Pronunciamento de Jefferson Peres em 03/05/2000
Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
REFLEXÃO SOBRE OS RECLAMOS DA POPULAÇÃO INDIGENA BRASILEIRA POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
- Autor
- Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- REFLEXÃO SOBRE OS RECLAMOS DA POPULAÇÃO INDIGENA BRASILEIRA POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
- Aparteantes
- Sebastião Bala Rocha.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/05/2000 - Página 9367
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- ANALISE, EVOLUÇÃO, FATO, HISTORIA, DESCOBERTA, BRASIL.
- DEFESA, OPORTUNIDADE, FESTA NACIONAL, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, CELEBRAÇÃO, PROGRESSO, ESTABELECIMENTO, ESTADO DEMOCRATICO, BENEFICIO, INDIO, VIABILIDADE, RECONCILIAÇÃO, AMBITO NACIONAL.
O SR. JEFFERSON PÉRES
(Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreram, melancolicamente, os eventos que deveriam marcar festivamente os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Eventos que deveriam ser a oportunidade de reconciliação nacional foram maculados por manifestações de ressentimento e de ódio.
Parece que o Descobrimento do Brasil, ou achamento, como querem os portugueses, um acontecimento que integrou o Brasil ao processo civilizatório mundial, foi um ato criminoso, Sr. Presidente, e que, se não tivesse ocorrido, teria deixado os indígenas brasileiros numa situação paradisíaca que nunca viveram.
As populações indígenas que aqui viviam se entredevoravam em guerras, em conflitos. Não apenas aquelas entre populações de etnias diferentes, mas, às vezes, da mesma etnia.
O Descobrimento do Brasil e o processo de colonização, com todos os seus erros, com todos os seus crimes, com as mazelas que todos conhecemos, Sr. Presidente, aconteceu por força de um processo histórico inevitável. A pergunta que me faço é se os europeus aqui não tivessem chegado, o que teria acontecido? E se a civilização indígena mais avançada das Américas, a civilização Inca, tivesse transbordado dos Andes e inundado a Amazônia e o Brasil? Certamente não teria sido diferente a escravização e a colonização das etnias teconologicamente menos desenvolvidas que aqui viviam. Incas, Astecas, Maias, civilizações indígenas avançadas, todas, Sr. Presidente, conheceram escravidão e opressão. Astecas esmagaram Toltecas e Olmecas. Os Incas subjugaram outros povos indígenas da região andina. Assim foi em todos os continentes, em todas as latitudes.
Sr. Presidente, o que resta da brilhante cultura celta da Europa Ocidental, talada pelos romanos e, mais tarde, pelos germânicos que os sucederam.
Todo o processo histórico foi de expansão e de conquista das culturas mais avançadas sobre as menos desenvolvidas. Não deveria ser assim. Não deveria, mas foi assim. Não há inocentes, não há povos que possam proclamar que estão livres disso. Aconteceu em todo o mundo.
Eu me pergunto: o Egito de hoje, arabizado e islamizado, deixará de festejar seus grandes eventos porque o Egito antigo, dos faraós, teve sua cultura simplesmente exterminada? A França de hoje vai deixar de comemorar a sua brilhante cultura e seus feitos históricos porque os antigos gauleses foram simplesmente esmagados e, miscigenados, desapareceram?
Impediu-se a celebração dos 500 anos do Descobrimento porque teríamos dizimado milhões de indígenas.
Injustiça com os índios houve no passado e continua havendo. Índios foram mortos, etnias desapareceram, culturas foram eliminadas. Muito bem. No entanto, quando se fala que aqui havia 6 milhões de índios e que hoje restam 350 mil, a impressão que se dá – se é que não se diz implicitamente – é a de que esses milhões de índios foram massacrados, o que é uma inverdade histórica. Em primeiro lugar, nunca houve recenseamento. Não sei se havia, aqui, seis, cinco, quatro, três, dois milhões ou um milhão de índios, essa é a verdade. E se, hoje, não são mais um milhão, dois, três ou quatro milhões, Senador Paulo Hartung, quer dizer que os exterminamos? Ou eles foram absorvidos e miscigenados nessa civilização mestiça que é o Brasil de hoje? Quem percorrer o meu Estado, o Amazonas, com 2,5 milhões de habitantes, olhe o rosto, a pele, o aspecto físico do nosso caboclo: ou são índios puros, ou são índios misturados com nordestinos.
Como se pode insinuar, Senador Geraldo Melo, como foi feito, de forma abusiva, uma impostura, dando a entender que exterminamos milhões de índios ao longo desses anos todos, de tal forma que só restaram 350 mil indígenas hoje? Os índios se mesclaram, se miscigenaram. Não houve, aqui, um processo sistemático de extermínio de índios, essa é a verdade.
Por que não se celebrou o Descobrimento, fazendo-se uma autocrítica, mas, ao mesmo tempo, registrando-se os enormes avanços que fizemos? Por que não se registra que, hoje, é impensável, Senador Geraldo Melo, a matança de índios, como se fez no passado? Que hoje é inadmissível escravizar-se um índio e sequer invadir-se uma tribo indígena para lhe impor seja o que for? Isso não é um progresso? Não foi um avanço o estabelecimento do Estado democrático de direito, do qual também se beneficiam os índios? Por que não se celebrar isso? Por que se ficar apenas no discurso, repito, odiento, ressentido, apenas a dizer que somos uma civilização feita sobre cadáveres, sobre a destruição de povos, como se tivesse sido diferente em qualquer parte do mundo?
Foi lamentável o que aconteceu.
O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – Permite-me V. Exª um aparte, Senador Jefferson Péres?
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Concedo-o, com muito prazer, Senador Sebastião Rocha.
O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – É muito bom ouvi-lo nesta Casa. Entendo o discurso de V. Exª como um convite à não-radicalização na concepção da História, dos acontecimentos, da evolução dos fatos.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – Perfeitamente.
O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – É importante fazer a reflexão que V. Exª nos traz. Eu, que conheço V. Exª desde que começamos a conviver aqui, sei da responsabilidade com a qual trata os assuntos de sua competência. Não tenho dúvida de que, ao trazer essa reflexão, V. Exª, com certeza, tem a sensibilidade e a compreensão de que ainda há muito que se fazer em favor dos índios, da manutenção dos seus direitos, da preservação de suas culturas. Eu o aparteio, neste momento, sobretudo para dizer que, hoje, recebemos uma delegação de índios - no gabinete da Liderança do Bloco, com a Senadora Heloisa Helena e a Senadora Marina Silva -, principalmente de kaiapós e xavantes, além de representantes de outras aldeias. Não quero desvirtuar o sentido do discurso de V. Exª, quero apenas colaborar, porque a principal reivindicação desses índios é a de que se mantenha a tutela que está no Estatuto do Índio. Hoje, se articula no sentido de que ela seja suprimida, mas eles desejam que ela seja uma opção do índio, individualmente, e não uma determinação. Não quero me alongar, como já disse, para não mudar o sentido do discurso de V. Exª. Queria apenas contribuir com essa fala e cumprimentá-lo pelo discurso que faz e por essa reflexão que traz à Casa na tarde de hoje.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Muito obrigado, Senador Sebastião Rocha. Veja como essa questão indígena é controversa e difícil: o Estatuto dos Povos Indígenas, em tramitação na Câmara dos Deputados, extingue a tutela. Muitas lideranças indígenas ou supostamente indígenas encaram isso como um avanço, uma libertação. No entanto, outros líderes indígenas ou pseudolideranças indígenas, nunca se sabe, estão verberando essa suposta conquista porque acham que a extinção da tutela vai implicar uma aceleração da destruição das culturas indígenas.
É difícil saber onde está a razão e onde está a verdade, de forma que a questão não é simples, mas quando falo que temos muito que celebrar, temos, com certeza. Já devolvemos - não demos de graça - aos povos indígenas 900 mil km² do território brasileiro. São três Itálias, são duas Espanhas quase, Senador Ney Suassuna, que devolvemos demarcadas.
Esse é um fato a registrar, a celebrar, a comemorar. Não estamos fazendo favores. Mas o que me incomoda, o que realmente me deixa desconfortável é ver esse discurso negativista, que parece querer acirrar o ódio racial no Brasil e fazer-nos sentir culpados. Dá a impressão de que eu, descendente de espanhóis e portugueses, certamente com pitadas de índios e negros, também, no meu sangue, teria de pedir desculpas e voltar para a terra dos meus ancestrais – a Espanha e Portugal -, porque há quinhentos anos, fruto de um processo civilizatório inevitável, os portugueses e europeus chegaram às Américas.
Esse tipo de discurso ressentido eu não aceito. Não me sinto culpado de coisa alguma, porque nada fiz para me culpar, Sr. Presidente! É a mesma coisa que, hoje, no discurso absolutamente equivocado, quando se ataca o Governo americano e as organizações não-governamentais americanas porque condenam o que fazemos de errado, inclusive a destruição do meio ambiente, replicamos: "mas os americanos também mataram índios, também destruíram o meio ambiente", como se os americanos de hoje respondessem pelo que fizeram os americanos de 100, 200, 300 anos atrás. Repito: nada fiz para me sentir culpado! Não sou culpado pelo que fizeram os portugueses e os espanhóis a este País. Quando digo que não se registram os fatos positivos, Srs. Senadores, refiro-me, por exemplo, ao que está acontecendo no meu Estado. Além de termos reservas indígenas em grande extensão já demarcadas, temos áreas que são verdadeiros modelos, em termos de respeito à cultura indígena. Temos, não muito longe de Manaus, a Reserva Uaimiri-Atroari. São 1.200.000 hectares, ou sejam, 12.000 km²; uma área maior do que o Líbano, cuja população indígena ali localizada perdeu parte de seu território para a hidrelétrica de Balbina e para a exploração de cassiterita. O que aconteceu, Sr. Presidente? Esses índios estão recebendo royalties. Há poucos tempo eram apenas 200, agora já são 800. Portanto, a população voltou a crescer. Estão se autogovernando e em condições de saúde muito boas. São bilingües, pois se educam e se alfabetizam em seu próprio idioma e em português. Para que abríssemos a rodovia Manaus-Caracas foi preciso que eles nos autorizassem. E tudo foi feito mediante pagamento de indenização e imposição de regras, como o fato de não se poder parar na estrada, tampouco atravessá-la à noite. E isso está sendo respeitado. Lá existe um modelo de como se pode preservar e respeitar as populações indígenas. O mesmo acontece com os Saterés-Maués nos Municípios de Parintins, Maués e Barreirinha, no Amazonas.
Sr. Presidente, lamento profundamente – repito para encerrar o meu discurso conforme o iniciei – que não se tivesse feito dos 500 de Descobrimento, uma festa de congraçamento e de reconciliação nacional.
Era o que eu tinha a dizer.
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