo pelo Velho Mundo", as nossas elites comemoram a globalização atual. E já que é assim, por que, então, não se perceberem as grandes diferenças que existem entre uma e outra "globalização"? A diferença mais óbvia é a de protagonistas: há 500 anos, era o Velho Mundo tentando impor ao Novo seu modelo econômico, político, social e ideológico. Num certo sentido, a operação foi exitosa e permitiu o desenvolvimento do capitalismo industrial.  

Mas o curso da história conduziu ao declínio do Velho Mundo. Hoje são os Estados Unidos que impõem à Europa o modelo norte-americano da cultura fast-food, sua linguagem, seus hábitos, sua política televisiva e "marketológica", além de, principalmente, seu padrão econômico.  

Essa diferença de protagonistas esconde uma diferença ainda mais profunda. Há 500 anos, a ferro e fogo, a Europa deu o pontapé inicial na exportação de um sistema social em ascensão. Hoje, também a ferro e fogo, os Estados Unidos tentam manter um sistema social em absoluta crise. Porque crise não é a queda nas Bolsas, não é aquela "agonia" que vemos pela televisão. Isso é apenas uma manifestação da crise. A crise é de fundo, é de um sistema que nunca produziu tanto para tão poucos poderem consumir. Um sistema que, para continuar produzindo lucros, é obrigado a invadir territórios, espaços, e quando nada disso é mais suficiente, inventa guerras, destrói nações inteiras e depois, cinicamente, se predispõe a reconstruir os países destruídos. E quando nem isso adianta, inventa o estágio supremo do seu próprio cinismo: a especulação financeira.

 

O centro desse sistema, hoje, todos sabemos, são os Estados Unidos. Parece bem, a mídia nos fala maravilhas. Apresentam como a terra da liberdade. Mas não nos iludamos, porque também não se iludem os que mandam por ali: a bonança norte-americana advém deles serem beneficiários das crises alheias. Mas certamente, mais cedo ou mais tarde, já se apresentando isso, a crise também bata por lá. Nessa hora, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que se passará?  

E já que falamos tanto nos Estados Unidos, que se apresentam como os delegados do mundo, que têm a ousadia de, no ano 2.000, ainda impor um bloqueio maldito, covarde e perverso ao povo cubano, porque as nossas elites não se perguntam por que - tendo sido "descobertos" quase ao mesmo tempo - tivemos destino tão diverso do nosso "irmão do Norte"? Por que, cinco séculos depois eles oprimem e nós somos oprimidos?  

A esta pergunta óbvia, nossas elites não querem responder, porque o passado distante também é muito revelador. Enquanto por estas terras se firmou o latifúndio, no começo as Colônias do norte experimentaram uma boa dose de pequenas propriedades. Enquanto nestas terras se fez uma independência arranjada - antes que outro aventureiro o fizesse, lançou-se a empreitada D. Pedro I -, as Colônias do norte promoveram guerra contra a Inglaterra, que arrancou a liberdade, a República e principalmente a independência econômica. Enquanto, nestas terras as elites esticaram, o máximo que puderam, a escravidão, nos Estados Unidos a escravidão foi extinta após uma sangrenta Guerra Civil. Enquanto nestas terras o centro da atividade econômica estava fora, nos países que compravam nossos produtos de exportação, nos Estados Unidos cresceu durante muito tempo "para dentro".  

Nenhuma ilusão sobre o que fez e o que foi a história dos Estados Unidos. Lá, como aqui, o desenvolvimento fez-se à custa da miséria imposta aos índios, aos negros, aos pobres, aos trabalhadores. Nenhuma ilusão, portanto, sobre o que são os Estados Unidos hoje, com os seus 30 milhões de miseráveis, com sua cultura mercantilista, com sua violência endêmica, com o seu jeito nazista de se enxergar como "nação prometida", com sua arrogância de policial do mundo, com sua política dominada simplesmente pelos publicitários.  

Mas, apenas uma constatação: conflito, ruptura, luta, soluções extremadas produzem, por mais paradoxal que possa parecer, sociedades mais ricas e mais fortes.  

Isso nos fez falta. Este País seria muito diferente se nele tivesse havido uma boa, uma bela revolução popular, dessas que fazem as elites tremerem e acabarem por ceder todos os anéis para não perderem todos os dedos.  

Mas tudo isso, Srª Presidente, talvez para alguns sejam águas passadas, não apenas porque é passado, mas porque o "caminho norte-americano" sempre esteve fechado para nós. Isso porque nossas elites, que abandonaram seus antigos sonhos do Brasil potência hoje se conformam com a condição de sócio menor, subalterno do império do mundo. Mantida a ordem atual das coisas, o Brasil precisaria de várias décadas para equiparar-se economicamente ao estágio atual dos países ricos, a que o Brasil se subordina vergonhosamente. Mas quando digo isso, sei que o caminho está fechado para nós; mas não me refiro só a isso, até porque, mesmo que fosse possível ao Brasil ocupar no mundo uma posição igual à que hoje ocupam os Estados Unidos, talvez devêssemos até não aceitar esse tipo de posição em função de tanta opressão. Quando digo que o caminho norte-americano está fechado para nós, é por um motivo mais simples: não há mais espaço no mundo para tanto capitalismo, para tanta produção sem consumo, para tanto consumo sem motivo, convivendo com tanta gente sem dinheiro para consumir, com tanta tecnologia ociosa, convivendo com tanta gente sofrendo de males medievais, com tanta especulação num mundo em que falta dois-mil-réis para um investimento realmente produtivo.  

Estamos à beira da catástrofe, se engana quem não percebe, quem insiste em não ver; estamos no curso dessa catástrofe. Parecemos um pouco aqueles personagens de desenho animado que correm pelo céu até se aperceberem da falta do chão. Nessa hora, o encanto se desfaz e o personagem vai ao chão.  

No nosso século, que ainda não terminou, os povos só perceberam a catástrofe quando era tarde demais, em 1914 e 1939. Nos dois casos, esse foi o jeito - a guerra – que o capitalismo arrumou para "pôr ordem na casa".  

E agora, qual seria o jeito?  

Todo dia a mídia nos traz declarações preocupadas sobre a estabilidade mundial, que está dedicado a buscar novos paradigmas, perseguindo uma nova arquitetura econômica mundial, clamando por um governo mundial supostamente capaz de evitar o caos que se avizinha.  

Mas os "donos do mundo" não têm coragem de reconhecer ou de dizer o óbvio: enquanto vivermos num mundo que tem US$37 trilhões em riqueza, dos quais menos de 10 trilhões referem-se a operações comerciais envolvendo mercadorias físicas, enquanto vivermos num mundo dominado pelo lucro, pelo dinheiro, pela especulação, não haverá conserto.  

O dilema hoje, principalmente para países como o Brasil, é submeter-se ou subverter-se. Pois então que viva a subversão, pois submissão foi o que tivemos que agüentar nos últimos 500 anos, com este resultado de fome, miséria, humilhação e desemprego que aí está.  

Somos um dos cinco países com maior concentração de renda do mundo. Nos últimos anos, ocupamos várias vezes o primeiro lugar: somos os primeiros em concentração de riqueza. Nossos ricos são mais ricos, mais esnobes, mais irresponsáveis, mais incompetentes, mais insensíveis e, infelizmente, mais cínicos. Gente de sensibilidade embotada que recusa um salário mínimo de US$100, ao mesmo tempo em que gasta 10 vezes mais, por dia, em suas férias, no paraíso fiscal.  

Quando o Partido dos Trabalhadores denuncia o que se passa no Brasil, quando observamos quais são os problemas que afligem a maior parte, a esmagadora maioria de nosso povo, não temos dúvida em dizer que a resposta está fora do capitalismo, fora da dependência externa, fora do autoritarismo político que marcam o Brasil há décadas, nalguns casos, e séculos, noutros casos.  

Não haverá democracia real em nosso País enquanto não houver igualdade. Não haverá felicidade em nosso País enquanto milhões são privados do direito de participar, por intermédio de seu trabalho, da produção e da repartição da riqueza social. Não haverá fraternidade em nosso País enquanto não repartirmos para todos as propriedades que uma minoria cerca com arame, com vigias, com leis, com artimanhas e com a mais absoluta improbidade.  

O Século XX não foi o século do socialismo, embora tenha sido esse o objetivo de milhões de pessoas que, com seus erros e acertos, dedicaram suas vidas a tal objetivo. Mas o Século XX também não foi o do enterro do socialismo, como muitos queriam, como muitos cantaram em verso e prosa quando da queda do Muro de Berlim, e hoje, cinicamente, aceitam um outro muro muito mais perverso do que aquele muro de concreto, que é o muro da travessia México-Estados Unidos. O Século XX não foi o do enterro do socialismo, embora tenha sido esse o recado dos que cantaram com exagero a hora de nossa morte.  

A culpa não é nossa. A culpa é das elites, dos que matam, roubam e exploram, dos que empurram os de baixo a lutar por outra vida, outra sociedade, outra economia.  

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Século XXI talvez não seja também o do socialismo. Isso veremos. Mas será, é certo, o século da luta pelo socialismo, por uma outra sociedade justa, igualitária, fraterna, solidária. Não porque gostemos de lutar, mas porque não nos deixam outra alternativa.  

Já se vão 500 anos, e nossos índios continuam sendo massacrados.  

Já se vão 500 anos, e nossos negros continuam sendo massacrados.  

Já se vão 500 anos, e nossas mulheres continuam sendo massacradas.  

Já se vão 500 anos, e os pobres, os miseráveis deste País continuam sendo massacrados.  

Já basta! Se nossa sociedade não for virada ao avesso, serão mais 500 anos do mesmo. E não nos venham pedir calma, pois o que sobra para quem tem fome senão o direito de ter pressa?  

Nos últimos cinco séculos, as elites governaram este País. O País mudou, as elites mudaram. Mas segue a opressão, segue a exploração. Como antes, as elites alternam seus partidos, reciclam suas lideranças, mudam seus discursos, às vezes cooptam um esquerdista de ontem para ser o conservador de hoje e o reacionário de amanhã.  

Nestes 500 anos, orgulham-nos aqueles momentos em que os de baixo tentaram assumir o comando: as guerras indígenas, os quilombos, as revoltas camponesas, as greves operárias, as insurreições tenentistas, os movimentos de massa, as grandes batalhas eleitorais. Se até hoje não conseguimos vencer, se nos faltou força, nunca nos faltou razão, coragem e esperança.  

E é em nome dessa razão que os movimentos populares de todo o Brasil comemorarão do seu jeito os 500 anos: denunciando, desmascarando e, principalmente, anunciando a boa nova: outros 500 anos virão. Um novo tempo virá, sem dúvida – o nosso tempo.  

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2000 - Página 7781