Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 24/04/2000
Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
COMENTARIOS SOBRE AS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO, DESTACANDO O PROBLEMA DAS DESIGUALDADES REGIONAIS E A QUESTÃO INDIGENA. APOIO A NOMEAÇÃO DE UM INDIO PARA A PRESIDENCIA DA FUNAI.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.
POLITICA INDIGENISTA.:
- COMENTARIOS SOBRE AS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO, DESTACANDO O PROBLEMA DAS DESIGUALDADES REGIONAIS E A QUESTÃO INDIGENA. APOIO A NOMEAÇÃO DE UM INDIO PARA A PRESIDENCIA DA FUNAI.
- Aparteantes
- Lúcio Alcântara, Sebastião Bala Rocha.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/04/2000 - Página 7847
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- DEFESA, NECESSIDADE, ANALISE, CONTRADIÇÃO, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL.
- SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EFETIVAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ORGÃO PUBLICO, REPRESENTAÇÃO, GRUPO INDIGENA, NOMEAÇÃO, INDIO, PRESIDENCIA, ENTIDADE, GARANTIA, POLITICA, DEFESA, INTERESSE, COMUNIDADE INDIGENA.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI
(PFL – RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as
e Sr s Senadores, hoje é o segundo dia do ano 501 do Descobrimento do Brasil.
Manifestaram-se os que pensam que não há nada a comemorar por seus diversos segmentos e entidades e os que convidaram à reflexão a respeito do que nesses 500 anos foi construído e o que há ainda a fazer. A imprensa do Sul e Sudeste, quase unanimemente, abordou esse tema. Sr. Presidente, sou otimista e tenho esperanças neste País.
O descobrimento do Brasil é até hoje contestado, não se sabendo se ocorreu intencionalmente ou casualmente. E, pelo menos por três décadas, foi completamente abandonado pelo descobridor, uma vez que para Portugal era muito mais importante cuidar das especiarias da Índia e do ouro da África do que do pau-brasil, única riqueza visível no litoral brasileiro.
O Brasil, que passou pela experiência das capitanias hereditárias e a dos governadores gerais, em 500 anos, caminhou muito para ser o que é hoje.
Em 1500, a França estava construindo a famosa Catedral de Notre Dame. Portanto, somos, no concerto das nações, um país criança, um país com um futuro a construir. Por isso precisamos, Sr. Presidente, refletir sobre as contradições, as injustiças e as desigualdades reinantes no Brasil. As desigualdades regionais, a cada dia, tornam-se ainda mais profundas, porque não existe efetiva vontade política de eliminá-las. Embora conste da Constituição o combate à desigualdade, na prática, muito pouco foi feito para eliminá-la. Basta ver, por exemplo, Sr. Presidente, a elaboração, a formulação e a votação do Orçamento da União. Vamos começar pelo mais singelo. Cada parlamentar tem direito a 10 emendas parlamentares ou o equivalente: uma emenda com um determinado valor, por exemplo, R$1,5 milhão. Por aí já se observa a diferença, porque os pequenos Estados do Norte e do Centro-Oeste têm muito menos parlamentares do que os Estados do Sul e do Sudeste. Apenas o Estado de São Paulo tem 70 Deputados e, sozinho, já levaria uma vantagem imensa sobre os Estados do Norte e do Centro-Oeste brasileiro, que são as regiões mais pobres.
Vamos mais longe, nas emendas regionais, por exemplo, são 5 emendas por região. Ora, o Sul tem apenas 3 Estados e 5 emendas regionais; o Sudeste tem 4 Estados e 5 emendas regionais. No entanto, o Norte, que tem 7 Estados, tem apenas 5 emendas regionais; e o Centro-Oeste, que tem 4 Estados, tem 5 emendas; o Nordeste tem 9 Estados e apenas 5 emendas.
Se somarmos o que é destinado às três regiões mais pobres, observamos que elas estão mal representadas, seja nas emendas individuais, seja nas regionais, e a situação vai se projetando e agravando, no que tange às emendas de Comissão e na própria proposta do Poder Executivo.
E ainda somos acusados de provincianos quando apresentamos as emendas, como se nós, que representamos os Estados, nós que somos os representantes do povo não soubéssemos mais apropriadamente o que cada Estado precisa do que, por exemplo, os técnicos do Poder Executivo.
Há muito sobre o que se pensar neste início do ano 501 do Brasil. Precisamos, efetivamente, pensar muitas coisas, como, por exemplo, nas injustiças sociais que ainda são gritantes em nosso País. Num país com as potencialidades do nosso, ainda convivemos com um salário mínimo vergonhoso; convivemos com a situação de um professor universitário, em início de carreira, receber um salário em torno de R$400,00, e, no final da carreira, em torno de R$3.000,00. Para não falar dos professores do ensino fundamental e do ensino médio
Aproveitando a grande ênfase dada às comemorações dos 500 anos do Brasil, o problema do índio e do negro veio à tona de maneira variada. De um lado, houve uma movimentação de uma minoria organizada, comandada, no caso dos índios, pelo Cimi, que selecionou Estados e entidades que deveriam comparecer ao protesto. Recebi denúncia do Estado de Roraima de que algumas entidades indígenas tentaram participar do movimento, tentaram ir à Bahia, levar sua voz e sua verdade e foram eliminados porque apenas uma entidade poderia participar. Entidade essa que é, notoriamente, sabidamente, ligada ao Cimi. As declarações sucessivas feitas pelos dirigentes do Cimi deixaram bem claro que houve manipulação.
Neste momento em que se noticia o afastamento do Presidente da Funai – está sendo demitido ou está pedindo demissão -, quero, de novo, apelar ao Presidente da República para que a Funai efetivamente passe a ser um órgão de representação da causa indígena - e não um órgão comandado por organizações não-governamentais -, tendo, na sua Presidência, um índio. Há inúmeros índios, no Brasil, com curso superior, com cursos médios, mas, acima de tudo, há muitos índios doutores em causa indígena, que não precisam de pessoas para falarem em seu nome, de procuradores sem procuração.
Creio que este é o momento de homenagear os 325 mil índios do Brasil, nomeando um índio para a Presidência da Funai, porque, aí sim, passaremos a ter uma política indigenista comandada por quem tem efetivamente interesse em defender a causa indígena.
O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Concedo o aparte ao Senador Lúcio Alcântara.
O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB – CE) – Senador Mozarildo Cavalcanti, gostaria de me referir à parte do pronunciamento de V. Exª em que fazia menção à questão da representação, da possibilidade de apresentação de emendas, considerando o número de Estados. Essa questão volta à tona de vez em quando, inclusive quando se fala em reforma política, quando se fala em alterar o número de representantes dos Estados. Estou à vontade, porque mesmo nessas fórmulas que circulam por aí, com esses idealizadores de certas reformas, o Ceará não está sobre-representado. Essa sobre-representação, principalmente nos pequenos Estados do Norte, como Roraima, Estado que V. Ex.ª representa, não é um mal porque senão vamos transformar a Câmara também numa representação dominada por três grandes Estados: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Há algum tempo, no Rio Grande do Sul, houve um movimento visando mostrar que a ação das Bancadas do Norte e do Nordeste conseguiam muitos recursos do Orçamento, porque estavam sobre-representadas na Comissão. Entretanto, um levantamento do Orçamento demostra que isso não é verdade. Certa vez, fiz um estudo provando que São Paulo era o Estado que tinha mais recursos repassados pela União, os chamados recursos voluntários, não por determinação constitucional via fundo de participação, mas transferidos pelo Governo Federal. Logo, precisamos ter muita cautela nessa questão, porque, de fato, há o desejo de constituir uma hegemonia também na Câmara. E não venham dizer que o Senado é a Casa de representação dos Estados, que aqui os Estados pequenos e grandes têm o mesmo número de representantes, porque isso não é verdade. Todavia, na Câmara há, com essa representação desigual, um freio a essa hegemonia econômica, financeira e política dos grandes Estados da Federação. Então, esse assunto merece muita cautela. Quanto à celebração dos 500 anos, vejo que infelizmente o Governo não soube lidar com essas comemorações. Por quê? O próprio Presidente Fernando Henrique disse em um desses pronunciamentos que comemorar ou celebrar não é idealizar o passado. Claro! O nosso passado teve muitos problemas: muitas atrocidades, muitas injustiças foram perpetradas contra os índios, contra os negros, contra os pobres no País. Muitas injustiças estão cristalizadas, e a celebração é também um momento de rever isso tudo, de mexer em todas essas chagas sociais a que Sua Excelência se referiu. Mas isso deveria ter sido feito de maneira a que essas etnias tivessem oportunidade de vocalizar sua insatisfação, seu descontentamento, porque era assim também que se desejava comemorar esses 500 anos, até para que pudéssemos projetar um futuro de maneira a rever esses equívocos e essas injustiças.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) – Senador Lúcio Alcântara, agradeço o aparte de V. Exª. Em relação à parte que trata justamente das questões das desigualdades que se refletem, como mostrei, na questão da elaboração do Orçamento, é lamentável que existam realmente, permanentemente, movimentos que tentam reduzir ainda mais a representatividade dos Estados pequenos na Câmara dos Deputados de forma a desequilibrar ainda mais, do ponto de vista político, a defesa dos interesses daquelas regiões no Congresso Nacional. Evidente que a ótica da correlação população e número de Deputados é o que a lei prevê, mas há que se ter algo que salvaguarde esse desequilíbrio, porque, senão, sempre que se faça, sob qualquer ótica, um balanço de aplicação de recursos, haverá o predomínio de São Paulo, principalmente, sobre os demais Estados.
Quero dizer muito claramente, Senador Lúcio Alcântara – V. Exª é da região Nordeste e eu sou da região Norte -, que não há nenhum tipo de sentimento contra São Paulo ou Rio de Janeiro. Na verdade, o predomínio desses Estados grandes do Sul e do Sudeste, tanto na economia quanto na política, também trabalha contra eles porque é indutor da migração dos Estados mais pobres para regiões mais desenvolvidas. Com isso, levam para essas regiões o agravamento das questões sociais de moradia, de segurança, de saúde e de educação. É evidente que se está a necessitar, no início do ano 501 do Brasil, um aprofundamento dessa análise e dessas reflexões, para que possamos construir não só o presente, mas o futuro de um Brasil mais equilibrado.
Com relação às manifestações em Salvador – como disse –, temos de verificar, sob todos os ângulos, como os fatos se sucederam. Ninguém está aqui a defender repressão, mas também não estamos a defender manipulação de minoria. A questão indígena – repito – está muito clara. Proibiu-se a participação de todas as entidades indígenas de Roraima nesse movimento. Por quê? Porque o Cimi disse que somente uma entidade de Roraima participaria dos protestos. Nossas entidades queriam justamente protestar, mas foram vetadas exatamente por aqueles que organizaram as manifestações. Quero dizer com isso que precisamos aprofundar a investigação e o diagnóstico desses fatos, para que não fiquemos aqui a acreditar somente no que publicam os jornais ou no que diz uma minoria atuante, presente em todos os setores e que quer fazer valer a sua verdade como se fosse a legítima.
Encerro o meu pronunciamento justamente fazendo um apelo ao Presidente da República para que nacionalize a política indigenista de uma vez, nomeando um índio para a Presidência da Funai. Espero que Sua Excelência escolha livremente, sem injunção de políticos e de qualquer grupo organizado no País.
O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT – AP) – Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT – AP) – Senador Mozarildo Cavalcanti, primeiro, quero apoiar uma parte do seu discurso e pedir permissão para contestar um aspecto levantado por V. Exª. Concordo com a proposta de V. Exª de se colocar um índio à frente da Funai. O Governo do Amapá realizou essa experiência na região de Oiapoque, onde se concentra a principal demanda de índios e as maiores reservas indígenas no Estado do Amapá. Confesso que os índios desempenharam satisfatoriamente o seu papel. E concordo com o que V. Exª expôs num dos pontos do seu discurso: que a Funai seja de fato utilizada para garantir a ampliação e a preservação dos direitos já consignados e a conquista de novos direitos pelos povos indígenas do nosso País. Portanto, apóio sua proposta. Seria uma experiência extremamente válida – não discordando, de forma alguma, do conhecimento técnico de muitos antropólogos e estudiosos da cultura indígena que também estão, como outros que já desempenharam satisfatoriamente a mencionada função, capacitados para assumir tal cargo. Essa questão da Funai realmente tem representado um grave problema para o Governo Federal. Acredito que seria uma experiência legítima e, por isso, merece o meu apoio. Além disso, Senador Mozarildo Cavalcanti, entendo que as manifestações na Bahia representam uma insatisfação ainda bastante presente nas populações tradicionais e nas minorias do nosso País quanto à consecução do que consideram seus direitos, que se referem aos sentimentos daqueles que vivem na pele uma realidade que é, muitas vezes, bem cruel. Os índios brasileiros, se têm avançado por um lado, em contrapartida, ainda são muito prejudicados por ações governamentais de grupos econômicos. Da mesma forma isso acontece com os sem-terra. Lógico que foi uma forma de protesto e não sou contra isso. Por exemplo, não considero prudente impedir as comemorações por entender que o País tinha direito de fazer uma festa em homenagem aos 500 anos. É uma data de referência, que significa muito para nós, principalmente para os brancos, que conseguiram conquistas na área social e na econômica; mas aquilo que para nós são conquistas, para os indígenas são perdas. Aos sem-terra, que ainda não conseguiram aquilo que é essencial na vida de cada um de nós, que é um pedaço de chão para construir uma casa e garantir o sustento de sua família, o Brasil deve bastante. Considero os protestos justos. É claro que deveriam ter sido bem organizados, de modo que não interferissem na programação oficial. Entendo que houve uma participação muito forte do segmento repressivo. Poderia ter havido um entendimento a respeito das manifestações: elas seriam realizadas democraticamente e as comemorações, livremente. Os jornais de circulação internacional acentuam a falta de democracia que impediu as manifestações livres daqueles que discordavam da forma como se processou a comemoração dos 500 anos. O Governo Federal devia ter tido mais habilidade para tratar da questão e, de forma ordeira, ter assegurado a presença do povo livremente em Porto Seguro. O comportamento do Governo prejudicou o brilho dessa festa, que poderia ter sido muito mais bonita, se não tivesse havido todos esses atropelos. Obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) – Senador Sebastião Rocha, na verdade, V. Exª não discordou de mim em nenhum dos dois pontos.
Ao falar da possibilidade de a Presidência da Funai ser ocupada por índio, V. Exª citou o exemplo do Amapá. Gostaria de dizer que, igualmente, em Roraima, por exemplo, o Departamento de Educação Indígena é dirigido por um índio. Lá, quase nove mil alunos indígenas estudam em escolas que ficam dentro das comunidades indígenas e cujas aulas são ministradas por cerca de quatrocentos professores indígenas com habilitação no magistério, que lecionam não só em português, mas também nas línguas de cada etnia.
Na verdade, essa é uma experiência que no Amapá e em Roraima tem dado certo e que poderia ser feita na Funai, em âmbito federal.
Com relação à manifestação, também não temos discordância; eu disse claramente que penso que qualquer setor, mesmo minoritário, tem o direito de manifestar o seu pensamento. Discordei da organização das manifestações. No caso dos indígenas a manifestação foi organizada pelo Cimi, o qual, antidemocraticamente, vetou a participação de alguns índios. Integrantes de três entidades indígenas de Roraima foram impedidos, pelo Cimi, de participar, porque, segundo ele, não se inscreveram a tempo de participar das manifestações. Foram assim mesmo, por conta própria, e participaram.
Senador Sebastião Rocha, devemos procurar, de todas as formas, nacionalizar a questão indígena, colocá-la fora da interferência dessas organizações não-governamentais, que são sediadas fora do País, e, principalmente, pôr o comando da Funai na mão de quem interessa, que é o índio brasileiro.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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