Discurso durante a 53ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A MEDIDA PROVISORIA 1.939, QUE POSSIBILITA AOS DEFICIENTES FISICOS APENAS A AQUISIÇÃO DE VEICULOS A ALCOOL COM ISENÇÃO FISCAL. EXPLICAÇÃO A ATUAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • CRITICAS A MEDIDA PROVISORIA 1.939, QUE POSSIBILITA AOS DEFICIENTES FISICOS APENAS A AQUISIÇÃO DE VEICULOS A ALCOOL COM ISENÇÃO FISCAL. EXPLICAÇÃO A ATUAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM-TERRA.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/2000 - Página 9342
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), LIMITAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, DEFICIENTE FISICO, AQUISIÇÃO, AUTOMOVEL, UTILIZAÇÃO, ALCOOL, COMBUSTIVEL, MOTIVO, AUSENCIA, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, BRASIL, FABRICAÇÃO, VEICULO AUTOMOTOR, AUTOMAÇÃO, CAMBIO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETIVO, GARANTIA, DEFICIENTE FISICO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE.
  • DEFESA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, LUTA, BUSCA, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, EMPREGO, DIREITO DE PROPRIEDADE, DIREITO A VIDA.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendia falar sobre os problemas que estão ocorrendo no País, mas terei de fazê-lo, diante do pronunciamento do Líder do Governo, Senador José Roberto Arruda.

Entretanto, primeiramente, falarei sobre o assunto que realmente me traz à tribuna hoje e que, por várias vezes, já tive a oportunidade de abordar neste plenário, mas, infelizmente, a irresponsabilidade e a insensibilidade do Governo Federal fazem com que ele não consiga entender o significado da reedição da Medida Provisória nº 1.939, em relação à vida de mais de 10% da população, ou seja, 16 milhões de deficientes físicos.

Hoje, os deficientes físicos que têm condições financeiras para comprar um carro não podem fazê-lo, porque o Governo Federal, no auge da sua irresponsabilidade e insensibilidade, não consegue ouvir o que várias vezes dissemos nesta Casa, assim como todas as entidades que trabalham com deficientes físicos.

Srª Presidente, tenho recebido centenas de e-mails sobre o tema e lerei um pequeno parágrafo de um deles. Trata-se de um policial, deficiente físico, que, portanto, tem necessidades especiais. Diz ele:

            “Fiquei paraplégico, pois tinha como ideal, sendo um policial civil, defender e promover a justiça para o povo. E foi defendendo esse ideal que fui baleado. Mas a minha revolta maior não é com aquele que me colocou em uma cadeira de rodas, pois ele, pelo menos, assumia que era um mau caráter, e nós sabíamos que ele não estava do nosso lado e que também não tinha sido eleito pelo povo. Era um ladrão; e eu, um policial. Tudo estava bem definido, o que não ocorre com os dirigentes deste País, porque ninguém sabe quem trabalha contra ou a favor do povo, se é que existe alguém trabalhando a favor do povo. Poderia escrever mais de 20 páginas descrevendo a minha indignação pelas atitudes daqueles que têm nas mãos o poder de corrigir erros, ajudar os que precisam, mas nem mesmo mil páginas poderiam mudar o caráter dos nossos governantes. Todas as vezes que terminava uma carta destas pedia a Deus que iluminasse e abençoasse os Srs. Deputados e Srs. Senadores, mas agora, talvez, tenha que pedir a Ele que os perdoem”.

Srª Presidente, a medida provisória do Governo Federal que fez alterações na Lei nº 8.989, reduzindo em cerca de 25% o valor dos veículos com câmbio automático, deveria beneficiar os deficientes físicos, porque são esses os automóveis que podem ser utilizados por essas pessoas, marcadas pela natureza ou por um agravo da vida coletiva.

No entanto, o Governo Federal - irresponsável, incompetente, insensível - estabeleceu na medida provisória que os únicos carros que terão a isenção são os carros a álcool, ou seja, aqueles produzidos pela indústria nacional. Porém, eles são tão incompetentes que não sabem que a indústria nacional, a indústria que produz carro a álcool, não fabrica carro com câmbio automático.

Eu já disse isso várias vezes nesta Casa. Já apelamos à Bancada do Governo para que seja modificada a medida provisória em sua próxima reedição, porque o Congresso Nacional não faz nada em relação às medidas provisórias. É preciso que se resolva essa situação, para que sejam favorecidos os poucos deficientes que conseguem se habilitar diante de toda a burocracia estabelecida pela Receita, que têm um pouco de dinheiro e que querem ter uma vida normal. É preciso que o Governo Federal deixe de fazer demagogia. Como o Governo diz que está concedendo isenção para os deficientes, se a indústria automobilística que fabrica carro a álcool não o produz com câmbio automático?

Este é mais um apelo que faço. Já que o Congresso Nacional não analisa as medidas provisórias, as ações do Senador virtual, do Congressista virtual, que é o Presidente da República, que, pelo menos, a base de sustentação do Governo faça um esforço para que, na reedição da medida provisória, se estabeleçam os mecanismos concretos para que os deficientes físicos possam ter acesso àquilo que a Constituição lhes garante.

Srª Presidente, por várias vezes tive a oportunidade de falar sobre os últimos acontecimentos - que têm mexido com mentes e corações pelo País afora - ligados à reforma agrária, ao Movimento dos Sem-Terra, à Comissão Pastoral da Terra, a vários movimentos que lutam contra a violência no campo, pela paz no campo, pela reforma agrária.

É evidente que em um país de dimensões continentais, com um potencial de áreas agricultáveis e de recursos hídricos, que poderia ser uma referência internacional na produção de alimentos, para combater a vergonha deste novo século, que é a fome, portanto, na dinamização da economia, na geração de emprego e renda, então, a reforma agrária é uma necessidade.

Claro que a nossa elite nacional, decadente, incompetente, insensível, não consegue entender isso e acaba levando a bandeira da reforma agrária para os movimentos sociais ou os partidos de esquerda. Imagine, Srª Presidente! A reforma agrária sempre foi uma bandeira da burguesia na Europa, nos Estados Unidos. O problema é que a nossa elite nacional é tão incompetente, decadente, insensível, tão acovardada do latifúndio que não consegue fazer reforma agrária que esta, então, passou a ser uma bandeira dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda. Por quê? Porque, embora a Constituição mande que se faça reforma agrária - com algumas limitações, é verdade, mas manda -, a elite nacional, a elite política, completamente presa pela estrutura arcaica, decadente, incompetente, irresponsável do latifúndio produtivo é incapaz de arrancar as cercas. É por isso que existe o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Comissão Pastoral da Terra. Quando o Governo não cumpre a lei, esses movimentos ressurgem com toda a força, no sentido de, pelo menos, garantir que o Governo Federal faça a reforma agrária.

Hoje, Srª Presidente, Srs. Senadores, com as palavras ditas pelo Líder do Governo, se o assunto não fosse tão trágico, seria até o caso de rirmos. Sei que as palavras não pertencem a uma ou a outra pessoa. A palavra é o instrumento de convivência pública; a palavra não é um instrumento de propriedade de uma ou de outra personalidade política; as palavras servem para esclarecer, como também servem para manipular verdades. Talvez um dia criemos um instrumento - eletrônico, quem sabe, com tanta tecnologia - que possa nos Parlamentos, à maneira do detector de mentiras, ficar perto de todos os discursos de todas as personalidades políticas, para que possamos observar se existe coerência ou abismo entre o que as pessoas dizem e as suas histórias de vida, ou seja, entre o que se faz e o que se diz, que é justamente o que os nossos dicionários caracterizam como demagogia: o abismo entre o que se diz e o que efetivamente se faz.

Fiquei realmente impressionada diante de tantas palavras que foram ditas aqui contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “golpe”, “conspiração”, “refém”, “comemorar defunto”, “matar a mãe”, “saques”, “invasão”, “conspiração contra a democracia”, “reviver o sentimento da ditadura”.

Srª Presidente, Srs. Senadores, é muito difícil aceitarmos isso; é muito difícil aceitarmos de quem não cumpre a lei, de quem golpeia a Constituição, palavras que dizem que o grande “artífice” contra a Constituição, contra a democracia, contra o Estado de Direito, contra a ordem jurídica vigente é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Vejamos o que diz a lei, que não foi construída por um partido de esquerda, que não pertence ao PT, ao PDT, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Vejamos o que diz a lei, a Constituição, que reflete, inclusive, por mais conquistas que a sociedade tenha conseguido aqui estabelecer, o sentimento, a determinação também da elite política e econômica do País. A nossa Constituição estabelece pontos muito interessantes. Em seu art. 1º, diz:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

            IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa(...)

            Diz ainda, em seu art. 3º:

Art 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos (...)

Olha que maravilha! Até parece que são palavras dos Partidos de Oposição, mas está aqui na Constituição.

            Há outros pontos também muito interessantes na Constituição, que diz, em seu art. 5º, II, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

            Imagine, Srª Presidente, se existe algum tratamento mais desumano e degradante que a fome. Imagine que tratamento desumano e degradante são milhões de pessoas por este País, perambulando pelas estradas, porque não têm um pedaço de terra para plantar um pé de feijão e alimentar os seus filhos. Imaginem que tratamento desumano e degradante significa ficar embaixo de um barraco de lona! Eu já disse isto aqui nesta Casa: talvez fosse uma experiência interessantíssima para todos nós passarmos uma semana naquilo que o Governo Federal diz que são assentamentos, mas que nada mais são do que exemplo de favelização rural, ou embaixo das cidades de lona, onde ficam as pessoas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Fiquemos embaixo de uma barraca de lona para vermos o que isso significa. Até parece que é algo maravilhoso fazer ocupação; até parece que é algo maravilhoso enfrentar com uma foice velha, com um facão velho, as metralhadoras, enfrentar a pistolagem, o crime organizado, o aparato de segurança pública, muitas vezes, não a serviço da lei ou a serviço da ordem jurídica vigente, mas, muitas e muitas vezes, a serviço do latifúndio improdutivo.

É evidente, Sr. Presidente, que ninguém é masoquista para querer ficar passando por esse tipo de coisa. Ninguém é masoquista para ficar embaixo de uma barraca de lona quente, quente durante todo o dia e à noite gelada. Quem é que gosta de ficar num barraco de lona? Se chover, não se pode deitar por causa da lama. Quem é que gosta disso? Por que a existência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou da Comissão Pastoral da Terra? É porque infelizmente o Governo Federal não demonstrou competência nem respeito pela lei, porque não fez cumprir a Constituição.

Srª Presidente, Srs. Senadores, tive oportunidade de participar de vários debates na Comissão de Assuntos Sociais. Para minha surpresa, sabem quando o Governo Federal usava o instrumento que lhe cabe de desapropriação e cumpria o seu papel constitucional? Só quando havia violência, quando havia ocupação. O cadastramento das áreas disponibilizadas para a reforma agrária o Governo não tinha. E o cadastramento das áreas devolutas, das áreas públicas que foram invadidas por muitos amigos do poder que falsificaram documentos nos cartórios, que invadiram as propriedades públicas? O Governo Federal não fez nada.

Então, o que aconteceu? E perguntávamos: como se faz a reforma agrária? A dinâmica do Governo Federal para fazer a reforma agrária está atrás da ocupação; está atrás da violência no campo. Só quando a área é ocupada que o Governo Federal vai lá para efetivamente fazer a reforma agrária.

            Srª Presidente, há uma frase de João Pedro Stédile, uma das lideranças do MST, que é um primor: se se quer acabar com o MST, que se faça a reforma agrária; se se quer acabar com os movimentos que lutam pela reforma agrária, que se faça a reforma agrária, porque aí efetivamente vamos minimizar os efeitos da violência no campo.

            O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Senadora Heloisa Helena, V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Geraldo Melo, à Senadora Thelma Siqueira Campos, ao Senador Romero Jucá. Concederei todos os apartes, até porque hoje terei muito tempo para ter o mesmo tempo que foi destinado ao Senador José Roberto Arruda.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Senadora Heloisa Helena, muito obrigado pela sua gentileza. Eu desejaria ter o poder de síntese necessário para falar sobre tantos e tão ricos temas que V. Exª traz ao debate. Se, ao longo de seu discurso, eu tiver oportunidade e se V. Exª tiver paciência de me ouvir, talvez eu até volte a lhe apartear, tantas são as questões que V. Exª aborda. Eu queria abordar apenas uma delas, por enquanto. Se eu estiver errado, V. Exª me corrige. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, visto genuinamente como uma proposta de luta pela terra em favor dos que não a tem e desejam trabalhar no campo, sendo bem-sucedido, transformará aquele que hoje é um sem-terra num pequeno proprietário rural amanhã. Se isso estiver certo, prossigo na minha exposição. Faço a seguinte indagação a V. Exª: o objetivo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é realizar uma reforma agrária capaz de transformar aquele sem-terra de hoje num pequeno proprietário rural amanhã? É isso?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - É claro que, como se trata de um movimento social, há uma pauta específica de reivindicação, que visa à reforma agrária. Como um conjunto de cidadãos, é evidente que há uma pauta também mais ampla, que visa à construção do País, de uma Nação justa e igualitária.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Perfeitamente. Essa é uma pauta de todos.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - É claro.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - É uma pauta de todos os democratas e de todos os que amam o Brasil fazer uma Nação mais justa e dar ao seu povo a possibilidade de viver mais feliz. Mas aquilo que é específico do referido Movimento é dotar de terra aquele que hoje é um sem-terra e deseja produzir na agricultura. Como o latifúndio é abominado atualmente, com muita justiça, por todas as sociedades do mundo, é claro que não se pretende transformar o sem-terra de hoje no latifundiário de amanhã. O sem-terra de hoje pretende ser o pequeno proprietário rural de amanhã. Portanto, não podemos criar no Brasil duas categorias de pequeno proprietário rural. Deve haver uma categoria: a do pequeno proprietário rural brasileiro. V. Exª narra a situação difícil em que se encontram os assentados, que não têm uma casa decente no seu lote, aos quais faltam os meios necessários para comprar equipamentos, aos quais faltam recursos para comprar sementes, para fazer os tratos culturais, para cuidar da lavoura, para fazer a colheita e a estocagem. Sabe, Senadora Heloisa Helena, essa é rigorosamente a situação de mais ou menos cinco milhões de pequenos proprietários rurais existentes no Brasil e que já existiam antes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. São agricultores profissionais; são filhos, netos e bisnetos de agricultores que têm uma pequena gleba. O meu Estado, como o de V. Exª, está cheio desses trabalhadores. Das mais de cinco milhões de pequenas propriedades rurais existentes no País, sem contar as da reforma agrária, aproximadamente três milhões ou estão à venda, sem ter comprador, ou estão sendo tomadas pelos bancos que as financiaram. Assim, na realidade, não se poderia agora entender que aquilo que não se tem para dar ao pequeno proprietário rural brasileiro obrigatoriamente deve ser dado a um pequeno proprietário rural, somente pelo fato de que ele se tornou pequeno proprietário rural por intermédio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na realidade, esse Movimento precisa incorporar à sua luta a discussão de uma proposta para a pequena propriedade rural não apenas para os sem-terra. Há recursos limitados neste País, e, dessa forma, eles não podem ser privilegiadamente destinados a um grupo. Temos que dar ao sem-terra que se transformou num pequeno proprietário rural o tratamento que é dado a todos os pequenos proprietários rurais. Creio que V. Exª, como Senadora, e eu, como Senador, temos compromissos com todos os brasileiros, com os que fazem parte e com os que não fazem parte do MST. Temos que encontrar políticas que sirvam a todos eles e não apenas a uma parte. É preciso nos indignarmos com o sem-terra que está dormindo num barraco, como também é preciso nos indignarmos com o pequeno proprietário rural que está dormindo numa casa de taipa esburacada ou numa palhoça. Precisamos nos voltar para o problema como ele é. Esse pequeno proprietário rural tradicional não foi às ruas, não foi às praças. Quando o Banco do Brasil nega um financiamento a esse pequeno proprietário rural, ele não tem a possibilidade, como os sem-terra, de sair da sua propriedade e invadir o Banco do Brasil, de chegar lá e colocar um jumento dentro do gabinete do gerente do banco ou quebrar as vidraças daquele estabelecimento. Os cinco milhões de pequenos proprietários rurais, que já existiam antes do MST, não fazem isso, não podem fazer isso. Penso, essencialmente, aquilo que eu disse em um aparte ao Senador José Roberto Arruda, que tinha toda razão na crítica que fazia, a qual era pertinente, oportuna. Este é o lugar de se discutir a impropriedade da legislação ou de se criticar a autoridade que cumpre ou deixa de cumprir a legislação. Porém, nenhum cidadão está autorizado a decidir, pela própria cabeça, que a autoridade não está cumprindo a lei e, portanto, sem recorrer aos instrumentos institucionais de que dispõe, a sair de casa para fazer justiça com as próprias mãos. Isso é abolição da ordem. E é sobre isso que se discute, Senadora. Não se discute sobre a reforma agrária, não. O que se discute é a inexistência do direito, para qualquer brasileiro, de sair de casa e romper com a estrutura jurídica por conta própria, quando a sociedade lhe dá os meios para fazer isso. Quero aproveitar, Srª Presidente, para fazer um apelo a V. Exª: da mesma forma que ocorreu com os demais oradores, dê oportunidade à Senadora Heloisa Helena de continuar com o seu discurso.

A SRª PRESIDENTE (Marluce Pinto) - Senador Geraldo Melo, eu gostaria muito de atender V. Exª e também a oradora que se encontra na tribuna, a ilustre Senadora Heloisa Helena. Mas, na manhã de hoje, um dos nossos Colegas fez advertência à Mesa, porque deixou de falar em decorrência de o tempo haver extrapolado. Não se trata de uma discriminação com a Senadora Heloisa Helena, muito pelo contrário. Admiro bastante a sua luta. Mas, Senadora, solicito a V. Exª que não conceda mais apartes. Se o próximo aparteante fosse um membro da Esquerda, para haver equilíbrio no debate, eu estaria de acordo. Mas ainda estão inscritos para fazer uso da palavra o Senador Romero Jucá, o Senador Amir Lando e eu mesma, que ora ocupo a Presidência dos trabalhos. Temos de encerrar a sessão às 13h.

Não é justo um orador falar por 45 minutos e tirar a oportunidade de outros se pronunciarem. Solicito à minha nobre Colega que entenda a minha situação. Tenho de dar oportunidade a todos, em igualdade de condições, até pela democracia, que V. Exª tanto prega e que admiro.

A Srª Thelma Siqueira Campos (PPB - TO) - Senadora Heloisa Helena, abro mão do meu aparte em favor do seu discurso.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Compreendo a posição de V. Exª, Srª Presidente. Mas quero apenas deixar claro - e V. Exª já o fez - que não fomos nós que extrapolamos o tempo. Não foi nenhum Parlamentar da Esquerda que efetivamente extrapolou o horário. Quem o fez foi o Senador Iris Rezende, que abordou um tema importante para todos nós, e o Senador José Roberto Arruda, que defendeu, como Líder do Governo, o Governo.

Vou fazer alguns comentários, Senador Geraldo Melo. Compartilho inteiramente do que V. Exª disse. Ninguém está autorizado, pela sua própria cabeça, a descumprir a lei. Por isso, Senador, já houve um debate nesta Casa sobre o significado das palavras, sobre a mobilidade que elas podem ter, sobre o respeito à lei, sobre a linha divisória que define onde acaba o direito de um e onde inicia o direito do outro.

Concordo plenamente com o que V. Exª disse: ninguém está autorizado, pela sua própria cabeça, a fazer algo que contrarie a lei. É exatamente por isso que faço uma crítica gigantesca ao Governo Federal e, inclusive, ao Partido de V. Exª, que têm descumprido a lei!

O processo de privatização feito neste País - não vou mostrar todos os dados, porque já tive oportunidade de fazê-lo aqui - foi fraudulento e contrariou completamente a legislação vigente. E não vamos dizer que o entreguismo estabelecido pelo Governo Federal cumpre a lei. Não cumpre!

A SRª PRESIDENTE (Marluce Pinto) - (Faz soar a campainha)

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Srª Presidente, preciso concluir o meu raciocínio.

Não vamos dizer também que está contra a democracia quem estabelece o que a Constituição manda. Pode-se eleger um Presidente e pode-se também retirá-lo do cargo, conforme estabelece a Constituição, em seus arts. 85 e 86. Então, não se pode dizer que estabelecer a necessidade de abertura de um processo de crime de responsabilidade é golpe. Convenhamos: golpismo é o que o Governo Federal tem feito em relação à Constituição deste País.

Compartilho inteiramente do que V. Exª diz a respeito do pequeno produtor. É justamente o Governo do Partido de V. Exª que tem acabado com o pequeno produtor deste País. É justamente isso! Do mesmo jeito que o Governo Federal diz que fez reforma agrária para seiscentas mil pessoas, foi ele que expulsou, somente no ano passado, mais de quatro mil e quinhentos trabalhadores rurais. É o Governo do Partido de V. Exª que, inclusive, estabelece uma política agrícola destruída para o pequeno e médio produtor, contra a qual lutamos.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Senadora, mesmo que V. Exª tivesse razão quando se refere ao Governo do Presidente Fernando Henrique dessa maneira, se o Governo se afasta da lei, a maneira de corrigi-lo não é invadindo coisa alguma, muito menos os prédios do Governo Federal. Isso é que está sendo discutido. Se o Governo não cumpre, aí está a Justiça, aqui está o Congresso, aqui está V. Exª para apresentar os seus projetos. E V. Exª sabe como se pode alterar a regra do jogo. Só isso, Senadora.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador Geraldo Melo, defendemos o pequeno e o médio produtor. Quem não o faz é o Governo Federal, que teve a insanidade e a irresponsabilidade de rolar dívidas superiores a R$200 mil, mas não as dos pequenos e dos médios produtores. É a primeira vez, na História do País, que o censo agropecuário do IBGE mostra a perda de estabelecimentos rurais por causa da política irresponsável, insensível e incompetente do Governo Federal.

Compartilho inteiramente do seu pensamento em relação à questão dos cofres públicos, não por se dizer que foram causados danos, porque o custo de um vidro quebrado ou de um bureau quebrado em nada se assemelha aos gigantescos danos feitos contra o patrimônio nacional com a submissão do País à agiotagem do Fundo Monetário Internacional. Compartilho do seu pensamento porque, dentro de prédio público, não se planta pé de feijão. No entanto, ocupa-se um prédio público, Senador, somente por uma motivação: pela insensibilidade do Governo Federal de escutar. Desde o início da pauta de reivindicações montada, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tenta encontrar-se com o Governo Federal. Faço um apelo a V. Exª, da mesma forma que já o fiz ao Senador José Roberto Arruda, para que, pelo menos, seja feita uma reunião com o setor econômico para se buscar a liberação de recursos.

O que o Governo Federal fez ontem de forma ostensiva e arrogante? Criou, dentro do Ministério, um departamento para manter uma suposta ordem pública e, com isso, efetivamente, garantiu as reivindicações da Bancada ruralista, o que é até inócuo, porque isso já estava determinado por meio de decreto.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando peço ao MST que não deprede prédio público - o que ocorreu em apenas duas ocasiões -, eu o faço para que a grande imprensa e a população, de forma geral, não vejam semelhança alguma entre esse Movimento e a elite política e econômica nacional, que tem destruído o País, que tem arrasado o patrimônio nacional e ocasionado perdas gigantescas para a próxima geração. Assim, peço aos seus integrantes que não quebrem nenhum bureau, para que, nem de longe, a opinião pública ache semelhança com a elite destruidora e corrupta que tem acabado com o patrimônio nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/2000 - Página 9342