Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2000 - Página 8256
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, ESTEBAN SERRA MONT, DIRETOR, EMPRESA ESTRANGEIRA, INVESTIMENTO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, BRASIL, FALTA, ENTENDIMENTO, MOTIVO, GOVERNO BRASILEIRO, VENDA, EMPRESA, OBTENÇÃO, LUCRO.
  • ANALISE, CRITICA, PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO, AUSENCIA, ALCANCE, OBJETIVO, PROVOCAÇÃO, DESMONTAGEM, ESTADO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, DESEMPREGO, REDUÇÃO, CRESCIMENTO, ECONOMIA NACIONAL.
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, ORADOR, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, AUTORIA, ORADOR, SUSTAÇÃO, DECRETO FEDERAL, RECONHECIMENTO, INTERESSE, GOVERNO BRASILEIRO, PARTICIPAÇÃO, SOCIO, CAPITAL SOCIAL, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA).
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, IMPEDIMENTO, ENTREGA, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), CAPITAL ESTRANGEIRO.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, triste ironia. Já não são mais os "jurássicos" ou os "colonizados" que criticam o processo de privatização no Brasil. Nem os "neobobos". A afirmação é do Sr. Esteban Serra Mont, diretor da Iberdrola para a América Latina: "Não entendo porque o governo (brasileiro) quer vender empresas que já estão pagas e que dão lucro".  

E o que é a Iberdrola? Nada menos que a empresa cujo grupo acionário majoritário é um dos maiores investidores no mercado brasileiro de energia elétrica. Já controla as distribuidoras da Bahia (Coelba), do Rio Grande do Norte (Cosern) e de Pernambuco (Celpe). Junto com a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, e com o próprio banco, controla 34% da distribuição de energia elétrica das Regiões Norte e Nordeste e 11% da distribuição nacional. Os investimentos desse grupo espanhol no Brasil atinge, hoje, a casa dos US$ 2,2 bilhões e inclui, além da energia elétrica, telecomunicações e gás.  

Para o Sr. Esteban, empresas lucrativas geram recursos durante muitos anos, enquanto o dinheiro das privatizações é efêmero. Portanto, para ele, seria mais inteligente conservar essas empresas nas mãos do Estado e permitir que o setor privado se dedicasse a novas unidades, de acordo com a demanda. E, essa demanda é efetiva, porque o Brasil necessita incorporar 4.000 megawats por ano à sua capacidade instalada. O grupo Iberdrola, com os mesmos parceiros nacionais, vai construir três novas usinas, duas termelétricas e uma hidrelétrica, com capacidade total de 1.170 megawats e investimentos de R$ 1,3 bilhão.  

Tem razão o Sr. Esteban. O dinheiro das privatizações é efêmero. Por maior que seja a estatal leiloada, ele não dura o tempo da construção de uma escola ou de um hospital. Ou, nem mesmo, o da aquisição de uma caixa giz ou de um rolo de gaze. Ele se esvai, logo depois da batida do martelo, pelos cinco dedos da dívida pública, quintuplicada nos últimos cinco anos.  

Todo o dinheiro da Iberdrola, ou de qualquer outro adquirente de sistemas elétricos, não compraria um único megawat nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, as hidrelétricas, na sua quase totalidade, são propriedade das forças armadas, porque são consideradas estratégicas pelo governo e pelo povo americano. Porque não podem investir lá, pressionam para que se venda as estatais daqui, e o dinheiro que, pelo menos, deveria construir as escolas e os hospitais, ou adquirir o giz e a gaze daqui, se dá ao trabalho, quem sabe, somente, da viagem virtual que vem e, automaticamente, vai, sob a forma de pagamento de juros e encargos da dívida e gera, lá fora, os empregos que nos faltam aqui dentro.  

Foi assim, também, com a petroquímica. Lucrativa, verticalizava a indústria do petróleo, como em todas as grandes empresas do ramo, públicas ou privadas, no mundo. A Petrobrás é, depois da privatização, a única das grandes empresas petrolíferas do planeta a ficar sem o seu ramo petroquímico. Foi assim, igualmente, com a Companhia Vale do Rio Doce. Conglomerado de 26 empresas, vendidas pelo dinheiro de uma quinzena de pagamento dos tais juros e encargos, já não rende, para o Governo, os lucros anuais que desenvolviam regiões deprimidas e outras ações de cunho social. Pior: já não rende os recursos que permitiriam a continuidade do pagamento da própria dívida. O lucro da Vale, apenas no último ano, significou um terço do valor pelo qual ela foi vendida. Foi assim com todas as empresas privatizadas a preços vis e será assim com outras que correm o mesmo risco, como a Petrobrás, Chesf e Furnas.  

Será assim com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Será assim porque está sendo assim com o Banco do Estado de São Paulo. E, isso, deverá, certamente, reforçar o espanto do Sr. Esteban Serra Mont. É que a história se repete. Nada mais impede, até aqui, que o Banespa seja repassado para mãos estrangeiras. Se isso acontecer, a metade dos ativos do sistema financeiro privado já não será mais nacional. Nos países desenvolvidos, esse percentual varia de zero a cinco por cento. Mais uma vez, faça-se aqui, o que não é permitido fazer-se lá.  

O Brasil pagou, de juros e encargos de sua dívida, R$ 7 bilhões, em janeiro último. Essa notícia vem acompanhada de outra, porque com ela mantém forte correlação: o lucro dos bancos estrangeiros instalados no Brasil subiu, em 1999, 852%. Somente em títulos do governo federal corrigidos em dólar, os bancos privados lucraram, no mesmo período, US$ 8 bilhões.  

Esses números explicam o espanto do Sr. Esteban Serra Mont, enquanto pessoa física. Mas eles também explicam as suas atitudes, enquanto investidor pessoa jurídica. São números que podem, portanto, causar espanto ou encanto, dependendo do lado que se está do balcão.  

Não terá causado pasmo, entretanto, ao leitor que tomou conhecimento do Relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito "destinada a investigar fatos decorrentes da execução do Programa Nacional de Desestatização", editado em maio de 1994. É uma questão de mudança de tempo de verbo. Ali se prevê o que agora se confirma.  

Até aquela data, haviam sido privatizados os setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. E já era possível prever, com significativa segurança, que os objetivos preconizados pelo programa não seriam alcançados. Ao contrário, se mantidos os moldes do programa, o país poderia perder as possibilidades próprias de gerar recursos para o atendimento aos chamados setores sociais e, contraditoriamente, para pagar o principal e os encargos de sua dívida.  

O desmonte do Estado, via privatizações, tirou-lhe a capacidade de definir os horizontes da economia nacional. O empresariado do setor produtivo dá conta, agora, de que a privatização, nos moldes brasileiros, tirou do Estado a sua capacidade de gerar efeitos multiplicadores de investimento privado. E, isso, trouxe estagnação e desemprego, porque, enquanto o setor público desempenhava essa função, o País crescia a taxas superiores à média mundial, em meio século de resultados positivos na casa dos 7%. A atual década das privatizações mostra um quadro contrário, composto de percentuais que tangenciam, anualmente, zero. Portanto, o objetivo explicitado do programa de privatizações de reordenar a posição estratégica do Estado não se efetivou. Ao contrário.  

Um dos objetivos colocados como mais importantes do mesmo programa foi reduzir a dívida pública do País. Pois bem, já se atingiu a cifra dos R$ 70 bilhões com a venda das estatais. Já se transferiu R$ 16 bilhões de dívidas anteriores. E, mesmo que somados aos R$ 80 bilhões anuais de pagamento de encargos, essa mesma dívida quase que quintuplicou nos últimos cinco anos, ultrapassando a cifra dos R$ 500 bilhões. É a farsa do chamado "fazer caixa", porque, para um patrimônio líquido leiloado, segundo o somatório dos respectivos balanços, de R$ 38 bilhões, os adquirentes receberam benefícios que atingem R$ 45 bilhões.  

O objetivo de permitir a retomada de investimentos nas empresas privatizadas e, com isso, retomar o crescimento e gerar empregos, também não se fez sentir. Ao contrário, a década termina com a economia nos piores índices, de crescimento e de geração de empregos. Houve, na verdade, uma transferência do patrimônio do povo brasileiro para mãos privadas, a preços vis e, ainda assim, subsidiados.  

O objetivo mais explícito e sobre o qual se fundamentou toda a propaganda do programa de privatizações foi o que se chamou de "estado no lugar certo", ou seja, a transferência para o setor privado de atividades tipicamente produtivas, para que do Estado pudesse concentrar seus esforços em ações que lhe seriam mais próprias, como saúde, saneamento, educação e segurança pública. Talvez exatamente por ser o mais explícito na propaganda oficial é que esse objetivo mostra-se como o mais frustrante. Além do desemprego, os serviços públicos em tempo algum mostraram-se mais precários e a insegurança nas grandes cidades brasileiras já parece demonstrar uma verdadeira guerra civil não declarada.  

Apesar de alterar, substancialmente, a matriz industrial brasileira, o programa de privatizações não se contextualizou em um programa de desenvolvimento econômico e, nem mesmo, em políticas industriais bem definidas. O método de avaliação adotado, o de fluxo de caixa descontado, permitiu a utilização de critérios subjetivos, quase sempre aviltando os preços mínimos, através da definição de cenários e de indicadores pessimistas. A Comissão Parlamentar de Inquérito detectou, também, intensa promiscuidade entre organismos responsáveis pelo programa e empresas contratadas para a modelagem dos leilões e a definição dos respectivos preços. As gravações divulgadas sobre a venda do sistema de telecomunicações, por exemplo, nada mais são que a confirmação dos indícios já percebidos nos tempos da CPI.  

Todas essas questões poderiam constituir-se em elementos mais que suficientes para, no mínimo, uma ampla reformulação do programa. Ao contrário, os últimos anos, pós CPI, foram marcados pelo reforço dos mesmos vícios analisados pela Comissão. O que mudou, de lá para cá, é que, tudo indica, segmentos importantes da sociedade brasileira começam, ainda que tardiamente em muitos casos, a dar-se conta da falácia da propalada diminuição do estado. Esses mesmos segmentos assistem, hoje, a uma dilapidação sem precedentes do patrimônio público, com setores estratégicos totalmente transferidos para multinacionais que usufruem de recursos brasileiros para transferir lucros para o exterior e lá gerar os empregos que faltam para parcela significativa dos trabalhadores brasileiros.  

Essa tomada de consciência da população parece passar ao largo das preocupações do Governo Federal que, ao contrário, dá sinais de que irá manter o cronograma de privatizações. É o caso das usinas hidrelétricas, como Furnas, Chesf, Tucuruí e outras que, na verdade, pode significar a privatização das águas, exatamente no momento em que as projeções sobre a oferta de água doce no planeta são as mais desfavoráveis, a ponto da questão ser colocada como justificativa para uma possível e indesejada terceira grande guerra mundial.

 

Também no cronograma do desmonte do Estado brasileiro, o sistema financeiro. E, aí, cada leilão extrapola o fato da venda de um ativo. Em uma economia globalizada e subjugada ao capital financeiro, abrir mão de um banco de grande porte pode significar a renúncia a um lugar de destaque na mesa de decisões.  

São todas essas razões que me levam a levantar barreiras que possam impedir a privatização do Banco do Estado de São Paulo. O Banespa é um símbolo da resistência da economia paulista e brasileira. Não haverá como justificar a pujança da produção naquele estado sem um atrelamento direto com a ação do banco que, agora, quer-se transferir para mãos que exigem, unicamente, o lucro. A produção agrícola familiar e a pequena e média empresa terão que se submeter, ainda mais, à discriminação do capital financeiro, para quem não cabe, como premissa, a atribuição do social.  

Os bancos estrangeiros já detêm 40% dos ativos bancários privados no País. Se vitoriosos no leilão do Banespa, ultrapassarão os 50%, o contraponto, portanto dos países desenvolvidos e seus percentuais máximos de 5%. Confirmando a percepção de que a população é sensível a essa questão, a Folha de S.Paulo divulgou, recentemente, pesquisa segundo a qual 71% dos entrevistados rejeitam o capital estrangeiro na privatização do Banespa. Apenas um em cada quatro entrevistados mostraram-se favoráveis à privatização, em qualquer circunstância. E quase a totalidade é contra o aporte de financiamento público para estrangeiros.  

Mas, apesar da opinião pública expressa nas pesquisas, não parece faltar recursos para o financiamento dos adquirentes das estatais. Além dos R$ 45 bilhões já citados, sob título de benefícios fiscais, o BNDES, gestor do programa de privatizações, já repassou, apenas para os novos proprietários das "teles", R$ 2,4 bilhões. E outros R$ 7 bilhões já se encontram em processo de liberação. Somados, significam mais de 40% do preço obtido pela venda das 12 empresas oriundas da subdivisão da Telebrás. Enquanto estatais, essas mesmas empresas não podiam receber empréstimos do BNDES. Agora, em mãos privadas, são prioritárias na liberação de recursos. Isso significa que a alardeada modernização do sistema de telecomunicações poderia ser feita pela Telebrás enquanto estatal, sem que a tal modernização fosse, como o é, utilizada como mote para defesa das privatizações.  

Toda essa contextualização do processo de privatização do Banespa tem o objetivo de mostrar que o leilão de mais uma estatal não é um fato isolado. Ele se insere em uma lógica perversa de desmonte do Estado brasileiro. Trata-se de um verdadeiro saque à soberania nacional. Há que se tornar o Estado indefeso, para que se possa, sem mais barreiras, usufruir dos recursos nacionais que, sabidamente, colocam-se como dos mais abundantes do planeta. Prova concreta é a desnacionalização da economia brasileira que avançou, nos últimos cinco anos, 1.000%. Não há situação similar nos últimos tempos.  

Para viabilizar esse saque à soberania, não se mede esforços. Não importa, nem mesmo, eventuais arranhões na própria Constituição brasileira. É o que está prestes a ocorrer no caso do Banco do Estado de São Paulo. E é isso o que fundamenta o meu Projeto de Decreto Legislativo que susta o Decreto do Poder Executivo, publicado na véspera do último Natal, que "reconhece como de interesse do Governo Brasileiro a participação societária no capital social do Banespa e de suas controladas..."  

Em primeiro lugar, tal decreto exorbita, flagrantemente, a competência presidencial, por versar sobre matéria financeira, o que invade a competência do Congresso Nacional. O art. 48 da Constituição preconiza como atribuição do Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre "matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações".  

Em segundo lugar, porque o Decreto tratou de investimentos estrangeiros no sistema financeiro nacional. É do texto do Art. 172, da Constituição: " A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros". E, no art. 192: "O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá sobre: ... III - As condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista , especialmente: a) os interesses nacionais; b) os acordos internacionais".  

Por último, porque o Art. 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, diz, textualmente: "Até que sejam fixadas as condições a que se refere o art. 192, III, são vedados: I - A instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior; II - o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior". Ocorre que, o parágrafo único, deste mesmo artigo, abre um espaço no sentido de que "a vedação a que se refere esse artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos internacionais, de reciprocidade, ou de interesse do Governo brasileiro". Ora, o Decreto presidencial baseia-se, exatamente, no "interesse do governo brasileiro" a participação societária estrangeira no capital social do Banespa. Neste sentido, o Sr. Presidente da República considera "Governo brasileiro" como sendo, exclusivamente, o Poder Executivo.  

O Congresso Nacional não pode, mais uma vez, abrir mão das suas atribuições constitucionais. Entretanto, pelo decreto que propicia a entrega do Banespa ao capital internacional, o Congresso, além de ser colocado à margem da Constituição, nem mesmo foi considerado Governo. Além disso, o Congresso Nacional não pode, também, caminhar a reboque do desmonte do Estado nacional. Ainda há tempo. Basta que, enquanto "casa do povo", ouça, com atenção, a "voz rouca das ruas". Ou, quem sabe, para quem tem exercitado, ultimamente, os tímpanos prioritariamente para os donos do poder, que se pasme, também, com o espanto do Sr. Esteban Serra Mont.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2000 - Página 8256