Discurso durante a 42ª Sessão Especial, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DE BRASILIA.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 40 ANOS DE BRASILIA.
Aparteantes
Arlindo Porto, Hugo Napoleão, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2000 - Página 8008
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, cumprimento V. Exªs e todos os senhores e senhoras que ajudaram e ajudam a construir Brasília e fazem uma homenagem a esta cidade e a esta Casa com suas presenças neste plenário.

Peço licença ao Senador Geraldo Melo, Vice-Presidente do Congresso Nacional e Presidente em exercício desta sessão solene, para cumprimentar todos os Senadores, citando nominalmente os Senadores Maguito Vilela e Hugo Napoleão, que, por razões familiares, participaram da decisão de construir Brasília e, depois, da sua própria construção.

O Senador Maguito Vilela é cunhado de um personagem muito jovem e impetuoso que entrou para a História política brasileira, o famoso Toniquinho, que participou do primeiro comício da campanha de Juscelino Kubitschek na cidade de Jataí. Registra a História que nesse dia choveu muito e que, por isso, o comício foi transferido da praça pública para o único galpão que existia na cidade e que pertencia a uma oficina mecânica. Juscelino - que havia marcado esse primeiro comício em uma pequena cidade de Goiás - subiu na carroceria de um caminhão exatamente para demonstrar a sua inequívoca determinação de que trabalharia pela integração do País, caso fosse eleito Presidente. O núcleo de seu discurso centrava-se no fato de que, se eleito, cumpriria rigidamente tudo o que estava disposto na Constituição brasileira.

Vale lembrar, até porque hoje estão nesta Casa muitos jovens, que o Brasil da época estava dolorido pelos incidentes que marcaram o início dos anos 50 e, mais especificamente, pelos episódios que se sucederam à morte de Getúlio em agosto de 1954. Cumprir a Constituição, portanto, era algo que se exigia de um candidato à Presidência.

            Juscelino Kubitschek, saindo do Governo de Minas Gerais, com a autoridade de quem tinha feito um grande governo, afirmou, em Jataí, que cumpriria rigidamente a Constituição. Eis que, terminado o seu discurso, aquele jovem impetuoso, Toniquinho, levanta a mão e o interpela. Juscelino, democrata, sugere, então, que ele faça a sua pergunta. Toniquinho, então, indaga: “Governador, o senhor é candidato à Presidência e acaba de dizer que, se eleito, cumprirá a Constituição. Um dos itens constitucionais determina que a Capital da República seja transferida do Rio de Janeiro para o Planalto Central, especificamente em uma área do Estado de Goiás já demarcada como quadrilátero Cruls. Se eleito, o senhor cumprirá também essa determinação da Constituição?”. Juscelino, com seu bom humor, descreve isso, em suas memórias, de uma maneira muito interessante. Ele disse que foram trinta segundos de perplexidade íntima. Afirmar que transferiria a Capital seria assumir um compromisso extremamente difícil, senão impossível; além do mais, era difícil dar a esse compromisso alguma credibilidade. Por outro lado, dizer que não iria cumpri-la, em seu primeiro discurso de campanha, seria colocar em dúvida o que era básico em seu programa de candidato à Presidência: o cumprimento da Constituição. Vencidos aqueles instantes mínimos de perplexidade, ele não teve dúvidas: respondeu que iria cumprir a Constituição e que transferiria a Capital para Brasília em seu período de Governo.

Toda a imprensa brasileira havia se deslocado para Jataí, com as dificuldades da época, para cobrir aquele primeiro comício de campanha. Obviamente, no dia seguinte, com perplexidade diante do peso daquela declaração, registrou a afirmação do Presidente e, mais do que isso, as dúvidas que a mesma ensejava. E ainda registrava, Senador Geraldo Melo: “O que não faz um político para ganhar uma eleição? Promete até transferir a Capital para o Centro-Oeste”. É claro que era muito difícil, naquele primeiro momento, dizer ao povo brasileiro que aquela declaração poderia viabilizar-se.

Toniquinho, portanto, ligado por esses laços afetivos ao Senador Maguito Vilela, foi um personagem que passou para a História.

O Senador Hugo Napoleão também vive este momento histórico do Brasil em função da amizade e das relações político-institucionais que seu pai, diplomata de carreira, tinha com o Presidente Juscelino, as quais, inclusive, mais tarde se consolidaram no próprio Governo Juscelino Kubitschek.

Saudando, portanto, S. Exªs, agradeço a todos os Senadores aqui presentes, particularmente ao Senador Arlindo Porto, que representa o Estado natal do Presidente Juscelino Kubitschek. Cumprimento todos os outros que depois vieram para Brasília.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PDSB - DF) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL - PI) - Eminente Senador José Roberto Arruda, lídimo representante do Distrito Federal nesta Casa, V. Exª praticamente me chama à colação ao citar o nome do seu admirador e colega e do meu querido pai. Teria a esclarecer algumas situações interessantes. Em primeiro lugar, realmente o meu avô, Deputado Hugo Napoleão, pelo Estado do Piauí, do antigo PSD, foi líder da maioria e do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek na Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes, ainda no Rio de Janeiro. Assumiu essas funções com a saída do Deputado e Ministro da Justiça Armando Falcão para o Governo. Assumiu, portanto, toda uma situação em que eram votadas as leis que exigiam a transferência da Capital, determinada pela Constituição. Jataí foi realmente um marco. Todas as Constituições Brasileiras da República citavam que no Planalto Central situar-se-ia a capital. Mas seria difícil para um presidente, como o foi para o Presidente Juscelino, tomar essa decisão, sobretudo porque o Rio de Janeiro, como dizia Getúlio Vargas, era o tambor do Brasil. Depois, meu pai, como diplomata, colega de concurso do ex-Deputado, ex-Senador, Embaixador Roberto Campos, foi convocado para ser Chefe do Cerimonial da Presidência da República do Presidente Juscelino. Vimos Brasília nascer. E com todo o fervor, todo amor à Pátria, vimos essa centralização, essa interiorização, essa convergência do Brasil para consigo mesmo com a Nação brasileira. Mais tarde vim a ser advogado do Presidente Juscelino, já não mais no seu apogeu, mas em momentos extremamente difíceis da sua vida, no período de exceção. Foram, portanto, três gerações extremamente vinculadas ao Presidente e à vida de Brasília. Quero transmitir a V. Exª meus cumprimentos pela espontaneidade e pela naturalidade do discurso que faz neste dia, que é tão nosso, tão brasileiro, tão brasiliense. O tambor a que se referia Getúlio Vargas passa a ser Brasília. Encerro mencionando o título de um livro de meu pai a respeito de Juscelino Kubitschek: que Brasília é um ato, como afirmou André Malraux, de audácia energia e confiança.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Muito obrigado, Senador Hugo Napoleão. Agradeço e acolho o aparte de V. Exª como uma homenagem à Brasília, que nos remete àquele momento que vivia o Brasil.

O Brasil, que não tinha 500 anos - tinha 450, dos quais 400 como colônia de Portugal - que já havia sofrido todos os percalços da Primeira República, já tinha vivido a esperança da Revolução de 30, a frustração da Constituição autoritária de 1937, todos os episódios do último Governo de Getúlio Vargas, via nascer em Juscelino um momento de grande esperança.

Aí V. Exªs vão me permitir fazer uma segunda citação neste dia. Qual a cidade do mundo que pode comemorar o seu aniversário tendo a presença física e histórica da testemunha da construção desses episódios? Está aqui entre nós o homem que todos os dias pela manhã acordava o Presidente Juscelino Kubitschek e só voltava para sua casa depois que o Presidente se recolhia aos seus aposentos para o descanso, que era pequeno, e que viveu praticamente quarenta anos o dia-a-dia, como seu auxiliar mais próximo, testemunha de todos os seus episódios pessoais e públicos, nos momentos de glória e nos momentos de exílio. Está aqui entre nós o Coronel Afonso Heliodoro, construtor desta história que hoje celebramos.

E ao citar o Coronel Afonso Heliodoro e ao me contagiar com a sua emoção, cito todos os pioneiros, os que estão aqui neste Plenário, os que estão representados por seus filhos, e também, nobre Presidente Geraldo Melo, os que estão na Brasília de hoje com a mesma simplicidade com que vieram para cá, de botinas, mãos calejadas, camisas simples; os que, acreditando no sonho de Juscelino, deixaram as suas regiões de origem e vieram em lombo de burro, na carroceria de caminhões e até em romarias, pelas estradas esburacadas do Brasil da época, que nem asfalto tinha, em carro de boi, para construir Brasília. E, aí, Sr. Presidente, o que me emociona é a capacidade que tem um sonho de contagiar pessoas, de unir multidões e construir convergências.

Juscelino Kubitschek era isto: com aquele sorriso largo, a sua imensa capacidade de trabalho, a sua capacidade de perdoar, de convergir e de costurar politicamente convergências. S. Exª, primeiro, convenceu o Brasil de que era possível construir Brasília; e o Brasil, convencido, convenceu ele próprio. Antes, S. Exª fez discurso de campanha. Era muito difícil para um homem, sozinho, acreditar naquela utopia. E o seu processo de acreditar e de transformá-la em realidade foi pelo convencimento, com a sua energia, da sociedade brasileira e ser reabastecido por essa crença coletiva de que o sonho era possível.

Mas havia um problema. Para que esse sonho fosse possível, era preciso aprovar, no Congresso Nacional, a criação de Brasília. “Vamos contar os votos.” Não tinha. E a UDN, oposição a Juscelino, era implacável. Eis que aí surge um jovem Deputado, da UDN do Estado de Goiás, que teve a antevisão de perceber que, se apoiasse Juscelino ou, mais do isso, se tomasse a iniciativa de construir o arcabouço legal para formação da comissão da mudança de capital, para criação da Novacap, aí o Presidente Juscelino ou cumpriria o seu compromisso, ou, obviamente, não poderia mais a oposição ser culpada por isso.

Acreditando nesse sonho, acreditando em Juscelino, surge o Deputado Emival Caiado e constrói uma página belíssima da história política brasileira, porque, embora em campos políticos opostos, unem-se pela força de um ideal, que não era de Juscelino, que não era de Emival Caiado, era de toda uma geração de brasileiros, que desejava interiorizar o desenvolvimento nacional. Eis que Emival Caiado constrói politicamente as condições necessárias para a formação da comissão da mudança de capital e transforma-se no seu relator e, portanto, no personagem que politicamente criou condições institucionais para que Brasília fosse construída e para que a capital fosse transferida.

Senhoras e senhores, qual é a cidade do mundo que pode celebrar o seu aniversário de quarenta anos podendo homenagear tão de perto os atores da história? O Deputado Emival Caiado está aqui entre nós, sentado à mesa do Senado, ele que é a história, o ator dessa epopéia e está lançando o livro O Legislador da Construção de Brasília, contando, com seu jeito de contador de “causos”, seu jeito simples de homem do interior, essa página tão bonita da História do Brasil.

            O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Para me refazer da emoção que recebo das pessoas presentes, concedo o aparte ao Senador Leomar Quintanilha e, posteriormente, ao Senador Arlindo Porto.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB - TO) - Nobre Senador José Roberto Arruda, ia inicialmente apresentar minhas escusas por interromper tão eloqüente e brilhante pronunciamento que faz nesta Casa, mas, como V. Exª se diz necessitado de um minuto para restabelecer o fôlego, aproveito esses instantes para compartilhar com os brasilienses e os brasileiros da grande emoção nesta comemoração dos quarenta vitoriosos anos de Brasília. E o faço como partícipe desta história, não nos níveis e no desempenho do eminente Deputado Emival Caiado; eu era menino, garoto ainda, e conhecia a história e a força do seu trabalho. Goiano, goianiense que sou, vi todo esse episódio acontecer, essa transformação fantástica que aconteceu no interior do Brasil. V. Exª lembrou agora, rapidamente, uma assertiva que fez quando visitou comigo e com outros Pares o meu Estado do Tocantins, numa solenidade importante para o nosso Estado. Ao rememorar os 500 anos do Brasil, V. Exª disse que o País experimentou, nos 400 anos, um período muito sem graça da sua história, porque restrito ao litoral. Que o Brasil do interior, esse Brasil rico, esse Brasil pujante, que ainda está sendo descoberto, realmente só começou a ser descoberto nesse último século, e de forma mais marcante com Juscelino Kubitschek de Oliveira. Goianiense, de uma cidade que está completando 63 anos de lançamento da sua pedra fundamental; cidade provinciana, cidade pequenininha, cidade que não representava convergência de todo o Estado em razão de ser desprovida de infra-estrutura mínima que permitisse uma interligação entre os seus habitantes. O norte de Goiás era totalmente isolado. A região que hoje represento, o Estado do Tocantins, ficava a mais de 1.000 quilômetros de Goiânia, uma distância imensa, sem comunicação. Nessa época, não existiam as facilidades que a ciência e tecnologia colocaram à disposição do homem: a comunicação, o telefone, a televisão, o rádio, o jornal. Não havia estrada, Senador. Se alguém quisesse se comunicar deveria vir a cavalo. Acredito até que tenha sido possível, para representar o Estado de Goiás no Rio de Janeiro, que o Deputado tenha feito esse percurso - não sei se à sua época o transporte ainda era o cavalo, mas as condições ainda eram extremamente precárias. Essa transformação fez com que o Brasil todo vibrasse, fez com que o Brasil acordasse, fosse sacudido por essa integração nacional que Brasília provocou. Sinto uma alegria muito grande por ter participado, ainda molecote, ainda sem entender muito bem o que estava acontecendo, de todo esse processo. Estamos repetindo esse feito agora no Estado do Tocantins. Goiás foi generoso demais, cedeu uma parte do seu território para o Distrito Federal. Depois, por insistência, por determinação da brava gente tocantinense, capitaneada pelo nosso baluarte, pelo grande Governador Siqueira Campos, estamos repetindo ali - claro que guardadas as proporções - o fenômeno que Brasília provocou nessa região, ou seja, de integração de uma região importante. Tanto Goiânia, pequeneninha, como Goiás, pequeno, explodiram em crescimento e desenvolvimento graças a Brasília. E, graças ao crescimento de Goiás, o Tocantins nasceu e cresceu. Seguramente, nobre Senador, pelos seus anos subseqüentes, com essa valorosa gente que aqui está, miscigenada, gente originária de todos os quadrantes do Brasil, que constrói, a muitas mãos, essa realidade do interior do Brasil, Brasília haverá de dar uma contribuição muito grande para que ocupemos agora, de forma harmônica, este tesouro que hoje desperta o interesse do mundo inteiro, que é a Amazônia, um vazio demográfico de riquezas imensuráveis. Brasília e Tocantins, certamente, darão uma contribuição inestimável para a sua ocupação, por brasileiros, de forma harmônica e sustentável. Cumprimento-o por esse brilhante pronunciamento e quero compartilhar com V. Exª das alegrias que os brasileiros hoje estão sentido ao comemorar os 40 anos de Brasília. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Muito obrigado, Senador Leomar Quintanilha.

V. Exª fala da conseqüência mais importante da construção de Brasília. A cidade não nasceu apenas para ser bonitinha, com cara de capital. Sua vocação é muito maior do que isso. Brasília foi, a um tempo, tradução e símbolo da força, do desejo, da interiorização do desenvolvimento nacional. Antes de Brasília, éramos de fato um País litorâneo; e, a partir dela, interiorizamos o nosso desenvolvimento e construímos as condições necessárias para que pudéssemos dominar a tecnologia de produção do cerrado, para que conhecêssemos e admirássemos o Pantanal, para que chegássemos à Amazônia, para que conquistássemos o nosso território. V. Exª é, portanto, um legítimo representante da conseqüência de Brasília, que é a interiorização do desenvolvimento.

Digo sempre aos meus filhos: não vimos a construção de Brasília? Vamos a Palmas, porque lá tudo se repete. E se repete numa escala até ampliada, porque aumenta a indução do desejado desenvolvimento da Região Centro-Oeste.

V. Exª também falou em contágio. É verdade, otimismo pega, contagia. O otimismo de Juscelino e a força que tinha nos seus ideais contagiaram tanto o Brasil que, até os anos 50, éramos um País com vergonha. Íamos ganhar a Copa de 50, mas achamos que não deveríamos, não tínhamos a marca da vitória. Porém, ganhamos o campeonato de 58, ganhamos até concurso de Miss Universo! A Música Popular Brasileira estourou no mundo inteiro. Nasceu o Cinema Novo, e o mundo todo descobriu que a Capital do Brasil não era Buenos Aires, que havia aqui, na América do Sul, uma Nação que se consolidava, que se constituía numa sociedade viva, cheia de esperança, potencialmente rica, querendo construir efetivamente o arcabouço de uma Nação nova.

Ouvimos V. Exª, que representa, portanto, a conseqüência mais objetiva da construção de Brasília. Vamos ouvir a causa, com o Senador Arlindo Porto, de Minas Gerais, que solicitou a palavra.

O Sr. Arlindo Porto (PTB - MG) - Senador Arruda, queremos neste momento registrar o emocionante e brilhante pronunciamento de V. Exª. Todos que aqui estamos ficamos emocionados. Quero fazer um breve aparte, registrando alguns momentos dessa história, que, de maneira tão clara, V. Exª rememorou. Brasília, sem dúvida, é dos brasileiros; mas os goianos e nós, mineiros, sentimo-nos mais sentimentalmente ligados à cidade. Por isso, falamos que Brasília é mais nossa. Goiás, pela questão geográfica, cedeu parte do seu território; e nós, mineiros, orgulhamo-nos de termos sido os primeiros que aqui aportaram, que chegaram em maior quantidade, buscado a integração já goiana e mineira, mas, principalmente, o sentimento de conquista que nós, mineiros, temos até hoje em relação a Brasília. Sentimento porque foi de Juscelino a história narrada de maneira brilhante - tenho o prazer de ser amigo do nosso Toniquinho JK -, a coragem de, naquele momento importante, histórico, demonstrar à Nação que queria não apenas, como um político qualquer, fazer uma promessa, mas fazer a promessa e, depois, cumpri-la. É muito comum, às vezes, as pessoas considerarem passageira a promessa ou o compromisso de um político, mas Juscelino soube, naquele momento, ser mais do que um político. Era um homem que tinha consciência da responsabilidade que assumia no momento do seu pronunciamento. A sua responsabilidade e coragem foram demonstradas em Belo Horizonte, como Prefeito da Capital, e em Minas Gerais, como seu Governador. Ele tinha essa visão desenvolvimentista, tinha a coragem de fazer e tinha a confiança de realizar. Recordo-me, lendo livros e passagens de Juscelino, que havia uma grande placa na entrada de Brasília que registrava mais ou menos isto: “Poucos contra, muitos a favor, todos beneficiados”. É uma prova clara de que aquele momento era o de transmitir para a sociedade a coragem e o otimismo; e ele era um otimista. É dele também o conceito de que “o otimista pode errar, mas o pessimista começa errando”. É dentro dessa visão de otimismo, de coragem e de grandeza que assistimos a Brasília de hoje. Não tive o privilégio de aqui viver muito tempo. Mas, em 1962, naquele momento de grande euforia, eu aqui morei durante seis meses. Voltei a minha Minas Gerais. Em 1965, eu aqui estava de novo e fiquei mais um ano, buscando oportunidades de trabalho e de educação. Volto agora na condição de representante do Estado de Minas Gerais. Quero trazer à Casa a mensagem de gratidão dos mineiros, de gratidão por ter dado oportunidade ao nosso Juscelino de transformar o Brasil a partir de Brasília; a gratidão dos mineiros pela acolhida que aqui tivemos e que continuamos a ter. Sem dúvida, nós, mineiros, nos orgulhamos desta cidade. Brasília faz parte de nós, e essa integração entre os brasilienses de nascimento e os de coração sem dúvida se materializa a cada dia. A presença dos mineiros, para nós, é um sentimento de amizade, de fraternidade e de gratidão. Brasília, sem dúvida, é um momento novo da História do Brasil, e o Brasil é diferente porque tem Brasília. A interiorização narrada pelo Senador Quintanilha e brilhantemente comentada por V. Exª marca isso. O Brasil não seria o mesmo se não tivesse Brasília; o Brasil não seria o mesmo se não tivesse sido interiorizado. Juscelino e tantos brasileiros, de todos os pontos do Brasil - não apenas mineiros -, para cá convergiram, para participar, atuar; brasileiros para cá vieram para ajudar o então Presidente, na condição de candangos da construção daquele momento tão glorioso e do qual todos nos orgulhamos. Parabéns a V. Exª pelo seu pronunciamento. Parabéns aos brasilienses de coração e de nascimento. Parabéns, Brasília, e parabéns, Brasil, porque está aqui a nossa Capital, sedimentada, consolidada, orgulhosa, mas, principalmente, motivo de transformação de uma sociedade, de uma cultura e de um povo. V. Exª registra um momento da História. A História se escreve a cada momento, mas é importante que ela seja lembrada pelo seu passado, para que se possa valorizar o presente e perpetuar o seu futuro. Parabéns pelo pronunciamento de V. Exª.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF) - Muito obrigado, Senador Arlindo Porto. V. Exª pode ficar tranqüilo, porque, mesmo sem ter tido oportunidade de viver aqui muito tempo, seus conterrâneos de Patos de Minas, e de toda Minas Gerais, o fizeram. E não só de Minas Gerais - e este é o lado bonito de Brasília. De todos os Estados brasileiros, de todas as regiões do País vieram para cá pessoas que acreditaram no sonho de Juscelino e ajudaram-no a construir a nova Capital.

Vou pedir licença a V. Exªs e a todos os nossos convidados para, neste aniversário de quarenta anos, não cair na tentação de falar da cidade, de falar do seu lado mágico, da sua arquitetura que encanta o mundo, do seu projeto urbanístico arrojado; de falar até dos seus problemas, principalmente com as cidades do Entorno. Brasília os tem, mas vai saber resolvê-los. Brasília, obviamente, já tem, nos seus quarenta anos, problemas muito parecidos com os de todas as grandes cidades brasileiras, com uma diferença: aqui é possível, ainda, equacioná-los para não repetir os mesmos erros que outras grandes cidades brasileiras cometeram. Afinal de contas, para que cometer os mesmos erros se há tantos erros novos a serem cometidos? Brasília tem essa ousadia, tem essa missão de ser vanguarda e de ser mudança.

Não vou falar mais de Brasília como cidade, ela fala por si própria. Não vou falar mais de Brasília como Capital do País, porque essa sua missão também se consolidou e fala da sua História. Pretendo encerrar este meu pronunciamento, Sr. Presidente, falando das pessoas de Brasília, porque é um privilégio muito grande ver, neste auditório, por exemplo, um dos primeiros médicos que aqui trabalharam, Dr. Gustavo Ribeiro, que hoje preside o PSDB e continua ajudando a construir a cidade; está aqui o Deputado Federal Constituinte Geraldo Campos, um dos primeiros e, seguramente, a maior liderança sindical dos trabalhadores na época difícil do início de Brasília e na fase mais dura do regime autoritário. Estão aqui, entre nós, pessoas que, cada uma a seu modo, vieram para cá - algumas até já nasceram aqui - e dedicaram as suas vidas à construção não de uma cidade, mas à construção, a partir de uma cidade, de uma nova civilização.

É dessa nova civilização, Deputado Geraldo Campos, que quero falar, porque quando o mundo todo teve que enxergar que o Brasil existia, os sociólogos, os estudiosos, os antropólogos ficaram perplexos. Como o Brasil se construiu de maneira tão diversa, no encontro do europeu com o índio, com a escravidão, que durou até o final do século passado, e, depois, com a imigração japonesa e italiana? Como conseguiu um País tão diferente, tão díspar, miscigenar tantas raças e construir uma só sociedade, um só idioma, sem diferença importante a nos dividir?

O Brasil tem aparecido para o mundo, do século XVI para cá, como o exemplo do nascimento de uma nova civilização, porque misturou todas essas raças, culturas e credos, e construiu um povo bonito, inteligente, criativo, forte, bem-humorado: é esse o retrato do brasileiro. Passamos a ser um povo diferente, exatamente pelo que representamos de miscigenação.

Muito bem, Sr. Presidente, exatamente o que aconteceu com a formação cultural brasileira, tão bem contada por Gilberto Freire, por Sérgio Buarque de Holanda, ou até mesmo por João Ubaldo, ainda que de forma mais romanceada, toda essa bonita história da formação cultural brasileira eis que se repete em Brasília. Em qual outra cidade brasileira somos convidados a ir a um casamento, no sábado à tarde, em que a noiva é filha de um paraibano e uma cearense, e o noivo, de um gaúcho e uma catarinense? Essa é a nova civilização que nasce, que se torna possível a partir de Brasília, porque os brasileiros de todas as regiões, de culturas diferentes, se encontram em Brasília e se irmanam como pioneiros, primeiro, e como brasilienses, depois, repetindo-se, sob a ótica do Brasil, o fenômeno que o País representou para a civilização contemporânea mundial.

Nasce, portanto, a partir de Brasília, uma nova civilização e só essa grande mistura - essa mistura fantástica de culturas de povos diferentes - pode explicar a beleza do brasiliense, a sua criatividade. Não é à toa que uma cidade de apenas quarenta anos já deu ao Brasil e ao mundo figuras como Nélson Piquet, Cássia Eller, Zélia Duncan, Célia Porto, Oscar, do basquete, Leila, do vôlei, Oswaldo Montenegro e outras mais. E cometo injustiças incríveis, porque Brasília, apesar de nova, é uma cidade com potencial criativo fantástico, e é assim que ela se apresenta ao Brasil.

Juscelino anteviu que Brasília seria o palco das mais altas decisões nacionais; Juscelino queria que Brasília fosse o pólo da interiorização do desenvolvimento brasileiro. É preciso dizer ao Presidente Juscelino, que está aqui agora - porque ele se faz presente todas as vezes que reverenciamos a História do Brasil; porque ele se fará presente, como todos os pioneiros, toda vez que formos contar a História de Brasília -, bem como a Israel Pinheiro, que aqui, hoje, estamos todos irmanados: alunos da Ceilândia, do Gama, de Taguatinga, mas também Mário Garófalo, aquele que foi o primeiro a transmitir de Brasília, com sua voz, a inauguração. S. Sª está aqui, no plenário, não apenas recebendo, mas fazendo esta homenagem à cidade. Estão aqui pioneiros, estão aqui brasilienses que se irmanam no amor a Brasília.

Nós todos que estamos ou que nos fazemos representar neste plenário, todos os que ajudaram e ainda ajudam a construir Brasília, unimo-nos por uma característica comum: temos um amor muito grande por esta cidade. E o nosso amor por Brasília, Sr. Presidente, é o nosso amor pelo Brasil, porque estamos absolutamente convencidos de que o Brasil pós-Brasília, que conquistou seu próprio território, e a civilização que nasce a partir da epopéia da construção da nova Capital, é a Nação que vamos legar aos nossos filhos, é a Nação que estamos construindo para o próximo milênio.

Não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que se tínhamos, antes de Brasília, um País com gente morando em cima de uma terra, temos, a partir daí, a construção de uma Nação que, além de gente e terra, tem sentimento; que, além de gente e terra, tem miscigenação de culturas, de raças, tem História, tem orgulho dela e procura conhecê-la, exatamente para aprimorar seu futuro.

Brasília é, portanto, um marco, não apenas como cidade, mas marco histórico da evolução da Nação brasileira.

Saúdo a todos os que construíram esta cidade. Aquele pedreiro que construiu a Catedral e que, num dia de chuva, a altas horas da noite, foi questionado pelo Presidente Juscelino sobre o que estava construindo, enquanto outros trabalhadores diziam estar fazendo um andaime ou uma parede, ele dizia estar fazendo uma catedral. Ele tinha a noção do todo.

A todos os pioneiros, que hoje vivem na periferia da cidade, mas que ajudaram, com suas mãos calejadas e com o suor do seu rosto, a construir os palácios símbolos da República; a todos os que amam Brasília; a todos os que escolheram esta cidade para viver; a todos os que escolheram Brasília como berço para os seus filhos; a todos os brasilienses, a nossa mais sincera homenagem.

Temos a certeza de que Brasília, como queria Juscelino Kubitschek, continuará representando, cada vez com mais força e mais energia, a esperança do povo brasileiro numa sociedade mais justa e menos desigual.

Sr. Presidente, trago um abraço fraternal do Presidente Fernando Henrique Cardoso a Brasília e aos seus moradores. Sua Excelência fez questão que eu o traduzisse neste instante, demonstrando o apreço que tem pela Capital Federal. O Presidente Fernando Henrique, que já vive aqui há quase 20 anos e tem um enorme carinho pela cidade, repetidas vezes tem demonstrado isso.

Sr. Presidente, é sempre difícil terminar um discurso como este, que é mais emoção do que razão, principalmente quando contamos com as presenças de figuras como a de Emival Caiado, a do Coronel Afonso, a de Geraldo Campos, a de Mário Garófalo e a de tantos outros presentes neste Plenário.

Encerro este pronunciamento, com o pensamento imortal de Juscelino Kubitschek sobre Brasília:

Deste Planalto Central, desta solidão que se tornará, em breve, o cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço o olhar, mais uma vez, sobre o amanhã do meu País e antevejo, com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites, o seu grande destino!

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2000 - Página 8008