Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DESCUMPRIMENTO DE ACORDO, NO CONGRESSO NACIONAL, PARA APRECIAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA SOBRE O NOVO VALOR DO SALARIO MINIMO. POSICIONAMENTO CONTRARIO A MEDIDA PROVISORIA QUE REGULAMENTA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA FISCAL.:
  • DESCUMPRIMENTO DE ACORDO, NO CONGRESSO NACIONAL, PARA APRECIAÇÃO DA MEDIDA PROVISORIA SOBRE O NOVO VALOR DO SALARIO MINIMO. POSICIONAMENTO CONTRARIO A MEDIDA PROVISORIA QUE REGULAMENTA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2000 - Página 8247
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, POSIÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, APRECIAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), FIXAÇÃO, VALOR, SALARIO MINIMO, DESRESPEITO, ARTHUR VIRGILIO, DEPUTADO FEDERAL, LIDER, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL.
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, ORADOR, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS, OPERAÇÃO FINANCEIRA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, VALQUIRIA QUITADA NUNES, PROCURADOR DA REPUBLICA, ENCAMINHAMENTO, OFICIO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), FUNDAMENTAÇÃO, ILEGALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, PROIBIÇÃO, CAPITALIZAÇÃO, JUROS, DIVIDA, BANCOS.
  • DEFESA, OBRIGATORIEDADE, CONGRESSO NACIONAL, APRECIAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SUPRESSÃO, CAPITALIZAÇÃO, JUROS, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, INTERESSE PUBLICO.
  • APOIO, CAMPANHA, BLOCO PARLAMENTAR, DEFESA, ALTERAÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Nabor Júnior, Sr as e Srs. Senadores, todos ainda estamos vivendo o impacto da sessão de ontem do Congresso Nacional, programada para votar o projeto de conversão em lei da medida provisória sobre o salário mínimo.

Infelizmente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu destruir o seu Líder, o Deputado Arthur Virgílio. Até então, o Deputado havia conseguido o respeito de seus Pares, pois, nos diálogos com os Parlamentares da Oposição, havia sempre a expectativa de que a palavra de S. Exª seria sempre respeitada. Ontem, o Líder do Governo, Deputado Arthur Virgílio, viveu uma situação de constrangimento, que tornou extremamente precárias e delicadas as relações entre os Líderes da base do Governo e os da Oposição, no Congresso Nacional. Fico pensando o que o Presidente da República fará para restituir o mínimo de convivência civilizada entre Situação e Oposição no Congresso Nacional.

Por essa razão, quero manifestar a correção da ação hoje desenvolvida pelo Senador José Eduardo Dutra que, pelo Bloco da Oposição, orientou a nossa Bancada, bem como todo o Bloco da Oposição, a manifestar a percepção de algo extremamente grave na maneira como o Presidente da República destruiu o seu próprio Líder no Congresso Nacional, com conseqüências extremamente danosas.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um breve aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concedo o aparte a V. Exª, Senadora Marina Silva, embora esteja iniciando agora o meu pronunciamento.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Como eu já sabia que V. Exª ia fazer referência ao episódio do salário mínimo, gostaria de fazer um breve registro, e a oportunidade é agora. Ontem, quando o Deputado Arthur Virgílio subiu à tribuna e inclusive pediu ao Senador Antonio Carlos Magalhães que lhe ampliasse o tempo, S. Exª estava visivelmente constrangido e um pouco cabisbaixo. Fiquei aguardando, sinceramente, que o Deputado Arthur Virgílio renunciasse à Liderança do Governo naquele momento. Confesso que senti que boa parte dos Srs. Deputados, e alguns Senadores também, por algum momento, tiveram essa expectativa. Fez-se um silêncio na Casa e, em seguida, o Deputado disse que, embora tivesse feito o compromisso, este não havia sido honrado, mas que estava em acordo com o que pensava a sua base de sustentação. Fiquei pensando se deve cantar vitória uma base de sustentação que legitima o empenho da palavra e depois cria uma situação para que o porta-voz dessa posição seja completamente desmoralizado na sua palavra. Foi um momento de constrangimento muito grande para todos nós. Confesso que sentei e aguardei, solenemente, a renúncia do Líder do Governo, que, lamentavelmente, não aconteceu. Digo lamentavelmente porque, no meu ponto de vista, aquela seria a única saída honrosa para a Liderança do Governo, destruída naquele momento pelo próprio Governo.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senadora Marina Silva, eu também tive a expectativa de que o Senador Arthur Virgílio fosse fazer um pronunciamento, talvez dos mais importantes da sua vida política, à sua base de sustentação no sentido de que fosse respeitada a sua palavra ou então, já que não estava sendo atendida a sua palavra, que S. Exª iria manifestar a necessidade de afastar-se do cargo. Infelizmente, não o fez. Daí, eu o percebi destruído, mas por uma ação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o maior responsável por isso. Não sei agora como, diante da destruição, o Presidente Fernando Henrique irá reconstruir um delicado vaso quebrado. Trata-se de um desafio extremamente grave que o Chefe do Executivo tem pela frente.

Sr. Presidente, o Presidente da República, no último dia 30 de março, baixou, com nova redação, uma medida provisória dispondo sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, que consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências.

Na verdade, trata-se da 17ª edição da Medida Provisória nº 1.963, publicada em 31 de março no Diário Oficial da União , assinada pelo Ministro Pedro Malan e pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, incluindo, em seus arts. 5º e 7º, a autorização para a cobrança de juros sobre juros nas operações financeiras, isto é, relativas a dívidas com bancos.

A citada cobrança de juros sobre juros inexistia até a 16ª edição da referida medida provisória, tendo tal artigo sido inserido na surdina por lobby dos bancos, o que, além de ilegal, é atentatório à moralidade pública.

Preocupada com tal ilegalidade, a Procuradora da República, Drª Valquíria Oliveira Quixadá Nunes, encaminhou, em 13 de março de 2000, o Ofício 18/2000 ao ilustríssimo Presidente do Banco Central, Dr. Armínio Fraga Neto, onde trata da ilegalidade de tal medida provisória e solicita providências daquela instituição para reprimir a prática do anatocismo, que quer dizer a capitalização dos juros de uma importância emprestada pelas instituições financeiras brasileiras, conforme atribuições previstas no caput do art. 192 da Constituição Federal, dentre as quais se inclui servir aos interesses da coletividade.

Afirma a Drª Valquíria Quixadá que, no caso da cobrança de juros capitalizados, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais é pacífica no sentido de que continua em vigor o art. 4º do Decreto 22.626, de 1933 - refiro-me à Lei da Usura -, que a proíbe expressamente, salvo nas operações regidas por leis especiais, conforme se observa da leitura do RE 90.341, que dispõe:

É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada (Súmula 121). Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras, dado que a Súmula 596 não guarda relação com o anatocismo. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por leis especiais que nela expressamente consentem (recurso extraordinário conhecido e provido).

Nesse sentido também decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

II - somente nas hipóteses em que é expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra inadmissível. Nos demais casos, é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado pela Lei nº 4.595/64 o art. 4º do Decreto nº 22.626/33.

III - o anatocismo, repudiado pelo verbete da Súmula nº 121/STF, não guarda relação com o enunciado 595 da mesma Súmula.

Ora, ilustres Senadores, a Súmula 121, do Supremo Tribunal Federal, dispõe com clareza meridiana que É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA.

Ademais, não procede a afirmativa feita pelo Banco Central ao Ministério Público Federal de que "não compete àquele banco verificar a regularidade dos contratos firmados entre os Bancos e seus clientes e de que é quase impossível ao Banco Central verificar a existência de cobrança de juros sobre juros por parte das instituições financeiras". Na realidade, Sr. Presidente, com essa resposta, o Banco Central está desconsiderando por completo as atribuições que lhe foram estabelecidas no Comitê da Basiléia.

Vale frisar que diversos atos normativos do Banco Central estabelecem procedimentos operacionais a serem seguidos pelas instituições financeiras, pertinentes à aplicação da taxa de juros, vedando a capitalização, senão vejamos:

Nas operações contratadas com base na TBF, a remuneração superior ou inferior a essa taxa, quando prevista, não pode ser capitalizada , devendo ser somada ou subtraída da TBF (Circ. 2.905, art. 2º, parágrafo 2) (MNI 02.01.02-4b).

10 - Os contratos de concessão de crédito devem conter informações a respeito de todos os encargos e despesas incidentes no curso normal da operação, discriminando: (Circ. 2.905, art. 8º, incisos I e IV; Circ. 2.936, art. 1º)

1.     A taxa efetiva mensal e anual equivalente aos juros; (Circ. 2.905, art. 8º, I; Circ. 2936) (MNI 02.01.02-10 a)

É irregular a inclusão em contrato de cláusula que permita ao agente financeiro a majoração da taxa de juros originalmente pactuada, devendo, portanto, ser respeitada a taxa contratualmente fixada (MPR do DEFIS 09-13-12-2.2).

Todas essas normas referem-se a decisões das autoridades monetárias e estão, inclusive, especificadas.

Dessa forma, servidores públicos do Banco Central encarregados da fiscalização das instituições financeiras não podem omitir-se no combate à prática do anatocismo, a fim de que não sejam enquadrados no descumprimento dos arts. 4º e 11, da Lei nº 8.429/92.

Vale ressaltar que o art. 4º da lei acima citada determina que os agentes públicos de qualquer nível são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.

Por sua vez, o artigo 11, incisos I e II, da mesma Lei n.º 8.429, esclarece que constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, notadamente, praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência, e retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

Portanto, é de extrema importância que a Diretoria de Fiscalização do Bacen averigüe como as 20 maiores instituições financeiras do País estão capitalizando as taxas de juros, especialmente nos contratos de crédito rotativo (cheque especial), leasing e financiamento habitacional, aplique as penalidades cabíveis naquelas que estiverem cobrando juros sobre juros indevidamente e puna aqueles que se encontram praticando o anatocismo, conforme já recomendado pelo próprio Ministério Público Federal.

Reitero que anatocismo, palavra não tão comumente utilizada, significa capitalização dos juros de uma importância emprestada.

Por outro lado, o art. 5º da Medida Provisória n.º 1.963, de 2000, é claro ao "possibilitar nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a capitalização de juros", o que contraria, de forma expressa, a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, o Congresso tem a obrigação de rapidamente apreciar a citada Medida Provisória, suprimindo esse dispositivo do ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de flagrante inconstitucionalidade à luz do Decreto-lei nº 22.626, de 1993, que proíbe a cobrança de juros sobre juros. O que vemos nesse dispositivo é uma patente contrariedade ao interesse público, prejudicando milhões de cidadãos brasileiros.

Dessa forma, Srªs. e Srs. Senadores, é necessário que seja aprovada a emenda supressiva apresentada pelo Senador Pedro Simon, que exclui daquela medida provisória tal ilegalidade.

Srªs. e Srs. Senadores, o art. 5º da Medida Provisória 1.963, de 2000, é uma afronta ao bolso dos consumidores brasileiros que, mesmo diante da Súmula 121, do Supremo Tribunal Federal, possibilita a prática do anatocismo pelas instituições financeiras. É necessário que, como Parlamentares, defendamos os cidadãos brasileiros contra tal abuso.

Visando coletar maior esclarecimento sobre o pluricitado artigo 5º da Medida Provisória em questão e as providências que vêm sendo adotadas para que sejam prevenidas ou impedidas a prática do anatocismo, vou apresentar, na próxima reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, requerimento convocando o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central, que, juntamente com o Presidente da Associação Nacional de Defesa do Consumidor de Crédito (Anacont), José Roberto Oliveira, com a representante do Ministério Público Federal, Drª Walkíria Quixadá e o economista Luiz Carlos Ewald, da PUC, Rio de Janeiro, exponham o posicionamento dos consumidores sobre o assunto.

Finalizo, conclamando as Srªs. e os Srs. Senadores aqui presentes a expurgarem do ordenamento jurídico brasileiro mais uma ilegalidade proposta pelo ilustre Chefe do Poder Executivo, em desfavor dos milhões de cidadãos que ora nos escutam.

Gostaria também de expressar o apoio à campanha que vem sendo desenvolvida pela Unafisco, que conseguiu obter liminar na Justiça sobre a necessidade de se corrigir a tabela do Imposto de Renda. Trata-se, Sr. Presidente, de uma campanha muito importante, lançada ontem pela Frente Parlamentar, para formulação de um projeto de lei com objetivo de alterar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, congelada desde 1995.

O Deputado Ricardo Berzoini, do Partido dos Trabalhadores, apresentou, inclusive, um projeto semelhante à proposição do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, no sentido de se aplicar uma tabela de deduções que seja reajustada de acordo com a variação da Ufir desde 1995 até agora. Se levar em consideração a proposta da Unafisco, teríamos, de 1995 para cá, 29% de reajuste. Se isso fosse levado em consideração, os trabalhadores que estão nas faixas de menor rendimento e de rendimento médio não estariam mais hoje com uma tributação de Imposto de Renda de Pessoa Física tão acentuada como há um, dois, três, quatro anos.

O Deputado Ricardo Berzoini apresentou projeto de lei que procede justamente a um ajuste da tabela, assim como propõe que haja não apenas as alíquotas de isenção, de 15%, de 27,5%, mas também de 35% para os vencimentos mais elevados, portanto de forma condizente com o princípio da progressividade, que ficaria ainda mais completo se tivéssemos instituído no Brasil também o Imposto de Renda Negativo, conforme o projeto de lei aprovado pelo Senado em 1991, em tramitação na Câmara dos Deputados, que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2000 - Página 8247