Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL E COM O ALTO INDICE DE DESNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA. DEFESA DA REDEFINIÇÃO DA MATRIZ INDUSTRIAL BRASILEIRA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO-SOCIAL E COM O ALTO INDICE DE DESNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA. DEFESA DA REDEFINIÇÃO DA MATRIZ INDUSTRIAL BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2000 - Página 9169
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, AMBITO, DIVIDA EXTERNA, EPIDEMIA, ENDEMIA, DESEMPREGO, ANALFABETISMO, CORRUPÇÃO, DESNACIONALIZAÇÃO, ECONOMIA, DEPENDENCIA, CAPITAL ESPECULATIVO, RISCOS, SOBERANIA.
  • CRITICA, PROGRAMA, PRIVATIZAÇÃO, PERDA, PATRIMONIO PUBLICO, IRREGULARIDADE, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, EMPRESA, AQUISIÇÃO, EMPRESA ESTATAL, DENUNCIA, SITUAÇÃO, RODOVIA, LIGAÇÃO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ORDEM SOCIAL, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, DEFESA, REFORÇO, ESTADO, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil atravessa um dos momentos mais sensíveis de seus quinhentos anos de história. O país que avança na era digital tem momentos que parecem não ter ultrapassado a época dos vendilhões do templo. Ter nascido brasileiro, que mais se parece uma dádiva do próprio Criador, tem se transformado, em muitos momentos, e para muitos, em razão de desencanto.  

Somos cada vez menos donos dos nossos próprios destinos. O futuro é desenhado por credores que, como vampiros que se saciam do suor de outrem, relegam o texto de uma Constituição dita cidadã a imposições que nos revolvem os idos tempos da Carta Magna de 1.215. É o direito do credor sobre o devedor, sobre o qual se impõe o castigo do rastejo e da submissão.  

É triste olhar para o futuro e ver o passado. Principalmente quando os sonhos são possíveis e a realidade pesadelos.  

O Brasil já deve quase tudo o que produz.  

Já se desfez do patrimônio que se construiu ao longo de décadas de abnegação e trabalho.  

Vê ressurgir males que se esperava erradicados, como a febre amarela, a dengue e a tuberculose.  

O desemprego arranca a cidadania do trabalhador, transformando-o em cidadão sem rosto, relegado à escravidão da miséria e da desesperança.  

Não há remoção de passado que permita estampar igual pilhagem ao dinheiro público que traz intrínseco o custo de oportunidade da dor das filas dos hospitais e da escuridão do analfabetismo.  

A desnacionalização desenfreada e criminosa desmonta o projeto de nação independente e soberana.  

O esfacelamento das instituições chega ao rodapé das pesquisas de opinião.  

O Brasil deve, hoje, mais de meio trilhão de reais. É uma dívida que cresce a taxas geométricas, tornando inimaginável qualquer projeção otimista, por menor que seja o tempo. Quanto deverá o País dentro de cinco anos, por exemplo, se o retorno a igual período passado encontra números que se aproximam de um décimo dos valores atuais? A que título e sob pena de que outra rubrica orçamentária serão pagos os juros e as amortizações da nossa dívida externa que, neste ano, serão quase iguais ao total de nossas exportações? Em 2000, somente a dívida externa nos levará algo como US$ 50,3 bilhões, enquanto as exportações deverão atingir US$ 55,3 bilhões. Admitindo-se a hipótese otimista de déficit comercial zero, serão outros US$ 55,3 bilhões das importações nas contas externas a serem pagas pelo país. Como se inserir, então, numa economia globalizada e de primeiro mundo se os indicadores externos de exportação nos colocam em índices inferiores aos de Bermudas, Costa Rica, Chipre, Líbano, Filipinas e Trinidad e Tobago?  

São informações que explicam nossa dependência à agiotagem internacional. Dentro de pouco tempo, já não produziremos o que necessitamos para pagar o que devemos, além de importarmos, cada vez mais, o que temos condições plenas de produzir. O dinheiro que preenche os nossos balanços não é produtivo, ele se lastreia na sanha desenfreada da especulação.  

O Estado brasileiro foi um dos mais competentes do mundo na montagem de um patrimônio público que definiu, durante muitos anos, os horizontes do investimento produtivo no país. Durante cinco décadas, o Brasil cresceu a taxas superiores à média mundial, tendo o estado como investidor direto e como orientador do capital produtivo privado. Além de empresas do porte da Companhia Vale do Rio Doce e da Petrobras, montou-se os parques petroquímico e siderúrgico que se constituíram, ao longo de cinco décadas, no suporte indispensável à industrialização nacional.  

Pois bem, sem um programa de desenvolvimento econômico e social e sem a redefinição da matriz industrial brasileira, o programa de privatizações, apesar de outros objetivos alegados, serviu, apenas, para "fazer caixa" no sentido do ajuste fiscal e do pagamento da dívida pública. Isso quer dizer que as estatais fortificadas durante cinco décadas foram, de cambulhada, entregues aos especuladores internacionais. Mais do que isso, os adquirentes dessas mesmas estatais, receberam, a título de incentivo ao "sucesso" dos leilões, incentivos fiscais que ultrapassam os seus valores patrimoniais. Para um patrimônio leiloado de R$ 38 bilhões, foram repassados benefícios que ultrapassam os R$ 45 bilhões. Mesmo em relação aos valores totais de leilão, tais benefícios são mais que significativos: quase dois terços dos R$ 70 bilhões. Depois de privatizadas, essas mesmas empresas receberam injeções de recursos públicos a juros e encargos subsidiados.  

Para se ter uma idéia de tamanha sangria de recursos públicos, o Governo Federal está em vias de transferir para a iniciativa privada, totalmente grátis, a exploração das rodovias Fernão Dias (São Paulo-Belo Horizonte) e Régis Bittencourt (São Paulo-Florianópolis). Ocorre que, ambas as estradas receberam, nos últimos anos, a título de recuperação e duplicação, um total aproximado de US$ 2,9 bilhões. Isso significa que, para receber, de graça, uma atividade que deverá gerar grandes lucros imediatamente após as privatizações, os empresários privados terão, também de graça, o equivalente a uma Companhia Vale do Rio Doce!  

Um dos objetivos constantes do programa de privatizações é colocar o "estado no lugar certo", retirando-o de ações tipicamente produtivas, para o cumprimento de atividades sociais, como saúde, educação e segurança pública. Uma leitura, por menos atenta que seja, no noticiário atual é o testemunho mais que perfeito para atestar o descumprimento de tal objetivo. As cidades mais se parecem campos da batalha não declarada, o analfabetismo ainda é a cegueira cultural e política do povo e a saúde traz a lume epidemias e endemias que pareciam história de um século passado.  

O desemprego atinge índices alarmantes. E os percentuais de desemprego aberto, algo próximo dos 8%, escondem uma realidade muito mais contundente. O desemprego oculto, particularmente pelo desalento, já atinge um em cada cinco trabalhadores brasileiros. E o tempo em que um trabalhador permanece sem ocupação, até dois anos passados em torno de 6 meses, hoje já ultrapassa os dois anos, criando o que os psicólogos denominam "desempregados psicológicos", ou seja, aqueles que passam a julgar-se incompetentes para o trabalho, mesmo naquelas atividades que já desempenharam funções durante anos, quando empregados. Quando encontram ocupação, executam atividades informais, sem carteira assinada, sem, portanto, qualquer garantia previdenciária e de atendimento à saúde. A não contribuição para a previdência social causa um rombo anual de R$ 10 bilhões, já que, na presente década, o número de trabalhadores passou de 60,6 para 69,9 milhões, enquanto o número de contribuintes estacionou na casa dos 31 milhões. Esse mesmo rombo é rateado, na atribuição de culpa e no confisco de salários, principalmente, entre os funcionários públicos e os aposentados.  

A corrupção, no Brasil, já se tornou cativa em todos os níveis de governo. Como um câncer, transforma a Administração Pública num leito de morte. O dinheiro público tem, cada vez menos, valor de face. É que dele se subtrai, cada vez mais, o deságio da propina, do superfaturamento e da usura. E, aí, o anônimo que desfalece na fila do hospital público é o contraponto da conta fantasma. Ambos desconhecidos, o primeiro porque cidadão sem rosto, a segunda porque de titular sem caráter.  

Os índices de desnacionalização da economia brasileira já ultrapassam os limites da soberania. As ordens superiores nas fábricas, nos bancos e nos serviços mais essenciais já não são mais ditadas na língua pátria. Já não nossos os interesses; eles são traduzidos ou, no mínimo, carregam forte sotaque. Triste contradição. Essas ordens partem de países que protegem suas atividades mais estratégicas, não permitindo a desnacionalização e, em muitos casos, a desestatização. É o caso, por exemplo, da geração de energia elétrica nos Estados Unidos, nas mãos, quase que totalmente, das forças armadas americanas. Como não lhes é permitido investir lá, o capital internacional pressiona pela abertura desenfreada da nossa economia, correspondida por total submissão e conseqüente perda de soberania. Pior: com incentivos de toda a natureza, da doação de espaços públicos à montagem gratuita de infra-estrutura e aos benefícios fiscais e creditícios. Com o nosso dinheiro, adquirem as nossas fábricas, os nossos bancos e os nossos serviços e, também com o nosso dinheiro, minimizam o desemprego em seus países de origem, ao importar a mão-de-obra que, antes, dispensava tradução simultânea.  

Mas, a questão mais sensível, em termos políticos, para o Brasil de nossos dias é o total esfacelamento de suas instituições públicas. Não se trata, apenas, de uma questão conseqüente das demais mazelas já apontadas. O desmonte do estado brasileiro deu-se através de um processo articulado e premeditado. Para que se viabilizasse o saque ao patrimônio público e à nossa soberania, haveria que tornar o estado indefeso, frágil e desarticulado. Não foram frutos do acaso a quebra da estabilidade do funcionalismo público, o congelamento de seus salários, as colocações em disponibilidade e, principalmente, a total desestruturação das procuradorias jurídicas das instituições públicas mais estratégicas.  

Procurou-se alardear, para o grande público, um funcionalismo preguiçoso e um estado paquidérmico, tudo para justificar e legitimar o ataque ao patrimônio público com a menor resistência possível.  

O que não se esperava, quem sabe, é que, a mesma população que se mostrou inerte na entrega do que lhe pertencia, por herança do suor de seus antepassados, tão cedo pudesse se conscientizar de que foi vítima de propaganda enganosa. Não é à toa que, em todos os poderes e em todos os níveis de governo, jamais os índices de legitimidade atingiram tamanhos mínimos. O índice de reprovação, principalmente do Governo Federal e do Congresso Nacional e, particularmente, dos partidos políticos brasileiros, chegam ao rodapé das pesquisas de opinião.

 

Não há catastrofismo em toda essa análise. É a leitura de indicadores que recheiam o país desta virada de século e de milênio. E, são esses mesmos indicadores que também ilustram o noticiário e a realidade do dia-a-dia. O país está vendendo todo o seu patrimônio e, ainda assim, deve quase que tudo o que produz em um ano; está perdendo, a olhos sentidos, a sua soberania; o desemprego atinge ou ameaça todos os brasileiros; epidemias que pareciam histórias passadas voltam à ronda; balas perdidas atravessam ruas e esquinas, agora não somente nas grandes cidades; a corrupção mancha o dinheiro público e as instituições brasileiras mais representativas carecem de legitimidade popular. São indicadores, portanto, de um país fragilizado e indefeso, politicamente.  

Os acontecimentos que marcaram as comemorações pelos quinhentos anos do descobrimento do Brasil podem trazer a lume um dos possíveis cenários moldados por tal sensibilidade política. A linha demarcatória entre as instituições públicas e o povo foi ocupada pela força bruta. E essa força mostrou que, a uma ordem superior, é capaz de isolar o poder, mesmo que passando por cima de um índio deitado, ou de joelhos.  

Qual será a ordem, e de quem ela emanará, se todos os índios resolverem se levantar, pintados para a guerra?  

Até aqui, a força e a índole de paz mantiveram o convívio de um país que ultrapassa o supérfluo, com outro que ainda almeja o básico. É que a força sempre esteve do lado do primeiro e a índole de paz, do segundo. A primeira, parece ser ilimitada, a segunda, nem sempre.  

É o momento, portanto, mais que necessário, para a concepção de um novo projeto de país. O Brasil possui, em abundância, os mais valiosos recursos naturais do planeta, dimensão geográfica continental, mercado interno com demanda reprimida que ultrapassa a soma da população de todos os demais países da América do Sul e recursos financeiros que, se melhor canalizados, poderiam viabilizar a nova economia brasileira.  

Não há como repensar a produção nacional a partir do investimento privado, como pretendem os apologistas do mercado. Para esse mesmo mercado, talvez seja suficiente que 35 milhões de brasileiros (uma população equivalente à da Argentina) mantenham-se consumidores, independendo se de produtos importados, mesmo que isso caracterize um verdadeiro apartheid social, que relega para "o lado escuro do mundo" os demais 125 milhões. O mercado já se mostrou segregador e maximizador dos desequilíbrios regionais e pessoais de renda, além de agudizar a dependência aos interesses externos. É somente a partir do Estado que se viabilizará a prioridade pelo mercado interno, com a conseqüente geração de empregos e a incorporação de tamanho contingente de consumidores. Não haverá, portanto, nova economia sem a reestruturação do Estado brasileiro, defeso e politicamente forte.  

Aceita a premissa de que não haverá nova economia, baseada em melhor distribuição de renda e na soberania nacional, sem um estado forte, há que estancar, imediatamente, as privatizações. Até porque, as estatais lucrativas são a fonte mais viável para a geração de recursos para o pagamento da dívida pública, ainda que em novos moldes. Alguns segmentos das estatais poderão ser privatizados, mas, a partir do novo projeto de desenvolvimento econômico e social e no contexto de uma nova matriz industrial para o país. Os segmentos já privatizados devem ser revistos, não se negando a retomada da ação do Estado naqueles considerados estratégicos, no sentido de orientar o investimento privado. Isso pode ocorrer, por exemplo, com os setores petroquímico e siderúrgico, considerados multiplicadores de novos investimentos. O mesmo pode acontecer com a indústria de fertilizantes, estratégica para uma política de produção de alimentos, em um país no qual 47 milhões continuam abaixo da linha de pobreza e sem condições, nem mesmo, de adquirir a sua alimentação básica. Não deve ser cogitada a privatização de segmentos considerados estratégicos para a soberania nacional, como, por exemplo, o de geração de energia elétrica, que traz em seu bojo a questão do uso alternativo da água, sabidamente o recurso mais estratégico no próximo milênio e, conseqüentemente, gerador de poder e de cobiça no cenário internacional.  

As orientações de investimento e de financiamento público devem ser dadas a nível macro, mas a execução dos respectivos projetos deve priorizar o nível local, maximizando-se os recursos ali existentes. Para isso, o município deve constituir-se no nível de excelência na execução das ações planejadas, orientadas e financiadas em âmbito nacional e, sempre que possível, regional. Ali também torna-se mais fácil a participação popular na execução das ações, no sentido da sua legitimação e da agilização de recursos latentes, existentes nas comunidades envolvidas.  

Uma outra questão também considerada fundamental é que devem ser priorizadas ações geradoras de emprego e melhor distribuidoras de renda. É neste sentido que se deve dar prioridade absoluta à reforma agrária e à pequena e média empresas.  

Todas as ações empreendidas pelo Estado, na orientação e no financiamento público, devem direcionar-se no sentido do fortalecimento das instituições públicas enquanto mecanismo de poder. O estado deve ser o reflexo dos interesses maiores da sociedade e, enquanto tal, o guardião da cidadania, da democracia e da soberania. O que se observa, hoje, parece indicar o contrário: o Estado caminha na contramão dos interesses nacionais, ao privilegiar o saneamento de bancos falidos, o financiamento de empresas multinacionais e atividades pouco geradoras de mão de obra. Quanto à cidadania e à soberania, ambas já se mostram arranhadas. No que se refere à democracia, o passado recente ainda causa arrepios, principalmente quando se assiste às cenas dos últimos dias da ação do aparato de segurança do Estado frente à população que pede trabalho, pão e um pedaço de chão.  

O Brasil é um país de tamanho continental, com todos os micro-climas do planeta, com reservas de recursos minerais dos mais estratégicos, vitais para a tecnologia do terceiro milênio, com um quinto de toda a água doce aproveitável, com a maior floresta do mundo, sem maiores intempéries climáticas e com um mercado potencial de 160 milhões de consumidores. Não é à toa, portanto, a sanha para globalizá-lo. Manter tamanho potencial sob as rédeas do mercado significa, indelevelmente, destroçar qualquer projeto de país soberano e independente.  

A retomada do desenvolvimento com maior distribuição de renda não se viabilizará, nem através de um mercado forte, nem de um Estado frágil. É evidente que não se cogita enfraquecer o mercado. Na opção pela cidadania, pela democracia e pela soberania, resta, portanto, fortalecer o Estado. Mas, é óbvio e o passado assim recomenda, o pior dos mundos é a ação do Estado com força bruta.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

Ðá


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2000 - Página 9169