Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO PARLAMENTO BRASILEIRO COM O FUTURO DA NAÇÃO, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO PARLAMENTO BRASILEIRO COM O FUTURO DA NAÇÃO, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
Aparteantes
Maguito Vilela, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2000 - Página 7853
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, DEFESA, DEBATE, REVISÃO, ERRO, DEFINIÇÃO, OBJETIVO, FUTURO, PAIS, RESPONSABILIDADE, CLASSE POLITICA, COMBATE, MISERIA, IMPLANTAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL.
  • DEFESA, POLITICA AGRICOLA, VALORIZAÇÃO, HOMEM, CAMPO, REVISÃO, EXODO RURAL, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB – GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, vivemos momentos de reflexão em nosso País. Estamos atravessando, talvez, um dos momentos mais importantes da nossa história. Poucas são as gerações com a oportunidade de passagem de um milênio para o outro, de um século para o outro. E estamos vivendo esses dois momentos: de passagem de século e de passagem de milênio.  

No próximo mês de janeiro, estaremos vivendo o primeiro mês do primeiro ano do terceiro milênio; o primeiro mês do primeiro ano do século XXI e, no Brasil, estamos comemorando os quinhentos anos do descobrimento. As atenções, instintivamente, de todos os segmentos sociais se voltam para esse momento, tanto que muitos dos Srs. Senadores, nos últimos dias, têm abordado essas comemorações em seus pronunciamentos. Todos os segmentos sociais estão, na verdade, preocupados com as transformações vividas e a serem experimentadas viver nos próximos anos, o que representa a responsabilidade de uma geração inquieta, preocupada, que busca caminhos firmes e claros de vida, corroborando aquela passagem bíblica segundo a qual tudo tem o seu tempo e que há tempo para tudo: tempo para pensar, tempo para refletir, tempo para viver, tempo para morrer, tempo para rir, tempo para chorar, tempo para alegrar-se, tempo para entristecer-se.  

Estamos vivendo um momento da reflexão, da preocupação com os nossos destinos. Se 81 Senadores ocupassem a tribuna neste dia para falar a respeito da comemoração dos 500 anos, tenho certeza de que cada um faria uma apreciação sob um prisma diferente da nossa História dos 500 anos de Brasil. Cada um veria um avanço e relataria um insucesso e cada teria uma ou mais idéias para que se marquem novos rumos em relação ao nosso futuro.  

Sr. Presidente, é claro que ao longo desses 500 anos, cometemos muitos erros, milhares de erros, graves erros. A própria Igreja Católica anuncia o preparo de um trabalho a ser apreciado brevemente a respeito da mudança de rumos, do encaminhamento de um novo comportamento da própria Igreja, a Instituição das Instituições, a que mais se aproxima dos ensinamentos bíblicos, a que mais se aproxima do Criador, aquela que busca a cada dia, a cada momento, a perfeição. É a própria Igreja que vem publicamente se penitenciar, se desculpar dos erros em relação ao seu comportamento com segmentos da nossa sociedade.  

Sr. Presidente, se a própria Igreja assume uma posição pública de se penitenciar reconhecendo omissões e erros, preocupando-se com o nosso futuro, eu quero crer que o mundo político-administrativo, responsável maior pela condução e pelo comportamento da sociedade, aquele que vota as leis e que é responsável pela sua execução e pela justiça, deve se preocupar muito mais.  

Um dia, chegaram ao território brasileiro os portugueses e aqui implantaram uma nova civilização. Tiveram uma convivência inicial, segundo alguns, com três milhões de índios, ou com cinco milhões, de acordo com outros, que àquela época viviam neste território. Buscavam na África pessoas que, no Brasil, não viveriam um tempo de luzes e de glória, mas uma fase que nos envergonha até hoje: a escravatura. Não chegaram aqui pensando, em princípio, em construir uma pátria, uma civilização que pudesse ser um dia modelar ao mundo. Não! Imediatamente pensaram nas nossas riquezas naturais. Buscavam o ouro, as pedras preciosas, a nossa madeira de lei, enfim, aquilo que pudesse sustentar a Coroa portuguesa.  

Aqui chegaram, Sr. Presidente, com todas as suas forças - não importando o respeito a direitos humanos nem o futuro de um povo -, preocupados quase que exclusivamente com os interesses da Nação portuguesa. Um dia, a Família Real, levada a procurar outros territórios ou a se retirar diante da derrota que lhe foi imposta em sua pátria, buscou as terras do Brasil, e aqui, durante algum tempo, tornou-se o Brasil Reino, começando, assim, uma nova fase da história.  

Sr. Presidente, venho hoje à tribuna justamente para salientar a necessidade de que o mundo político-administrativo brasileiro se compenetre realmente da sua enorme responsabilidade em relação ao nosso futuro. Entendo que essas manifestações ocorridas nos últimos dias nas comemorações dos 500 anos possivelmente venham, com muita naturalidade e talvez até inconscientemente, buscar acordar aqueles que têm nos ombros a responsabilidade de conduzir os destinos de 160 milhões de brasileiros.  

Sr. Presidente, se o momento então é de reflexão, precisamos refletir a respeito dos erros e das omissões, procurando um novo caminho e estabelecendo um novo tempo a fim de que, depois de um século ou de mais 500 anos, não sejamos na História os responsáveis por fracassos sobre fracassos.  

Inegavelmente, o Brasil tem progredido, Srªs e Srs. Senadores. Temos alcançado vitórias e obtido sucessos, mas poderíamos estar numa posição muita mais vantajosa e dignificante. Todos sabemos que em um País com tantas riquezas, solo fértil, subsolo rico, povo trabalhador, território imenso, não é admissível que de 160 milhões de pessoas mais de 30% delas estejam em uma situação de pobreza absoluta.  

Não podemos trazer para os ombros dos atuais responsáveis pela administração da coisa pública todas essas mazelas, insucessos, frustrações. No entanto, ficará sobre os nossos ombros a responsabilidade se, em um momento de reflexão, de comemoração de cinco séculos de descobrimento, de comemoração de passagem de um século para o outro ou de um milênio para o outro, não indicarmos um caminho para a solução de nossos problemas e encontrarmos uma condição de vida realmente digna para o nosso povo.  

Sr. Presidente, não faz muito tempo, há pouco mais de um século, os americanos do norte, sentindo e conhecendo as suas potencialidades, reuniram o seu conselho de Estado e, durante uma semana, duas semanas, algumas semanas, esse conselho, reunido diuturnamente, buscou um caminho para que aquele país, com tantas potencialidades, pudesse alcançar o sonho de seu povo de transformar-se na maior potência do mundo. Chegou a uma conclusão: para que os Estados Unidos se tornassem a maior potência do mundo, precisava-se investir maciçamente na educação. Fizeram-no e se tornaram, em menos de um século, a maior potência do mundo.  

Quem sabe, Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, não poderíamos nós, Parlamentares, magistrados, segmentos sociais organizados, agora, neste ano, véspera do novo milênio, encontrar o caminho para que o Brasil, com tanta riqueza, torne-se não a maior potência do mundo, mas um País onde todas as pessoas vivam com dignidade, onde todas as famílias tenham escola para os seus filhos, onde todos tenham acesso à saúde, onde todos os empreendedores possam aproveitar as nossas riquezas e produzir riquezas para o bem-estar de todos.  

Quem sabe, Sr. Presidente, neste momento de reflexão, vamos estabelecer políticas que realmente tragam uma justiça social verdadeira, não uma justiça social existente ou proclamada apenas das tribunas dos Parlamentos ou nos gabinetes dos chefes de Poderes, mas uma justiça social para que todos tenham igualdade de oportunidade e condições favoráveis e dignas de vida.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Senador Iris Rezende, V. Exª me permite um aparte?  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) – Concedo, com muito prazer, o aparte a V. Exª.  

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) – Caro Senador Iris Rezende, quero aplaudir o discurso de V. Exª, que vem à tribuna e faz uma reflexão pela data que passamos. Mais do que isso, quero registrar a importância que V. Exª tem com relação ao futuro do País. É importante que tenhamos a condição de refletir, mas, acima disso, que tenhamos a condição de sonhar. V. Exª vem à tribuna e coloca um sonho, uma esperança, o caminho de uma luta. Não poderia deixar de, mais do que aplaudir, juntar a minha voz à de V. Exª, quando faz essa análise em tom de desabafo. V. Exª lança um desafio ao Congresso Nacional e ao País, para que tenhamos a condição de, com a experiência desses 500 anos, com a análise desses 500 anos de sofrimento, de maus tratos, de problemas, de exclusão social, de tudo isso que sabemos, como V. Exª disse tão bem, tirar uma síntese e construir uma nova história no caminho calcado na experiência desses 500 anos. O Brasil precisa, ao fazer esta análise, projetar o seu futuro e definir o que quer, e queremos justiça social e dignidade para o povo brasileiro, como bem clama V. Exª. Parabéns pelo discurso.  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) – Agradeço, Senador Romero Jucá, o aparte de V. Exª, que muito enobrece meu pronunciamento desta tarde.  

Quando deixo transparecer minha confiança ilimitada no futuro deste País, assim o faço conscientemente, por entender que um país com as potencialidades do nosso não pode, em hipótese alguma, ter dúvidas em relação ao futuro. Para isso, basta que promovamos uma mudança no comportamento político e de inúmeros segmentos sociais. Pelo trabalho, pela fé, pela responsabilidade com nossa Pátria, vamos alcançar a posição tão almejada por todos.  

Sr. Presidente, o Brasil tem vivido fases importantes. Não faz muito tempo, 80% da população brasileira vivia no campo produzindo café, cacau, cana-de-açúcar, abastecendo os centros urbanos que surgiam e cresciam. De repente, pela falta de uma política agrícola, a situação inverteu-se. Hoje, 60 anos depois, 82% da população brasileira vive na zona urbana, e apenas 18% vive na zona rural. E o motivo é a falta de uma política agrícola que valorize o homem da roça, que empreste confiança ao trabalhador rural nos seus investimentos, que ofereça condições de vida ao homem da roça. Qual o pai que há 30 ou 40 anos queria continuar plantando se não existia possibilidade de manter o seu filho estudando na cidade? O êxodo rural foi uma realidade cruel, aumentando a população urbana, inchando os centros urbanos, cidades que não estavam preparadas para receber tanta gente em pouco mais de duas décadas.  

Sr. Presidente, não temos uma política industrial. As atenções nacionais estão voltadas para o eixo Rio–São Paulo–Minas Gerais e, quando muito, uma pequena faixa do Nordeste brasileiro. E fica o resto do Brasil a exportar população para esses grandes centros que estão se tornando inabitáveis. A vida hoje na Grande São Paulo, na Grande Rio de Janeiro, é quase um pesadelo para milhões de criaturas que lá habitam. E os grandes centros procuram impedir a industrialização até mesmo dos produtos rurais por este Brasil afora.

 

Há poucos dias, estava o Governador de São Paulo preocupado com pequenas indústrias no Estado de Goiás e nos Estados do Centro-Oeste. Ora, um Estado poderoso preocupado com industrialização de pequenos Estados no interior brasileiro! A culpa não é do Governador, mas da mentalidade que se criou no País, em que uma elite pensa que o mundo foi feito para ela e que o resto deve viver em função dela.  

Isso acontece em todas as áreas. Acontece nas áreas da educação, da saúde pública, da industrialização e na agricultura. Na área educacional, por exemplo, qual é o pai pobre que, tendo em casa um gênio, um filho inteligente, consegue aproveitar sua inteligência e mantê-lo em uma universidade? Não existe. Muitas vezes surgem políticas educacionais para atender ao momento, a um mandato, a um período. Com isso, o Brasil vai perdendo inteligências e mais inteligências.  

Sr. Presidente, eu gostaria, neste importante momento de reflexão, em que instintivamente o Brasil aproveita a passagem do século e do milênio, com a comemoração de 500 anos para refletir sobre o passado e pensar sobre o futuro, que o Parlamento, sobretudo o Senado Federal, cumpra com sua missão, assumindo sua responsabilidade na busca de uma estrada que nos leve a caminhar com orgulho, com sensação do cumprimento do dever em direção a outras passagens de século ou de milênio na nossa Pátria.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB – GO) – V. Exª me concede um aparte?  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB – GO) – Concedo o aparte a V. Ex.ª, com muita honra, Senador Maguito Vilela.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB – GO) – Senador Iris Rezende, vinha acompanhando o pronunciamento de V. Exª pela Rádio Senado . Estava numa outra missão e vinha ouvindo o brilhantíssimo pronunciamento de Estadista. V. Ex.ª aborda temas da maior importância, mostra a realidade nua e crua, fala sobre as injustiças e demonstra que, se o Brasil quiser, pode mudar seu norte, pode encontrar novos caminhos que melhorem a vida do povo e dinamizem a Administração Pública e Federal. V. Ex.ª tocou no tema política agrícola com precisão, há poucos instantes. Aliás, V. Ex.ª, quando Ministro da Agricultura, fez as três supersafras deste País, cujos recordes ainda não foram batidos; entusiasmou o agricultor, o produtor, o "roceiro", como costumamos falar, dando-lhe otimismo ajudando-o, conversando com ele, ouvindo-o. V. Ex.ª viajou por este País, quando Ministro da Agricultura, procurando sentir as dificuldades do produtor, do agricultor. O Brasil está estagnado há mais de dez anos com o mesmo índice de produção de alimentos. Ora, o Brasil tinha de estar, neste momento, produzindo o dobro de alimentos. Se não o faz, é por falta de uma política agrícola transparente e correta. Há 25 milhões de indigentes e outros 25 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza, porque o País não gera emprego. Com um determinado valor em reais, na indústria, produz-se um emprego, enquanto na agricultura produzem-se dezoito. O Governo, em vez de investir na agricultura, investe em montadoras, em indústrias automobilísticas. E o Brasil quintuplicou sua dívida nos últimos anos. E os Estados brasileiros dobraram suas dívidas nos últimos anos. Quando Governador de Goiás, paguei R$1 bilhão em dívidas; e a dívida do Estado ainda dobrou, em função da política de juros altos. A Equipe Econômica não consegue enxergar – não se enxerga – e não consegue reduzir essas taxas. O pronunciamento de V. Exª é otimista. Se os homens que administram este País quiserem mudar seu norte, eles o mudam. E o Parlamento pode e deve dar grande contribuição. Eu o apartei para me solidarizar com o seu pronunciamento, pronunciamento de Estadista. V. Ex.ª é um dos melhores Estadistas deste País. Governou Goiás em duas oportunidades e mudou totalmente a história do Estado, dotando-o de infra-estrutura invejável – rodoviária, energética, de saneamento básico etc. –, que atrai investimentos do mundo inteiro. Governou o Estado, assumiu Ministérios e, no Senado Federal, brilha como um político da maior responsabilidade. Por isso, congratulo-me com o feliz pronunciamento de V. Exª.  

O SR. IRIS REZENDE (PMDB – GO) – Senador Maguito Vilela, muito obrigado. Permita-me que integre ao meu pronunciamento o aparte tão valioso de V. Exª.  

Sr. Presidente, concluo agradecendo a generosidade de V. Ex.ª. Pretendo voltar à tribuna para falar a respeito da agricultura em nosso País. É preciso que falemos a respeito disso.  

O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem-se esforçado muito - não posso negar. Sua Excelência tem voltado suas atenções para a agricultura com muita responsabilidade. Mas não será apenas um Presidente que mudará nosso destino. É preciso que, juntos, estabeleçamos uma política agrícola duradoura. Na verdade, o Senador Maguito Vilela tem razão: é inadmissível que um País como o nosso, com tantas terras férteis, com um clima extraordinário, Sr. Presidente, importe arroz – que qualquer lavrador sabe produzir – milho ou algodão! Tudo isso, pela falta de uma posição que ofereça ao segmento agrícola confiança e garantia. Assim deve acontecer também na área industrial e em todas as áreas importantes da atividade econômica.  

É preciso que todos os segmentos do Governo sintam responsabilidade em relação ao futuro. Sei que muitas das dificuldades vividas pelas áreas produtivas brasileiras se devem à luta hercúlea pela estabilização da nossa economia, pelo fim da inflação, que vinha corroendo as energias da nossa sociedade, sobretudo dos assalariados.  

Sr. Presidente, que fique aqui o nosso apelo para que, juntos, busquemos estabelecer, neste momento, um ponto de passagem, de mudança de comportamento e de ação, de procura de um caminho realmente estável para o futuro do Brasil.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2000 - Página 7853