Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES AS MANIFESTAÇÕES INDIGENAS OCORRIDAS DURANTE AS FESTIVIDADES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.

Autor
Gilberto Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES AS MANIFESTAÇÕES INDIGENAS OCORRIDAS DURANTE AS FESTIVIDADES DOS 500 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL.
Aparteantes
Ernandes Amorim, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2000 - Página 8878
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, INDIO, PAIS, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, BRASIL, OCORRENCIA, IMPEDIMENTO, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DA BAHIA (BA).
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ATENDIMENTO, VONTADE, INDIO.
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, IMPASSE, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RONDONIA (RO).

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após a data comemorativa do Descobrimento do Brasil, passamos a ouvir e a ler nos meios de comunicação do País uma série de escritos e de pronunciamentos que causaram, naqueles que prestam atenção a determinados fatos, um certo constrangimento.  

Parece até que foi um crime inventar o Brasil. Parece que foi um absurdo as naus portuguesas chegarem aqui, ignorando-se até que, antes deles, outros aqui estiveram: Diego de Lepe, Américo Vespúcio, Vicente Yanez Pinzón, Arzua e vários outros que estiveram aqui nas costas brasileiras e na entrada do rio Amazonas. Chegaram a dar nomes à região: ao Mar Dulce, de Pinzón, Santa Maria do Mar Dulce, como chamavam o Amazonas; El Dorado e várias outras denominações espanholas. Entretanto, em virtude de um tratado com o Papa, não podiam tornar-se descobridores, porque aquela área havia sido retificada, ultrapassando o tratado inicial estabelecido na Bula Inter Caetera, com o protesto de Dom João II, português. O Papa, que era primo de Dom Fernando da Espanha, Alexandre VI, havia traçado com uma régua aquelas terras, tomando por base as Ilhas de Cabo Verde, dando a Portugal apenas o mar; o restante, a oeste, era da Espanha. Porém, com o protesto de Dom João Sereníssimo, Dom João II, de Portugal, houve uma revisão, e vieram os tratados posteriores, de Tordesilhas, Madri e Santo Afonso. Aquelas terras daqui do oeste seriam terras portuguesas.  

Alem disso, na mesma época em que o Brasil foi descoberto, naquele 22 de abril de 1500, outros países e outras regiões já tinham sido descobertos. Cortéz já havia invadido o México; Pizarro já estava invadindo o Peru; Ponce de Léon já havia invadido a Flórida. E todos esses países da América do Sul surgiram na mesma época do Brasil. Nesse período, nações se constituíram no Norte, na América Central e na América do Sul, todas mais ou menos na mesma época.  

Pergunto àqueles que criticam o Brasil, que fazem com que este País fique sem auto-estima: quais desses países tiveram a projeção alcançada pelo Brasil? Há os Estados Unidos, ao norte, com o Canadá, e o Brasil. O Brasil é a mais pujante nação da América do Sul e é a nona economia do mundo. Temos problemas sociais? Temos. Quem não os tem? A China tem cinco mil anos e tem problemas maiores que os nossos; só 2% do grupo dominante chinês detém praticamente a totalidade da economia chinesa. A vida nas províncias da China é parecida com a vida difícil daqueles que vivem no interior do Brasil e, às vezes, é mais difícil ainda.  

O Brasil não tem 500 anos; como nação, o Brasil tem pouco mais de 300 anos. E este Brasil, de qualquer maneira, apesar de todos esses problemas, das diversidades regionais, das desigualdades, está crescendo. E, nesse período de 500 anos, em que acumulamos vitórias e derrotas, sucessos e insucessos, fizemos aqui o que não se fez em várias partes do mundo: o milagre da miscigenação. Ainda há pouco, com muita propriedade, o Senador Jefferson Péres, da minha terra, abordou esse assunto aqui.  

No Brasil, é comum se dizer alguma coisa e repeti-la, para que se torne uma verdade. Assim, alguns dizem que, na época do Descobrimento, havia cinco milhões de índios no Brasil, outros dizem que aqui havia seis milhões de índios, e outros dizem que havia três milhões e meio de índios. Mas Cabral só esteve em Cabrália. Pelas imagens, pelos relatos do escrivão da frota, havia por volta de 100 ou 200 índios aqui. Portanto, quem os contou para dizer que naquela época havia esse número tão grande de índios no Brasil?  

Sabemos que, quando Hernán Cortés chegou ao México, havia uma estrutura social organizada; os astecas eram um povo desenvolvido. Quando Francisco Pizarro chegou ao Peru, ali havia um dos povos mais desenvolvidos do mundo na época, que eram os incas, com estrutura, com conhecimento, a quem até hoje devemos muito no que diz respeito à agricultura, à conservação de alimentos. Mas, no Brasil, não havia nada, não havia organização, porque aqui sempre existiram os índios mais atrasados da América do Sul. Essa é a realidade!  

O português veio para cá e não fez como os espanhóis fizeram nos outros países. O português, sem preconceitos, encantou-se com as vergonhas, ficou por aqui e fez o cruzamento. Citam que hoje só existem 350 mil índios no Brasil, mas ninguém diz que nós, caboclos, somos 45 milhões e que somos cruza do português com o índio, do branco com o índio, do negro com o índio. Somos 45 milhões no Brasil, todos geneticamente descendentes de índios. Então, os índios não foram exterminados; os índios foram misturados, absorvidos, cruzados e formaram grande parte da população brasileira, como também o foram os negros. Aqueles quatro milhões de negros que vieram para o Brasil como escravos deram origem a 40 milhões de afro-brasileiros, que ajudam a construir esta Pátria.  

Somos uma Pátria miscigenada. Não exterminamos ninguém. Nós nos misturamos. Caldeamo-nos uns nos outros, para formar uma civilização que progride, que tem erros e defeitos, uma civilização onde há uma quantidade de miseráveis muito grande. Isso é real. Não discordo disso.  

Na minha Amazônia, por exemplo, em 1872, havia 347 mil habitantes. No início deste século, em 1900, havia ali 1,5 milhão de habitantes. Mas hoje somos 20 milhões de habitantes, e isso aconteceu no Brasil inteiro. A população cresceu, multiplicou-se, e o desenvolvimento econômico nacional, apesar do crescimento alcançado, não acompanhou o crescimento populacional. Daí as distorções, as desigualdades, as dificuldades de comunicação e de transporte, as distâncias. Tudo isso alimenta os problemas da sociedade brasileira.  

Não se pode – e aqui peço licença ao Líder do Governo no Senado, Senador José Roberto Arruda –, depois de 500 anos de dificuldades e de lutas, em que esses problemas se acumularam, dizer que tudo isso é responsabilidade apenas do Governo do Presidente Fernando Henrique. Dizer que Sua Excelência é o responsável por 500 anos de problemas, quando só temos cinco anos de mandato, é no mínimo uma insensatez. E ninguém disse ainda que, nesses cinco anos de mandato, houve a crise do México, a crise da Rússia, a crise do Sudeste Asiático. Se tudo isso influiu na economia mundial, imaginem a sua influência na economia brasileira, que é fraca!  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT – AC) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) – Logo mais, eu lhe concederei o aparte, com muito prazer, Senadora Marina Silva.  

Sabemos que há erros e situações difíceis, mas não podemos ignorar que, nesses 500 anos, o Brasil ficou diferente, cresceu e caminha a passos largos, queiram ou não, para um grande futuro neste mundo moderno. Depende de nós aceitarmos ou não as imposições que vêm de fora, as falsas ideologias, as pressões. Depende de nós entrarmos ou não na estrada da globalização, sabendo "regular a velocidade do carro". Isso é o que nos cabe fazer e compreender para que possamos efetivamente colher os benefícios da globalização, fazendo com que as coisas boas sejam aproveitadas e as ruins sejam descartadas.  

Concedo o aparte à nobre Senadora Marina Silva.  

A Srª Marina Silva (Bloco/PT – AC) – Senador Gilberto Mestrinho, eu estava acompanhando o pronunciamento de V. Exª, e o dado que V. Exª apresenta, de que somos mais de 40 milhões de caboclos, é uma realidade na diversidade cultural e étnica do nosso País. Porém, no que se refere à questão dos índios, existem alguns dados que nos devem levar a uma reflexão. À época do Descobrimento, eram 5 milhões de índios; em 1800, só eram 3 milhões. São dados cientificamente comprovados, de acordo com estudos possíveis de serem feitos. Isso significa que perdemos 1 milhão de índios a cada século. Considero um número muito grande. Há duas realidades: houve um extermínio por doenças, por matança e, no nosso caso da Amazônia – V. Exª é um conhecedor da realidade da região –, sabemos que houve o fenômeno das correrias. Quando estudante de História, tive oportunidade de entrevistar os chamados veteranos, que contavam como eram feitas as correrias. Os nordestinos, principalmente os cearenses, para ocupar os seringais em que viviam os índios, colocavam fogo nas casas, os cupixauas, e, quando os índios saíam correndo, atiravam neles. E eles contavam, com uma certa dose de orgulho, que os índios bravos eram mortos dessa forma, e os outros eram amansados para trabalhar nos seringais e em barracão. Conheci um índio, chamado Manoel, que foi pego ainda criança, juntamente com sua irmã. Quando seu pai, um velho índio, morreu, ele fez um enterro estranho. Os brancos queriam colocar o corpo numa sepultura e jogar terra em cima, mas ele pôs um anteparo, feito com paus, para que o espírito de seu pai não ficasse preso. Ele era apenas uma criança quando foi retirado do seu meio, todos os seus parentes foram assassinados, apenas ele e sua irmã sobreviveram, mas ele lembrava como deveria fazer para que o espírito do pai não ficasse preso. Houve, portanto, extermínio e também miscigenação, e esta deu origem a V. Exª, a mim e a tantos outros. E essa nossa origem deve clamar um pouco por justiça e por uma reparação para os nossos ancestrais, nem que seja uma ancestralidade pela metade. Concordo com V. Exª, não foram os cinco anos do Presidente Fernando Henrique. Mas esperava-se que, na comemoração dos 500 anos, Sua Excelência tivesse assumido um compromisso com essa reparação. V. Exª, com muita razão, diz que não devemos ficar apenas ouvindo o que vem de fora. Lamentavelmente, a comemoração dos 500 anos foi feita apenas com o Presidente de Portugal, ou seja, com os que vieram de fora, da Europa, enquanto que, com aqueles que deram origem à nossa raça cabocla, ocorreu o episódio que todos conhecem. Desse modo, parabenizo V. Exª por estar colocando a problemática indígena em discussão. Entretanto, gostaria de fazer este aparte, porque o desaparecimento de 3 milhões de índios em 300 anos não pode ser chamado de incorporação, mas de massacre.

 

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) – Nobre Senadora Marina Silva, agradeço a V. Exª pelo aparte. Sei da vivência que V. Exª tem com os kaxinauás, com os apurinãs, com todos aqueles índios que historicamente ocuparam o Acre. Sei também o que ocorreu quando os brabos, como eram chamados os nordestinos, chegaram naquele Estado, na época da exploração da borracha.  

Mas V. Exª sabe que os índios não exploravam os seringais - com exceção dos arembepes, que são os onáguas do Peru, os únicos índios que conheciam a utilização do látex -, mas, como eles viviam na região dos seringais, quando houve a ocupação, a busca pelas drogas do sertão, especialmente pela borracha, surgiram conflitos entre eles e os brabos, embora a maioria da população indígena vivesse na região dos rios de água preta.  

Entretanto, a população indígena vem sendo reduzida e um dia, se Deus quiser, isso reverterá em benefício do próprio índio, pois os índios existirão como uma etnia, não como miseráveis, como ocorre hoje. Sou testemunha disso, porque conheço muitas tribos na Amazônia e sei que os índios são lembrados em determinadas épocas e, depois, são esquecidos. Vale a pena recordar o quanto se falou na demarcação das terras dos ianomâmis, mas, depois, quando suas aldeias pegaram fogo, foram totalmente esquecidos pelos seus protetores.  

Na minha região, fui um dos primeiros, talvez o primeiro, a defender a necessidade de se demarcarem as áreas indígenas. Acredito que elas devem ser demarcadas de acordo com a vontade e a real necessidade do índio, e não como está sendo feito. O índio não pode ser objeto de interesse de terceiros - uns bem-intencionados, mas a maioria movida por interesses políticos -, que fazem com que as populações entrem em confronto sem necessidade.  

Atualmente, estamos vivenciando esse problema em Raposa Serra do Sol, onde 70% dos índios querem a demarcação por blocos, por ilhas, como queriam os ianomâmis. Porém, os falsos protetores dos índios, aqueles que precisam usar o índio em benefício próprio, querem a demarcação contínua. Foi então criado um impasse, que irá prejudicar quem? Setenta por cento dos índios estão apavorados, porque foram ameaçados pelos outros de serem expulsos da região quando as terras forem demarcadas. Vários tuxauas estiveram aqui e me contaram.  

Acredito que vamos perder mais, porque é impossível evitar o cruzamento do caboclo com o branco e com o índio. Não foi extermínio, matança, mas cama e mesa que fez a miscigenação.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB –RO) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – Ouço V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Ernandes Amorim (PPB – RO) – Senador Gilberto Mestrinho, sabemos do seu prestígio e da sua liderança na Amazônia, região que V. Exª conhece profundamente, sendo uma das maiores autoridades no assunto. Quanto às demarcações de terras indígenas, há alguns dias um cidadão chamado Marcelo, representando uma ONG, apresentou ao Fantástico da Rede Globo , no Estado de Rondônia, no Município de Corumbiara, onde morreram tantos sem-terra, um buraco cavado, com um índio dentro, debaixo de um monte de folhas, com uma flecha. Trata-se de uma situação que conhecemos. Esse cidadão pegou dois ou três índios de uma região, um peão de bigode e chinelo havaianas e colocou dentro de um buraco, dizendo que era índio defendendo uma área grande em uma das melhores regiões agrícolas de Rondônia. Então, como V. Exª está explicitando, é bom dizer o que está acontecendo em Rondônia: demarcações aleatórias e irresponsáveis, numa verdadeira fabricação de reservas que tem que ser coibida. Temos que levar esse assunto mais a sério do que temos feito.  

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB – AM) – O problema, nobre Senador, é exatamente este: devemos demarcar as reservas indígenas de acordo com a real necessidade do índio, mas devemos ter também respeito com aquele que não é índio. O que não pode é o índio ter a sua reserva, não permitir a entrada do branco lá, e o índio poder ser Vereador, Deputado, enfim, ocupar cargos públicos com todos os direitos. Mesmo porque o verdadeiro índio não quer isso. O índio verdadeiro não participa daquele movimento. Tinha até índio peruano em Cabrália. Não sei se V. Exªs perceberam, mas a televisão entrevistou um índio que pronunciava blanco. Isso porque ele não é brasileiro, é peruano. Ele vive do lado de lá do rio Javari – o Javari é um rio da fronteira do Amazonas com o Peru –, onde vivem os caceteiros, os corubus. Pois bem, pegaram aquele índio peruano e o levaram para a Bahia, onde foi entrevistado pela televisão. Isso é um absurdo!  

Então, o que queriam fazer? Queriam fazer um desacato, uma promoção, pois são mestres nisso. Se V. Exªs virem a história dessas ONGs, o que elas fazem pelo mundo afora com crianças, com focas, para seduzir, para influenciar, ficarão estarrecidos. Há algum tempo, a televisão mostrou a questão da foca, no Canadá. Eles levaram quatro horas filmando, mas divulgaram as imagens como se elas tivessem acontecido num momento só, para despertar o sentimentalismo do povo e, no fim, angariar recursos.  

O que há, efetivamente, é um movimento em todo o País para fazer com que nós não possamos ser um País grande. Mas o Brasil vai ser grande! O Brasil vai ser forte! E o Brasil de amanhã será um Brasil bem melhor ainda do que o de hoje, porque o Brasil de hoje é melhor do que o de ontem.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2000 - Página 8878