Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A HISTORIA DO POVO CAPIXABA NOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.

Autor
Luzia Toledo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Luzia Alves Toledo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REFLEXÃO SOBRE A HISTORIA DO POVO CAPIXABA NOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2000 - Página 7801
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, COMENTARIO, HISTORIA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), ELOGIO, VULTO HISTORICO, EXPECTATIVA, CONTINUAÇÃO, DESENVOLVIMENTO.

A SRª. LUZIA TOLEDO (PSDB - ES) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as vésperas dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, volto os olhos para o povo de minha terra, para o povo do Estado do Espírito Santo, para refletir sobre nossa história, nosso passado de lutas, de glórias e realizações, antevendo um futuro de grandes conquistas e desenvolvimento para o povo capixaba.  

Não se trata de mero desejo de prosperidade e bem-estar para o povo da antiga Capitania do Espírito Santo e da vila de Nossa Senhora da Vitória, neste início do Século XXI.  

Trata-se de uma certeza decorrente de um olhar tranqüilo e objetivo sobre aquilo que construímos nesses quase 500 anos de história, desde quando o rei de Portugal D. João III, em 1° de junho de 1534, assinou a carta de doação da Capitania do Espírito Santo ao fidalgo português Vasco Fernandes Coutinho.  

Certamente hoje se cumpriu o que afirmava o padre Manoel da Nóbrega, em 1560: "Esta Capitania se tem por a milhor cousa do Brasil depois do Rio de Janeiro ." 

Quando a caravela de Vasco Fernandes Coutinho aportou junto ao Monte Moreno, hoje Vila Velha, naquele distante 23 de maio de 1535, oitava de Pentecostes, dia dedicado à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, ninguém poderia imaginar que a vila que ali se iniciava com o nome de Espírito Santo se transformaria numa terra onde mana leite e mel.  

Esse longo e heróico caminho, formador da identidade histórico-cultural do povo capixaba, engloba um passado de lutas, combates diários e sofrimentos, juntamente com a certeza de estarmos construindo uma nova nação formada por muitas raças que ali se mesclaram para formar o verdadeiro Brasil.  

Essas lutas que travamos, e que contribuíram para forjar a têmpera e o caráter firme do povo capixaba, começaram já na chegada de Vasco Fernandes Coutinho: os valentes indígenas que lá habitavam tentaram impedir o desembarque do Primeiro Donatário, postando-se armados na praia.  

Foram muitos os inimigos internos e externos: em 1583 e 1592 as lutas foram contra os ingleses, em Vitória; em 1625, contra os holandeses, em Vitória e Vila Velha; em 1637, ainda contra os holandeses em Vitória.  

A expulsão dos franceses do Rio de Janeiro também representa um importante acontecimento do passado de glórias do povo capixaba: o auxílio prestado pela Capitania do Espírito Santo a Estácio de Sá consolidou a hegemonia portuguesa no Brasil, decidindo-se aí o futuro da própria nacionalidade.  

Araribóia, comandando duzentos índios temiminós, enviados pela Capitania do Espírito Santo para combater os franceses de Villegagnon, foi o fator decisivo para a expulsão dos mesmos do Rio de Janeiro.  

Ainda hoje colhemos os frutos e benefícios da chegada dos jesuítas, em 1551: a importante obra evangelizadora, a pacificação dos indígenas, a aproximação entre brancos e índios, indispensável para a conquista e colonização da terra capixaba, e a fundação, em 1556, do primeiro estabelecimento de ensino de nossa terra, o Colégio de Santiago.  

O Padre José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil, catequista, evangelizador, professor, médico, pacificador, filósofo e poeta, fundador da cidade de São Paulo, beatificado, pelo Vaticano, em 1980, escolheu nossa terra para sua última morada.  

Fundador da cidade de São Paulo, e habitante da antiga Capitania de São Vicente, o Apóstolo do Brasil esteve muitas vezes em nosso Estado, vindo a fixar-se definitivamente na aldeia de Reritiba, hoje município de Anchieta, onde faleceu em 9 de junho de 1597. Em 1581, quando três naus francesas investiram contra a Capitania, foram os índios das aldeias jesuíticas que defenderam nossa terra contra os invasores estrangeiros.  

Em 1592, derrotamos o famoso pirata inglês Thomas Cavendish, que atacou a Baía de Vitória, e foi duramente batido nas praias vizinhas às vilas do Espírito Santo e Vitória.  

Frei Pedro Palácios, espanhol, considerado o São Francisco de Assis do Brasil, fundador do Santuário de Nossa Senhora da Penha, homem dedicado à oração e à penitência, pregou o Evangelho na Capitania do Espírito Santo durante doze anos, a partir de 1558.  

Domingos Martins, nascido no nosso município de Itapemirim. Foi comerciante em Londres e, posteriormente, um dos heróis das lutas pela liberdade: participou do movimento político que visava implantar a Confederação do Equador; foi preso e condenado à morte por fuzilamento, mantendo-se fiel na defesa dos grandes ideais da liberdade.  

Entre 1545 e 1547, passamos por um período de grandes dificuldades, quando a Capitania quase foi à ruína, em decorrência das lutas entre brancos e índios: Vasco Fernandes Coutinho encontrava-se em Lisboa, na iminência de perder todos os seus bens.  

Em março de 1625, entraram na barra de Vitória oito naus holandesas comandadas por Pieter Heyn que atacaram a Vila da Vitória; os holandeses foram derrotados no combate de rua, após tentativa de assalto à cidade.  

Maria Ortiz é símbolo da coragem, bravura e destemor da mulher capixaba: nos combates de rua contra os holandeses, em Vitória, ela decidiu a batalha, lançando água fervente sobre o próprio Pieter Heyn.  

Os administradores portugueses estavam convencidos de que qualquer ataque estrangeiro, dirigido contra as jazidas das minas gerais , teria o Espírito Santo como base de desembarque, daí a proibição de se fazerem estradas entre a Capitania Capixaba e Minas Gerais.  

A administração portuguesa no Brasil seguia uma famosa frase do Conselho Ultramarino: "Quanto mais caminhos houver, mais descaminhos haverá".  

Em 22 de janeiro de 1760, ocorreu a expulsão dos jesuítas, por determinação do Rei de Portugal, o que representou uma grande perda para o desenvolvimento da Capitania do Espírito Santo.  

Em 1809 o Espírito Santo liberta-se da tutela do governo da Bahia, podendo a partir daí pleitear diretamente junto à Corte portuguesa todas as reivindicações necessárias ao seu desenvolvimento.  

Na quadra de 1830, chegou ao Espírito Santo o primeiro grupo de colonos suíços, que vinham trabalhar no desenvolvimento da agricultura em nossa terra.  

Em 1847, recomeçou a imigração de europeus para o Espírito Santo: 163 alemães formaram a Colônia de Santa Isabel; e em 1857, foi estabelecida a Colônia de Santa Leopoldina.  

A Colônia de Rio Novo era formada por 1.870 habitantes, entre alemães, belgas, franceses, holandeses, italianos, portugueses e suíços.  

Esses colonos europeus contribuíram decisivamente, não só para o desenvolvimento da agricultura como para o crescimento da população e melhor ocupação do território do Espírito Santo.  

A importância econômica do café se tornou crescente: em 1860, a produção era de apenas 50.529 sacas; em 1900, a produção já atingia 394.150 sacas: o Espírito Santo também teve sua nobreza do café, representada pelos Barões de Itapemirim, Aimorés, Timbaí e Guandu.  

As idéias nacionalistas começaram a germinar e o Espírito Santo contribuiu desde os primórdios para a formação das condições favoráveis à Independência do Brasil.  

A partir de 1835, com a instalação da Assembléia Provincial em Vitória, desenvolve-se a corrente que defende maior autonomia administrativa das Províncias.  

A liberdade da imprensa surge com o primeiro jornal impresso em nossa terra: O Estafeta , que circulou em 1840 apenas em seu primeiro número, preparando o terreno para o Correio da Vitória , que começou a circular em 17 de janeiro de 1849, iniciando a história do jornalismo capixaba.  

Em 1849, tivemos a insurreição do Queimado, revolta de negros escravos que ocorreu no distrito do Queimado e que foi facilmente subjugada devido à inexperiência dos chefes. Essa insurreição deixou a Província muito assustada.  

A Independência trouxe um período de grande desenvolvimento para a Província: a cidadania, o júri, a escolha dos conselheiros do seu governo, além de outros benefícios materiais: estradas, pontes, escolas e maiores cuidados com a saúde do povo.  

Apesar das proibições provenientes da Corte de abrir estradas, penetrar no interior e procurar minas de ouro, o povo capixaba nunca deixou de procurar o desenvolvimento de sua terra, ultrapassando as dificuldades políticas e as barreiras físicas, num trabalho contínuo em busca do aprimoramento das condições de vida do seu povo.  

A primeira Constituição republicana, promulgada em dois de maio de 1892, forneceu as condições político-institucionais para uma nova fase de desenvolvimento da terra capixaba.  

O novo Governo estabeleceu um programa de construção de estradas de ferro e o povoamento do solo, atraindo o investimento e concedendo-lhe favores especiais.  

O Estado contraiu o primeiro empréstimo externo, no valor de 17 milhões e 500 mil francos franceses, destinados à construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e contratou a vinda de vinte mil imigrantes italianos para a lavoura.  

No fim do século XIX, o Espírito Santo tinha uma população de 209.783 habitantes, na quase totalidade trabalhando na agricultura, dedicando-se às culturas de café, cacau, algodão, cana-de-açúcar, milho e arroz.  

Em 15 de novembro de 1895, o Papa Leão XIII promulgou a bula que instituía a Diocese do Espírito Santo, com sede em Vitória, atendendo antiga reivindicação da comunidade católica, que constituía a quase totalidade da população.  

O Espírito Santo fizera apreciáveis progressos culturais: já havia na Capital, Congresso, Corte de Justiça, altos órgãos administrativos, Bispado, Escola Normal, Biblioteca Pública, dois jornais e uma elite cultural.  

A queda do preço do café – maior fonte de receita do Estado – mergulhou o Espírito Santo numa grave crise econômica, agravada por uma prolongada seca, impossibilitando o Estado de cumprir seus compromissos financeiros, obrigando-o a pedir moratória aos credores estrangeiros.  

A partir de 1908, no Governo Jerônimo de Sousa Monteiro, inicia-se o processo de modernização de Vitória, que passa a dispor de novas ruas e serviços de água, esgoto, luz, bondes elétricos.  

Em novembro de 1908, ocorreu a primeira greve operária do Espírito Santo: em Cachoeiro de Itapemirim cruzaram os braços os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, por atraso de pagamento dos salários.

 

A antiga Capitania de Vasco Fernandes Coutinho soube superar, nesses quase cinco séculos de existência, todos os grandes obstáculos e dificuldades que surgiram no caminho do seu desenvolvimento e na construção de uma sociedade moderna.  

O padre Anchieta, no auto Vila da Vitória , representa o Governo – personagem bondosa e protetora – na figura de Vasco Fernandes Coutinho, confirmando os registros históricos de dedicação, generosidade, bravura, solidariedade e o espírito magnânimo do primeiro donatário.  

Não há registro de um só ato injusto, de uma opressão ou da prática de uma vingança por parte de Vasco Fernandes Coutinho, coisas tão comuns nas condições adversas existentes nos primórdios da colonização, em que o donatário de uma capitania dispunha de praticamente todos os poderes de um rei.  

O padre Francisco Pires, em carta de 1558, apresenta um eloqüente depoimento sobre a grandeza de sentimentos e demonstração da santa humildade de Vasco Fernandes Coutinho.  

Em uma reunião de moradores da vila, promovida pelo capitão que os notara desgostosos consigo foi apurado o motivo da contrariedade. "O donatário utilizou de palavras brandas e humildade, pedindo perdão e registrando o seu desejo de estar bem com todos".  

Vasco Fernandes Coutinho faleceu em 1561, foi sepultado na vila do Espírito Santo, onde residia, "tão pobremente que chegou a lhe darem de comer por amor de Deus, e não sei se teve um lençol seu em que o amortalhassem", nas palavras de frei Vicente do Salvador.  

O espírito de luta, combate, coragem e humildade de Vasco Fernandes Coutinho continua a operar na formação da identidade histórico-cultural do povo capixaba, que tem sabido vencer tantas adversidades.  

As novas gerações do povo do Espírito Santo, herdeiras de um grande patrimônio material, intelectual e moral, precisam meditar sobre a grande dívida que temos para com nossos antepassados, decorrentes dos imensos sacrifícios necessários para a construção de uma nova terra.  

Portugueses, africanos, alemães, pomeranos, italianos, belgas, suíços, luxemburgueses, tiroleses, austríacos, holandeses, poloneses, libaneses, espanhóis e outros estrangeiros contribuíram, juntamente com os nossos índios, para o desenvolvimento do Espírito Santo e para formação histórico-cultural do povo capixaba  

A contribuição dos negros à formação histórico-cultural do Estado do Espírito Santo é inestimável, pois desde os primórdios de nossa história, foi permitido a ocupação do território e a manutenção da economia em desenvolvimento.  

Aqui as condições para implantação do homem europeu foram muito adversas: a floresta e a ferocidade dos indígenas constituíram barreira intransponível para os planos de colonização, impossibilitando a penetração no interior.  

Tudo o que somos e que temos devemos a esses todos nossos antepassados que souberam ganhar o pão com o suor do rosto, gastaram suas energias e entregaram suas vidas em benefício dos pósteros.  

Com essa reflexão sobre o passado e o presente do Estado do Espírito Santo, quero afirmar minha esperança no futuro promissor, fruto do trabalho e da fé de um povo que não recua ante as adversidades, pelo contrário, utiliza o lema de nossa bandeira e, ordeiramente, Trabalha e Confia.  

Muito obrigada.  

 

nosA¿ o¿ ¿ ados, uma boa Páscoa, que revigore as suas forças, para que possamos lutar para o benefício dessa querida gente brasileira. Muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2000 - Página 7801