Pronunciamento de Alvaro Dias em 05/05/2000
Discurso durante a 53ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
LEITURA DE CARTA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DO ESTADO DO PARANA SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.963-17, QUE TRATA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- LEITURA DE CARTA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DO ESTADO DO PARANA SOBRE A MEDIDA PROVISORIA 1.963-17, QUE TRATA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 06/05/2000 - Página 9337
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
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- CRITICA, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, CAPITALIZAÇÃO, JUROS, MOTIVO, DESCONHECIMENTO, CIDADÃO, DISPOSITIVOS, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS.
- APRESENTAÇÃO, EMENDA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETIVO, IMPEDIMENTO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS, SOCIEDADE.
- LEITURA, CARTA, AUTORIA, ASSOCIAÇÃO COMERCIAL, ESTADO DO PARANA (PR), DESTINAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPUDIO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, CAPITALIZAÇÃO, JUROS, MOTIVO, INCENTIVO, AGIOTAGEM.
O SR. ALVARO DIAS
(PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, minha missão nesta tribuna hoje é repercutir posicionamento da Associação Comercial e Industrial do Paraná no que diz respeito à Medida Provisória nº 1963-17, publicada no Diário Oficial da União
do dia 31 de março do corrente ano, que trata da capitalização dos juros ou dos juros compostos.
A Associação Comercial e Industrial do Paraná remete carta aberta ao Presidente da República a respeito deste tema. Antes de fazer a leitura desta carta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo abordar a questão colocando o meu ponto de vista a respeito.
Esta prática financeira, que se tornou legal, entrou no mundo jurídico em empréstimos de prazo inferior a um ano, a partir da republicação da Medida Provisória nº 1963 no dia 31 de março. Mais especificamente, permitiu-o o art. 5º da mencionada medida provisória, dispositivo enxertado nessa MP somente agora, tendo estado ausente nas republicações anteriores.
A questão da permissão ou não dos juros compostos, nas transações econômico-financeiras, é um assunto controverso. Como sabemos, os juros compostos ou, o que é dizer a mesma coisa, a capitalização dos juros caracterizam-se pela cobrança de juros sobre juros. Supondo, por exemplo, um empréstimo a ser pago em parcelas mensais, a capitalização dos juros permitiria que o juro pago, a cada mês, incidisse sobre o capital inicial emprestado, acrescido dos juros referentes aos meses anteriores.
Nos empréstimos em que incidem juros simples, a capitalização é linear. Nos empréstimos em que incidem juros compostos, a capitalização é exponencial.
Por que tal assunto é controverso, Sr. Presidente?
Por parte dos que defendem a legalização dos juros compostos, - aos quais, de antemão, revelo que desejo me contrapor, - há dois argumentos fortes.
O primeiro deles é que a prática dos juros compostos é generalizada no mercado financeiro, sendo sua legalização apenas o reconhecimento de uma situação de fato. Vejam que esse argumento não vai ao cerne da questão, que é a de se deveriam ser lícitos ou não os juros compostos, mas afirma implicitamente que o Estado brasileiro não consegue nem conseguirá fazer valer uma lei que proíba os juros compostos. Como os juros compostos eram proibidos até 31 de março, data da publicação da Medida Provisória e como nem por isso deixavam de ser praticados, parece que alguma razão assiste a esse argumento. Infelizmente, como sabemos, em nosso País, há um fosso muito grande a separar as situações de direito e as situações de fato. Pode ser que essa proibição seja um daqueles casos abundantes, em que a lei não pegou .
Diga-se, de passagem, que um comando jurídico que proibisse qualquer prática de juros compostos colocaria a caderneta de poupança, em seus moldes atuais, fora da lei, pois os rendimentos da caderneta de poupança são resultado da incidência de juros compostos, de juros sobre juros, de capitalização mensal. Não só a caderneta, mas diversos fundos de investimentos, os CDB’s e também o FGTS.
Entretanto, - voltando ao argumento a favor dos juros compostos e contrapondo-se-lhe um fato, - um olhar mais atento revelará que são em grande número os mutuários que têm obtido ganho de causa na Justiça contra a sua cobrança. (Refiro-me à situação anterior à vigência da MP em tela.) Para isso, esses mutuários têm-se escudado em dispositivos legais, tais como o Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, e a Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal. Portanto, não é totalmente verdade que a lei seja ineficaz, pelo menos para uma parcela dos cidadãos que dispõem de paciência e de recursos financeiros para acionar a Justiça.
O segundo argumento dos que defendem a legalização dos juros compostos – e esse é um argumento mais forte ainda – é de que sua proibição é ineficaz, não só juridicamente, mas também matematicamente. Explica-se melhor. Tanto faz, por exemplo, fazer um empréstimo à taxa de juro composta de 1% ao mês, quanto fazer um empréstimo à taxa de juro simples de 12,68% ao ano. O custo é o mesmo. Assim, há equivalência entre taxas de juro compostas e taxas de juro simples. Uma pode ser convertida na outra. De forma que, caso se proíbam aos bancos emprestar a taxas de juro compostas, eles simplesmente vão emprestar a taxas de juro simples que correspondam àquelas. Nada vão perder. Os mutuários nada vão ganhar.
Tenho que esse argumento é irrefutável e não pretendo contestá-lo.
Isso sendo assim, como eu poderia ser contra a legalização dos juros compostos?
Sou contra por uma razão muito simples. Uma razão que é lateral à questão da liceidade ou não dos juros compostos. Essa razão é a transparência.
Porque os mutuários, o cidadão que vai ao banco ou à financeira pegar um empréstimo, via de regra, não tem conhecimento técnico do que sejam juros compostos. Os juros compostos não são uma noção intuitiva, como o são os juros simples: é um conceito mais complexo. Daí que se dá margem a muito engano por parte dos mutuários e a muita enganação por parte dos mutuantes, isto é, dos emprestadores.
É claro que uma empresa de porte médio, que disponha até mesmo de departamento de contabilidade, não é induzida ao erro. Numa empresa assim, sabe-se que 1% ao mês, em regime de capitalização, e 12,68% ao ano, em regime de juro simples, é rigorosamente a mesma coisa. Mas imaginemos, por exemplo, um pequeno agricultor que vai ao banco para financiar seu plantio. Chega na hora de saldar a dívida, ele vê, assustado, que o que deve não é nada daquilo que estava imaginando. O mesmo ocorre com muitos e muitos cidadãos brasileiros.
Por isso, na minha opinião, os juros compostos não devem ser permitidos no mundo jurídico e - tenho grande esperança, também no mundo social.
Por isso, Sr. Presidente, além das emendas já apresentadas pelo Senador Osmar Dias, pelo Senador Pedro Simon e certamente outros Senadores, revogando o art. 5º dessa Medida Provisória, apresento nova emenda que dá ao inciso I do § 1º do art. 3º da MP 1.925-7 uma nova redação, procurando dessa forma eliminar a possibilidade de se estabelecer no mundo jurídico, através dessas medidas provisórias, os juros compostos que estamos aqui combatendo.
Aliás, tenho recebido manifestações inúmeras de associações empresariais, do Paraná e de todo o País, contra os juros compostos e, por via de conseqüência, contra esse art. 5º da Medida Provisória mencionada, como essa carta aberta da Associação Comercial do Paraná, dirigida ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Peço permissão aos Srs. Senadores para fazer leitura desse documento:
A recente iniciativa do Governo de Vossa Excelência, [Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso], em editar preceito legal que autoriza a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (art. 5º, Medida Provisória 1963-17), trouxe sobressalto e desassossego às atividades econômicas de produção e de distribuição desenvolvidas pelas empresas que se albergam sob a égide institucional desta Associação Comercial do Paraná.
Por primeiro, há que relevar tratar-se a matéria de juros fenômeno muito complexo para ser versado em Medida Provisória, quando a própria Constituição Federal estabelece caber ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, ‘dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: ...matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações’ (art. 48, XIII).
E mais: é providência estranha, pois erige privilégio exclusivo a ser detido por um setor da economia brasileira, que há muitos anos vem operando sem o benéfico oxigênio da competição, e acontece em oposição, confronto e menosprezo a toda elaboração jurisprudencial, que veda a incidência de juros sobre juros (Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal), não excluindo dessa proibição as instituições financeiras ao realizarem contratos com prazo inferior a um ano.
A ausência de lei que discipline, até aqui e ao comando do § 3º do art. 192 do Estatuto Básico de 1988, o limite anual de doze por cento das taxas de juros reais (nelas incluídas comissões e remunerações referidas à concessão do crédito) faz prevalente o regime de juros bancários legislado pelo Decreto-lei n.º 22.626, de 1933, e ruptura na hierarquia de normas, na medida em que ordinariamente se admite implementar a capitalização de juros sem antecedente estimulação de seu teto superior anual.
Aliás, a recomendação de estipular, em lei, o limite superior de juros é doutrinária. Adam Smith (em a Riqueza das Nações) já dizia "que a lei, visando a impedir a extorsão mediante a usura, geralmente fixa a taxa máxima que se pode cobrar sem incorrer em penalidades".
De conseguinte, sem prévia e clara construção preceptiva do conteúdo das taxas de juros reais para os efeitos do indigitado § 3º do art. 192 da CF - 88, não há espaço para introduzir juros capitalizados.
É que os juros correntes, segundo a cultura que orienta o mercado financeiro, estão contaminados por um verdadeiro coquetel de taxas, de comissões e de encargos que exponenciam o seu valor, a exemplo dos denominados riscos de desvalorização da moeda, riscos de inadimplência, comissões de permanência, expectativa de inflação e da elevada carga de impostos que permeia a formação das taxas de juros.
Sem limpá-los e dar-lhes, por lei complementar, a dimensão constitucionalmente estipulada, a prática do anatocismo, que agora legalmente se pretende autorizada, eleva às alturas a onerosidade das dívidas bancárias e põe a pique o setor produtivo e os consumidores que as tenham contraído. Em realidade, a Medida Provisória institucionaliza a agiotagem e estimula um procedimento que a sociedade sempre reprovou.
A ordem natural das coisas nos informa que ‘o grão de trigo, para dar frutos, precisa morrer". De igual maneira, nas atividades de se produzir e distribuir riquezas, todo o aparato de instalações e de máquinas se desgasta e se consome; enfim, morre. E o valor do que se precisou gastar para a produção presente é diluído no preço de cada unidade de riqueza gerada para acumular recursos necessários à reposição do capital reprodutivo a ser empregado no futuro.
Somente em estruturas de mercado monopolistas é que se verifica possível a inclusão, no curso do investimento presente do grão de trigo que vai morrer na safra seguinte ou das máquinas que irão produzir novos bens em tempos vindouros, e todos sabemos quão nefastos para o desenvolvimento social e econômico se apresentam esses procedimentos que indicam a soberania do produtor (na dicção de John Kenneth Galbraith, economista canadense e consultor econômico do Governo Kennedy).
Admitir a capitalização de juros assume o mesmo significado de uma depreciação dobrada do capital investido em sementes ou em máquinas, implicando cobrar, nos dias de hoje, o esforço produtivo de quem desfrutará de bens e serviços no futuro. Por óbvio, a prática representa concentração, nas mãos de poucos agentes econômicos, do poder de organizar a produção do porvir.
Se há tanto empenho hoje do Governo de Vossa Excelência na direção de dotar a economia brasileira de mecanismos institucionais tendentes a ampliar, em todos os setores, o grau de concorrência (o Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem dado mostras de que se molda um ambiente econômico competitivo no Brasil), a iniciativa de legalizar a capitalização dos juros certamente não se insere nesse novo modelo e se prestará tão-só a conferir abusividade na cobrança dos encargos bancários e a consolidar a soberania das atividades financeiras sobre as produtivas, em detrimento do acesso dos consumidores a uma mais generosa oferta de bens e serviços.
Diante dessas considerações, a Associação Comercial do Paraná entende inoportuna a medida legal que autoriza o anatocismo e requer a sua imediata exclusão do mundo jurídico.
Atenciosamente, Jonel Chede, Presidente, Marcos Domakoski, Vice-Presidente e Coordenador do Conselho Político."
Portanto, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, registro essa correspondência, já em mãos do Presidente da República, alertando para a incoerência da prática dessa medida, se levarmos em consideração as manifestações de natureza política do próprio Presidente da República, que pretende iniciar um processo que permita a retomada do desenvolvimento econômico no nosso País - desenvolvimento econômico com geração de empregos, desenvolvimento econômico para todos, frise-se, com geração de empregos e justiça social.
Além, evidentemente, das medidas já adotadas nesta Casa, aqui já referidas, com propostas de emendas a essa medida provisória para eliminar a prática da acumulação de juros, esperamos que o próprio Presidente da República determine à equipe econômica providências imediatas para que não se introduza no mundo jurídico a prática da acumulação de juros, que reputamos nociva aos interesses do desenvolvimento econômico e humano em nosso País.