Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O CRESCIMENTO DA DESIGUALDADE SOCIAL. OTIMISMO COM O ANUNCIO DE INCENTIVO, PELO BNDES, AO SURGIMENTO DE REDE DE BANCOS POPULARES ESPECIALIZADOS EM MICROCREDITOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O CRESCIMENTO DA DESIGUALDADE SOCIAL. OTIMISMO COM O ANUNCIO DE INCENTIVO, PELO BNDES, AO SURGIMENTO DE REDE DE BANCOS POPULARES ESPECIALIZADOS EM MICROCREDITOS.
Aparteantes
Edison Lobão, Ernandes Amorim, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2000 - Página 8721
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, QUESTIONAMENTO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, AUSENCIA, MELHORIA, SITUAÇÃO, PERIODO, MANDATO, CRITICA, POLITICA SOCIO ECONOMICA.
  • COMENTARIO, SIMPOSIO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CREDITOS, MICROEMPRESA, CRITICA, ORADOR, INFERIORIDADE, VALOR, RECURSOS, COMPARAÇÃO, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, EMPRESA, SUPERIORIDADE, FATURAMENTO.
  • GRAVIDADE, CONFLITO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, GOVERNO, REIVINDICAÇÃO, REFORMA AGRARIA, CREDITO AGRICOLA, ASSISTENCIA, ASSENTAMENTO RURAL, DEFESA, DIALOGO.
  • OMISSÃO, DEMORA, GOVERNO, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, RENDA MINIMA, COMENTARIO, CORTE, RECURSOS, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DO MARANHÃO (MA).
  • COMENTARIO, MANIPULAÇÃO, EXECUTIVO, VOTAÇÃO, LEGISLATIVO, TROCA, FAVORECIMENTO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, sempre estive muito atento às palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, para saber do seu real compromisso com o objetivo de construirmos uma sociedade justa, com distribuição de renda mais eqüitativa, e de erradicarmos de vez a pobreza absoluta em nossa terra. Esses objetivos estiveram claramente presentes em seu discurso de despedida do Senado, quando, já Presidente eleito, disse:

O primeiro ponto é a continuidade e aprofundamento do processo de estabilização econômica - não como um fim em si mesmo, mas como condição para o crescimento sustentado da economia e para o resgate da dívida social . (Grifo nosso.)

E também em seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 1995 e em 1999. No ano passado, o Presidente foi enfático ao afirmar que:

...de pouco vale ao país ser a oitava economia mundial se continuarmos entre os primeiros na desigualdade social.

Ainda hoje, em artigo publicado no novo jornal Valor, cujo número um tem o mérito de abrir a sua página de artigos com pergunta sobre o que falta para o Brasil voltar a crescer de forma significativa e sustentada - pergunta dirigida tanto ao Presidente da República quanto ao principal líder da Oposição, Luiz Inácio Lula da Silva -, Fernando Henrique Cardoso reitera a importância de que:

...boa distribuição da renda, implicando universalização de oportunidades de educação e trabalho, não pode ser vista como cobertura bonita do bolo da economia. É o próprio fermento do bolo da economia.

Cabe, então, a pergunta: como se está hoje dividindo o bolo brasileiro? Se o partíssemos em cem pedaços e tivéssemos apenas cem brasileiros, a pessoa mais rica teria direito a nada menos do que 13,8 pedaços. Já aos 50 brasileiros mais pobres caberiam apenas 13,5 pedaços. Aos demais 49 brasileiros caberiam 72,7 pedaços. Isso é o que mostra o IBGE, que, na última semana, divulgou a Síntese dos Indicadores Sociais do Brasil de 1999, com base na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 1998.

Esses são dados relativos ao quarto ano de mandato do Presidente.

A melhoria efetiva da distribuição da renda pode ser considerada sofrível, com o Índice de Gini passando de 0,60, em 1993 (não há dados do ano de 1994, período imediatamente anterior ao primeiro mandato de Fernando Henrique), para 0,585, em 1995; manteve-se em 0,580, em 1996 e em 1997; mudou para 0,575, em 1998. Ou seja, houve uma evolução de pouquíssimo significado.

Se levarmos em consideração a população brasileira, de aproximadamente 160 milhões de pessoas, em 1998, isso significa que 1,6 milhão de habitantes mais ricos detinha 13,8% da renda nacional, portanto mais do que os 13,5% que ficaram para os 80 milhões mais pobres. Não há qualquer justificativa de bom senso, por qualquer critério que possa existir, que consiga dizer que esses números estão próximos da justiça.

Conforme demonstra o último Relatório sobre o Desenvolvimento do Mundo, do Banco Mundial, somente Serra Leoa, com Índice de Gini de 0,629, em 1989, dentre todos os países do mundo para os quais há dados disponíveis, apresentava desigualdade mais intensa do que o Brasil.

Por que o Governo Fernando Henrique Cardoso tem sido incapaz de avançar mais celeremente na direção de transformar esse estado de coisas? Porque, basicamente, a natureza de seu Governo não se distingue, de forma fundamental, da dos que até hoje, nos 500 anos de História do Brasil, tentaram promover o desenvolvimento: sempre por intermédio de instrumentos para favorecer aqueles que já detêm maior patrimônio e riqueza, apenas com programas de pequeno alcance para modificar a precária situação dos mais pobres e dos que não tiveram acesso à cidadania.

Por outro lado, a escolha de instrumentos de política econômica, que tem levado o Brasil a crescer de maneira tão aquém à sua potencialidade e tem gerado oportunidades de trabalho inferiores ao crescimento da oferta de trabalho, tem agravado, sobremodo, a condição de progresso dos trabalhadores.

Ainda ontem, por ocasião do Dia do Trabalho, quando se rememoraram os episódios da greve de 1980, no ABC, pudemos constatar que os métodos de repressão de outrora - as bombas de gás lacrimogêneo e os cassetetes da PM - são agora substituídos pela também selvagem recessão, como método para tentar dobrar a espinha do movimento organizado dos trabalhadores.

É pena, Sr. Presidente, que, embora, por vezes, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e seus Ministros falem de sua preocupação com uma melhor distribuição da renda e com a situação social, na verdade, os diversos passos são de natureza muito fraca em relação àquilo que realmente se faz necessário.

Está-se realizando, hoje, no BNDES, um Simpósio sobre o Microcrédito, o que demonstra que o Governo começa a acordar. A Srª Beatriz Azeredo, organizadora desse simpósio, trouxe especialistas de diversas áreas para prestarem depoimentos sobre essas experiências. Mas o fato concreto é que, até o momento, o valor do financiamento destinado aos microempresários e aos interessados em realizar projetos de auto-sustentação em suas comunidades é ainda muito pequeno em relação aos recursos disponíveis para as médias e, sobretudo, as grandes empresas.

O exemplo mais recente ocorreu no ano passado, quando a segunda maior empresa do mundo em faturamento obteve nada menos do que R$920 milhões de crédito do BNDES, num total de, aproximadamente, R$20 bilhões de recursos desembolsados por essa instituição no período.

No que diz respeito à reforma agrária, não é à toa que, hoje, por todo o Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outros movimentos, que solicitam ao Governo que acelere o processo de reforma agrária, iniciaram um movimento intenso, que está ocorrendo desde o Rio Grande do Sul até o Acre e Rondônia, incluindo as principais capitais. Em alguns lugares, surgiram conflitos com a polícia, que resultaram em algumas pessoas feridas. No Estado do Paraná, comboios com cerca de cinqüenta ônibus transportando trabalhadores rurais sem terra estavam se aproximando de Curitiba quando foram bloqueados em Campo Largo, às 2 horas da manhã, por um efetivo militar do GOE. Um dos líderes do MST, Roberto Baggio, foi simplesmente arrancado do ônibus, e aí começaram a solicitar que todos os sem-terra descessem do ônibus. Conforme depoimento de diversos jornalistas, em certo momento, sem que tivesse havido a utilização, por parte dos sem-terra, de qualquer instrumento, iniciou-se um movimento repressivo, surgindo um conflito em que três pessoas, pelo menos, foram baleadas, e agora há um grupo de 1.300 pessoas paradas em Campo Largo.

No Rio Grande do Sul, há uma vigília no Incra e no Ministério da Fazenda, com 1.500 pessoas; em Santa Catarina, cerca de 500 pessoas estão no saguão do edifício do Ministério da Fazenda; em São Paulo, há um grupo dentro do Ministério da Fazenda, e outros fora; em Minas Gerais, também há um grupo de pessoas no edifício do Ministério da Fazenda; no saguão do BNDES, há cerca de 300 pessoas - aliás, é onde se está realizando o Simpósio sobre Microcrédito. Em quase todos os Estados há forte mobilização.

Ainda hoje, pela manhã, a coordenação nacional do MST protocolou ofício no Palácio do Planalto solicitando ao Presidente Fernando Henrique Cardoso uma audiência para tratar de assuntos relacionados à reforma agrária, visando principalmente a sua viabilização na prática, com a desapropriação de terras, crédito para implantação, produção, assistência técnica e infra-estrutura.

No que diz respeito a programas que temos aqui defendido, que poderiam ser efetivados com muito maior vigor e melhor desenho, como o Programa de Garantia de Renda Mínima, percebemos que o Governo ainda não os tem levado a efeito da maneira como seria próprio. Seria fundamental que se pudesse garantir a todas aquelas famílias, pelo menos às que estão na faixa de rendimento de meio salário mínimo per capita, e que correspondem a aproximadamente 25% da população brasileira, conforme os últimos dados do IBGE, o complemento de renda necessário, inclusive para facilitar a presença das crianças em idade escolar nas escolas. Isso deveria ser efetivado de forma universal, abrangendo todo o território nacional, e não da maneira como vem fazendo o Governo, por pedaços, aqui ou acolá.

Um triste registro foi feito na semana passada. A Secretaria do Ministério da Previdência responsável pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que vem sendo realizado em parte no Mato Grosso do Sul, nas carvoarias, em parte na Bahia, na região do sisal, em parte em Pernambuco e no Maranhão, na região dos canavieiros, anunciou que cortes serão feitos nesse programa.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, concedo a parte a V. Exª.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Ouvindo-o, não tenho dificuldade alguma em concordar com a primeira parte do discurso de V. Exª. Realmente, a má distribuição de renda em nosso País persiste. Como V. Exª, também li o relatório do IBGE, com o qual, por igual, horrorizo-me. É uma das piores distribuições que existem no mundo. Entretanto, não posso concordar com a parte seguinte do discurso de V. Exª, quando responsabiliza o Presidente da República por esses resultados. Poucos governos terão feito tanto em benefício de uma melhor redistribuição de renda e do atendimento às classes menos favorecidas quanto o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes de Sua Excelência, apenas o Presidente José Sarney fez uma tentativa válida, mas apenas de natureza assistencial, que foi a distribuição do leite. Teve uma profunda penetração nos setores mais pobres da população brasileira. Porém, também o Presidente José Sarney, que se esforçou, não conseguiu reverter a situação, que é crônica em nosso País. O Presidente Fernando Henrique tem diversos programas nessa direção. A Caixa Econômica Federal tem linhas especiais de financiamento aos pequenos empresários, à microempresa, e o Sebrae atua cada vez mais intensamente nessa direção. V. Exª menciona o BNDES. Há o programa dirigido por D. Ruth Cardoso, e outro programa também de natureza social, com bastante penetração. Todavia, os resultados são escassos. Não se pode, a meu ver - digo isso com menos autoridade que V. Exª, que é um economista, eu não o sou -, comprometer as grandes linhas da economia nacional. No instante em que isso ocorrer, aí, sim, os brasileiros de menor salário, de menor poder aquisitivo pagarão um preço maior do que os demais em nome de uma política impensada. É preciso atender às classes pobres deste País, mas com cuidados, como tem feito o Governo, para que a direção da economia não sofra danos irreparáveis. Acredito que o Governo esteja fazendo tudo quanto pode para melhorar o nível de distribuição de renda em nosso País. Apenas esse é um problema que não se resolve por decreto, mas que haverá de ser resolvido pela própria natureza da economia. Fora daí, estaremos caminhando na direção de uma quimera e não de uma solução. Cumprimento V. Exª, portanto, pelas preocupações que têm quanto ao social, que são também as minhas preocupações, mas não concordo com as críticas que faz ao Governo, que se está esforçando para resolver esse grave e crônico problema brasileiro - que precisa ser resolvido. Não tenho dúvida de que a economia em si mesma haverá de encontrar os instrumentos e os caminhos para a solução desse problema fundamental, transcendental da vida dos brasileiros.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Edison Lobão, os próprios dados do IBGE, que V. Exª pôde acompanhar com atenção no meu pronunciamento, ou, de forma mais completa, lendo todos os dados, indicam que o progresso na melhoria da distribuição da renda está sendo sofrível. Quase nada distingue a situação anterior ao início do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso da situação do último ano, para a qual temos dados disponíveis.

A situação presente é de enorme preocupação para os trabalhadores, em virtude de ainda termos taxas de desemprego altíssimas e taxas de crescimento da economia brasileira muito aquém das possíveis. Obviamente, esse quadro acaba tendo o efeito de diminuir a possibilidade de organização dos trabalhadores nos setores industriais e de comércio. No setor agrícola, vemos os trabalhadores também perdendo as suas oportunidades de trabalho, e não é à toa que cresce com vigor o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outros, que hoje estão a solicitar do Presidente Fernando Henrique Cardoso um diálogo concreto.

Estive há pouco com o Ministro Raul Jungmann e reiterei a importância de se estabelecer um diálogo direto entre o Presidente, seus Ministros da área econômica e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outros movimentos, como a CUT do Centro-Oeste, que está solicitando audiência com o Ministro Raul Jungmann, o Fórum pela Reforma Agrária da Região Centro-Oeste, assim como também os membros do MLST.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - V. Exª me permite um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A Senadora Heloisa Helena já havia solicitado o aparte. Em seguida, ouvirei V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Informo o orador que seu tempo está-se esgotando neste momento. Peço a V. Exª que se limite aos dois apartes já anunciados.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não, Sr. Presidente.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Eduardo Suplicy, quero compartilhar inteiramente das preocupações que apresentou em seu pronunciamento. Todos nós sabemos, com a limpidez que a Matemática e a lógica formal na avaliação da execução orçamentária nos impõem, que houve claramente uma perda gigantesca, uma diminuição relevante, do ponto de vista percentual, nos investimentos feitos ao longo dos últimos anos, especialmente durante o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso. Assim, repito, quero compartilhar das observações feitas por V. Exª, sem entrar no detalhamento dos crimes que foram patrocinados contra o interesse público para garantir a mágica contábil do superávit primário no sentido de atender à lógica imposta pelo Fundo Monetário Internacional. Evidentemente, discordo das observações feitas pelo Senador Edison Lobão. Além disso, também gostaria de compartilhar das observações feitas em relação aos últimos acontecimentos no Paraná. Sobre isso, inclusive, o Senador Roberto Requião conversou comigo. Vários companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estão ligando desde a madrugada, mostrando a sua gigantesca preocupação, pois a Constituição está sendo mais uma vez golpeada. Parece que está virando moda um Governador, um Presidente da República ou quem quer que seja - nestas horas, infelizmente, não aparece de quem é a responsabilidade - simplesmente garantirem que uma força policial possa impedir, sem nenhuma legislação que estabeleça esse tipo de proibição, que as pessoas circulem nas estradas ou nas cidades. Portanto, compartilho do pronunciamento de V. Exª e, como V. Exª, quero fazer um apelo ao Presidente da República. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Contag, a Pastoral, o MLST e o MT querem conversar com Sua Excelência. Não é lógico, não é admissível que, no ano 2000, ora a Constituição seja golpeada, ora se estabeleçam procedimentos relacionados à verdadeira guerra civil neste País, em que fazendeiros são estimulados a se armarem com base numa suposta defesa da Constituição, como se a Constituição não protegesse a propriedade privada e só aquela que cumpre com sua função social. Portanto, faço um apelo ao Presidente da República no sentido de que Sua Excelência possa receber hoje o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, antes que questões mais graves aconteçam. Como V. Exª sabe, existe mobilização em Rondônia, no Maranhão, na Bahia, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em Goiás, em Mato Grosso, em Pernambuco, em Alagoas, em Sergipe, no Piauí, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná, no Ceará, em São Paulo. Se, em todos esses lugares, houver a reação que está havendo no Paraná diante da necessidade de uma negociação, de uma conversa, a situação vai ficar mais grave que já está.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senadora Heloisa Helena, agradeço a V. Exª. Também penso que, quanto mais rápido o Presidente Fernando Henrique estabelecer o diálogo direto, mais rapidamente encontraremos soluções para o problema.

Concedo o aparte ao Senador Ernandes Amorim, para depois concluir o meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - A Mesa apela ao Senador Ernandes Amorim que seja breve.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB - RO) - Serei breve, Sr. Presidente. Nobre Senador Eduardo Suplicy, a preocupação é de todos. O Governo diz ter razão, e V. Exª reclama também com razão. Mas esses movimentos já estão quase tomando a forma de uma guerra civil. Podemos verificar que eles se fazem presentes em praticamente todos os lugares deste País. O Governo está prometendo resolver o problema, não o resolveu e - acredito - não vai resolvê-lo. Essa questão da reforma agrária, dos créditos, é igual à greve dos caminhoneiros. O Governo disse que tiraria a taxa dos motoristas para cobrá-la do empresário, que já estava sobrecarregado. Com isso, o Governo diz estar resolvendo o problema. A continuar esse "empurrar de barriga", vai chegar o momento em que isso vai estourar, vai implodir. E aí? O que se vai fazer neste País? Do jeito como se avolumam esses movimentos, sem que nenhuma providência seja tomada por parte do Governo Federal ou dos órgãos competentes, algo poderá vir a acontecer.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Ernandes Amorim, é preciso que o Presidente tenha sensibilidade para ouvir aqueles que têm menos direitos neste País, como tem ouvido as vozes dos financistas internacionais e brasileiros, dos grandes empresários, daqueles que detêm grande patrimônio, para que, no momento de definir a legislação a respeito da política econômica, não se utilize dos mecanismos de pressão que agora começam a se tornar mais transparentes. Refiro-me, Sr. Presidente, à grave informação que veio a público neste último domingo, quando o jornal O Globo mencionou que hoje "o Presidente Fernando Henrique controla o Congresso com os 600 cargos do Governo Federal que distribuiu aos Líderes e Parlamentares dos partidos aliados". Esse mapa do poder na burocracia foi revelado pelo ex-Secretário-Geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas, que abriu seu disquete, a sua caixa-preta, para o professor da Universidade de Brasília Carlos Pereira, que fez uma tese a respeito.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Faz soar a campainha)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Para concluir o meu pronunciamento, Sr. Presidente, gostaria apenas de registrar aquilo que disse, em entrevista, o próprio ex-Secretário Eduardo Jorge, no Palácio do Planalto, especificando...

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Enquanto V. Exª procura a informação...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Já a encontrei. Vou lê-la, para que V. Exª faça o comentário devido.

Disse Eduardo Jorge ao Professor Carlos Pereira, autor de tese sobre o tema, defendida na New School University, de Nova York: "Se o parlamentar apresentou uma votação favorável ao Presidente, ao final do período, normalmente um ano, ele terá grande probabilidade de ver sua emenda executada pelo Governo".

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Eduardo Suplicy, a Mesa apela a V. Exª no sentido de que abrevie a conclusão do seu discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Confirmando as pressões que o Palácio do Planalto precisou fazer para aprovar as reformas constitucionais, que incluíram até a emenda da reeleição para Presidente da República, disse: "As maiores dificuldades enfrentadas pelo Executivo no Congresso não eram com o convencimento individual parlamentares. O maior problema era, na realidade, obter o quorum necessário para ter a maioria que aprovasse a agenda presidencial...".

Foi aí que o Sr. Eduardo Graeff disse: "Notamos a ausência de um mecanismo institucional capaz de controlar as demandas parlamentares. No começo não era raro ver vários parlamentares céticos com o Governo, reivindicando benefícios em diferentes repartições e ministérios. Decidimos, então, controlar esses pedidos e o seu atendimento. Com esse sistema, temos uma fotografia perfeita do que os parlamentares pediram e em que medida o Executivo os atendeu".

Ficamos, agora, portanto, conhecendo mais de perto a forma pela qual o Governo age para tentar convencer a sua própria base a votar a questão do salário mínimo no próximo dia 10.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Desejo complementar a informação lida por V. Exª. Em primeiro lugar, está dito no mesmo jornal, O Globo , que o Sr. Eduardo Jorge está processando o escritor que lhe atribuiu tais afirmações. Em segundo lugar, o Governo dispõe hoje - de acordo com a publicação - de 600 cargos. No passado recente, eram dois mil cargos; hoje são 600 cargos. E tenho notícia de que o Governador do Rio Grande do Sul, que é do PT, dispõe de 270 desses cargos e também os distribui aos companheiros do seu Partido.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Aí já é uma provocação!

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Eduardo Suplicy, a Mesa reitera o pedido a V. Exª, que já ultrapassou o seu tempo em nove minutos. Temos que começar a Ordem do Dia.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Assim o farei. Apenas quero dizer que espero que cada Senador vote de acordo com o que avalia ser melhor para o seu País e para a sua consciência, deixando de lado esses favores que, infelizmente, estão degradando a relação do Executivo com o Parlamento.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha.) - Srs. Senadores, há um orador na tribuna.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - É triste registrar isso, porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando Senador, era um dos maiores críticos da maneira como o Executivo distribuía os mais diversos favores a pessoas no Congresso Nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2000 - Página 8721