Pronunciamento de Moreira Mendes em 08/05/2000
Discurso durante a 54ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
REFLEXÃO SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PAIS E AS DECLARAÇÕES DA SRA. MADELEINE ALBRIGHT, SECRETARIA DE ESTADO NORTE-AMERICANA, SOBRE A AMEAÇA DA POBREZA E DE GOVERNOS INEFICAZES A DEMOCRATIZAÇÃO DA AMERICA LATINA.
- Autor
- Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
- Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.:
- REFLEXÃO SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PAIS E AS DECLARAÇÕES DA SRA. MADELEINE ALBRIGHT, SECRETARIA DE ESTADO NORTE-AMERICANA, SOBRE A AMEAÇA DA POBREZA E DE GOVERNOS INEFICAZES A DEMOCRATIZAÇÃO DA AMERICA LATINA.
- Aparteantes
- Amir Lando.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/05/2000 - Página 9437
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- CRITICA, INCOERENCIA, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, PROPAGANDA, VERA LOYOLA, EMPRESARIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EXCESSO, LUCRO, BANCO PARTICULAR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, MISERIA, POBREZA, MAIORIA, POPULAÇÃO.
- IMPROPRIEDADE, PROTECIONISMO, MERCADO FINANCEIRO, EXCLUSIVIDADE, BENEFICIO, BANQUEIRO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL.
- COMENTARIO, DISCURSO, MADELEINE ALBRIGHT, SECRETARIO DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONFERENCIA INTERNACIONAL, AMERICA, ADVERTENCIA, INEFICACIA, GOVERNO, AMERICA LATINA, COMBATE, POBREZA, AMEAÇA, PROCESSO, DEMOCRACIA.
- DEFESA, NECESSIDADE, JUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, MAIORIA, POPULAÇÃO.
O SR. MOREIRA MENDES
(PFL – RO. Pronuncia o seguinte dscurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a notícia de que o casamento da cadela da socialite
Vera Loyola vai ser de "arromba" não poderia passar despercebida nesta Casa. Afinal, depois de alimentar as páginas do chamado colunismo social, esse descabimento vem dividindo espaço no noticiário televisivo com a principal manchete internacional do momento que, a meu ver, tem o mesmo grau de importância, ou seja, nenhuma, que é a disputa entre Bill Clinton e Fidel Castro sobre a posse do garoto Elian Gonzáles.
É pobreza cultural ou falta do que fazer, nos dois casos. Com a diferença de que, no Brasil, essas "notícias" chegam, mesmo a quem tem um pouco de consciência social, como afrontas. Diante da constrangedora realidade de vermos nossas crianças em trabalho escravo nas áreas rurais, ou se prostituindo em quase todas as esquinas do país, envolvidas - quando não assassinadas - nas contendas do tráfico de drogas, o drama do pequeno Elian não nos comove. Desculpem-me os puristas e hipócritas, mas os nossos "Elians" passam fome, não estudam e parece que ninguém está preocupado com a segurança e o bem-estar deles. Mas essa nossa realidade parece que cansou a opinião pública. Por ser tão repetitiva, a miséria nacional não tem mais graça.
O que dizer, então, dessa Senhora, cujo único intento é buscar notoriedade, mesmo tripudiando com as incríveis taxas de desemprego que batem até mesmo dos luxuosos condomínios habitacionais da Barra da Tijuca, onde cuida do casamento da "filha" Pepezinha, sua cadela de estimação? Tivesse o Brasil uma imprensa preocupada em denunciar essa propaganda que incensa vaidades pessoais, como forma de dissociar a dura realidade social em que vivemos, para o inacessível mundo da futilidade em que vive essa parcela de novos ricos, com a mesma coragem com que desmorona esquemas de corrupção e administrações municipais e falcatruas, envolvendo quase todos os escalões dos três Poderes da República, Vera Loyola voltaria a sua insignificância de emergente rica, e a se preocupar, como empresária bem-sucedida, em administrar os seus negócios no Rio de Janeiro.
Mas não, Sr. Presidente. Não, Srªs e Srs. Senadores. Não vamos sonhar mais um sonho impossível. Se esse marketing do inócuo e sem importância perdesse Vera Loyola, como poderia desviar a atenção pública dos rombos nos recursos públicos, dos socorros que se fazem a banqueiros e bancos falidos, da precariedade da saúde pública, da falta de estrutura nas escolas, da falta de horizonte dos nossos jovens, da falta de futuro para nossas crianças, do sucateamento das nossas indústrias, do desaparelhamento das nossas polícias, enfim, da miséria em que vivem tantos brasileiros? Ou ainda, fazer passar, como se fosse um grande feito financeiro, o fato de o maior banco privado do País, o Bradesco, ter nos últimos três meses do ano um lucro líquido de mais de R$642 milhões? Percentualmente, um recorde de 149,49% superior ao registrado no mesmo período do ano passado, segundo informa o jornal O Estado de S. Paulo , na edição do dia 28 de abril?
Qual outra atividade econômica que, sequer, chegou perto desse patamar – não digo só empresas e instituições nacionais – mas até mesmo dos mega empreendimentos econômicos dos Estados Unidos, Japão e dos outros integrantes do fechado Grupo dos Sete, que congrega os países mais ricos do mundo? Apenas o nosso... Bradesco!
Esses números que aparentemente podem significar progresso, ou um indicador positivo de que a atividade econômica estaria dando sinais de revitalização com geração de novos empregos, por exemplo, na verdade são números que levam à triste conclusão de que a única atividade que realmente prospera no País é a das instituições financeiras, ou seja, os banqueiros (nacionais e internacionais, diga-se de passagem), cada vez mais ricos, e os pobres, em número sempre crescente, cada vez mais pobres.
Esse é o retrato da perversa distribuição de rendas no País.
Tudo por conta de uma legislação protecionista do setor financeiro que propicia a elisão de impostos.
Enquanto o País se debate procurando saídas para enfrentar o desemprego, os bancos contam seus lucros à sombra do capital financeiro especulativo, da proteção do FMI e dos juros escorchantes e vergonhosos que o Governo e a sociedade pagam para financiar a dívida pública.
Mas essa discrepância entre a concentração de riqueza nas mãos de uns poucos apaniguados e o fosso em que afundam a maioria da população está chamando a atenção, até mesmo de quem vem tirando o maior proveito dessa situação. Na última terça-feira, dia 02, em discurso proferido na Conferência Anual do Conselho das Américas, a Secretária de Estado Norte Americana, Madeleine Albright, disse que a pobreza persistente e os governos ineficazes na América Latina ameaçam a onda democratizante que começou duas décadas atrás.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por não particularizar nenhum país da América Latina, Albright mandou um recado para todos. Para bom entendedor, como o maior e mais desenvolvido dessa região, o Brasil é o primeiro da lista a receber a carapuça.
Coincidentemente ou não, o mundo ainda comentava a nossa desastrosa comemoração dos 500 anos do Descobrimento, taxando-a de elitista e que serviu para demonstrar internacionalmente que caminhamos para trás. Ou como, diplomaticamente, a segunda pessoa mais poderosa do governo Clinton qualifica essa desigualdade sócio-econômica, "apesar de uma série de avanços positivos na região" existe um reverso da moeda preocupante.
Com uma economia que não pára de suplantar os próprios recordes de desenvolvimento, os Estados Unidos sabem do que estão falando. É que seus habitantes usufruem democraticamente dos lucros que seu país conquista, ao contrário do nosso. Daí que o sonho norte-americano é dividido com todos e não apenas por uma minoria de privilegiados. Mesmo com tanta opulência, vivesse Vera Loyola naquele país e o seu exibicionismo seria rechaçado como uma afronta, pois haveria sempre a contestar tamanha ignorância, um desempregado que depende da ajuda do governo para sobreviver.
O que dizer, então, do Bradesco comemorando sozinho como o banco que mais lucra com os juros que arrecada do Governo e de seus clientes? No mínimo estaria se explicando em alguma comissão de inquérito do Senado, como está ocorrendo com Bill Gates. O homem mais rico do mundo está no banco dos réus para justificar por que a Microsoft ganhou a corrida no fechado mundo dos fabricantes de programas de informática. Esse ataque judicial já derrubou Bolsas e ameaça mercados internacionais como um jogo de dominó.
Mas aqui não. São os poderosos apenas que conseguem prosperar. Por muito menos, uma Vera Loyola invade a sala de uma família que não sabe como alimentar os filhos, mostrando que não sabe como gastar tanto dinheiro. Que a única forma de gastar o seu tempo fútil, é promovendo o "casamento" de sua cadela com uma festa de arromba para outros 1.000 convidados caninos.
Fiquemos atentos para outra advertência da Secretária de Estado norte-americana.
O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) – Permite V. Exª um aparte, Senador Moreira Mendes?
O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO) – Ouço o aparte do eminente Senador Amir Lando.
O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) – Nobre Senador Moreira Mendes, V. Exª aborda um tema que é muito mais sério do que o "casamento" da cadelinha. Apenas uma referência, apenas o sarcasmo para mostrar como se tratam as coisas supérfluas de maneira aparentemente séria e, as sérias, de forma tão supérflua. Evidente que o mote do discurso de V. Exª no conteúdo é profundo e merece uma reflexão. V. Exª diz bem, quem ganha não são só os banqueiros, quem ganha neste País não é o trabalhador que recebe um salário mínimo de R$151,00 mensais, quem ganha não são os produtores rurais, nem os empresários da produção, mas sim aqueles que especulam com o dinheiro. A renda do capital, quando se refere à produção, cai em níveis insuportáveis e inviabiliza a atividade econômica no País; mas a renda do capital financeiro assume limites estratosféricos. Ainda há poucos dias, li que os bancos estrangeiros, no primeiro trimestre, em relação ao ano passado, tiveram um faturamento de 852%. Esse era o número gravado no jornal. O lucro do Bradesco, nessa ordem de grandeza, é modesto. Mas é excessivo, como bem diz V. Ex.ª, quando os miseráveis não têm o que comer, quando os excluídos estão fora do processo produtivo, quando, sobremodo, as áreas da saúde e educação não têm recursos, mas têm uma renda fantástica, que mereceria uma investigação pelo Congresso para realizar a justiça social pregada na Constituição e por aqueles que discursam sobre distribuição de renda. Infelizmente, tem-se que combater a pobreza com parcos e ínfimos recursos. Ainda temos que louvar o iniciativa do Senador Antonio Carlos Magalhães, que teve a coragem de colocar essa vergonha nacional na cara do Congresso. Não houve saída. O Fundo foi aprovado a despeito de todas as críticas daqueles que não querem ajudar a pobreza, mas querem extrair todas as vantagens dos recursos públicos para si, alegando sua inviabilidade por ser um Fundo oneroso ao sistema produtivo, pois criava tributos e ampliava alíquotas. Realmente, isso passou pelo Senado. Espero que o Congresso, por intermédio da Câmara, aprove o projeto o mais rápido possível. Mas, diz bem V. Ex.ª, todos nós silenciamos e todos nós vamos para casa, no final do dia, com esse peso nas costas e pensando que cumprimos o dever. Na verdade, estamos, cada vez mais, acentuando as diferenças sociais, tornando os pobres mais pobres e os poucos ricos cada vez mais ricos, tão ricos que não sabem onde gastar o dinheiro e o gastam em coisas supérfluas, como o casamento de uma cadela que pertence a uma socialite. Por isso, nobre Senador, queremos parabenizá-lo. Temos que dar conseqüências às nossas palavras; é preciso dar às palavras a força da ação. No momento, o Congresso não falará apenas para o vazio, para os Anais, pois a mídia não nos ouve, sobretudo quando se trata de questões sérias, quando se trata de mudar a face perversa do País. Uma hora teremos que dar conseqüências às palavras e colocar um basta. Talvez a investigação seja o começo desse "basta", como sugere V. Exª. Quero parabenizá-lo. Este é o caminho da seriedade e da consciência pública e social que devemos, como homens públicos, servir, sobretudo no interesse do bem comum e do bem geral da Nação.
O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO) – Eminente Senador, o aparte de V. Ex.ª, evidentemente, vem enriquecer o meu modesto pronunciamento. Mas ele vem ao encontro da mensagem que eu queria transmitir, quando fiz o paralelo entre o fútil - o casamento da cadela – e o lucro do Banco e a observação feita pela Secretária americana Madeilene Albright. Estamos caminhando aqui – e lembro que ouvi a Senadora Heloisa Helena, deste plenário, dizer que ainda não se fez a revolução neste Pais. Preocupa-me muito a distância entre o rico e o pobre, sobretudo porque o rico não tem consciência da responsabilidade que tem de aprender a dividir com o pobre para que não se esfacele o tecido social da nossa Nação.
Agradeço, assim, o aparte de V. Ex.ª e gostaria muito que todos que nos ouvem tivessem o sentimento de que este é o objetivo: demonstrar claramente que não podemos ser um País pujante e rico se não soubermos dividir melhor nossas riquezas entre todos nossos irmãos brasileiros.
Continuo, Sr. Presidente. Há outra advertência no pronunciamento da Secretária de Estado norte-americana. Afirma que nos últimos dez anos os frutos do crescimento não apareceram sobre todas as mesas da América Latina.
É exatamente o que acabamos de dizer. Ela denuncia, com todas as letras, que, enquanto "muitas pessoas desfrutam de padrão de vida alto, muitas outras continuam atoladas na miséria. E, com freqüência excessiva, os programas e as políticas governamentais contribuem para intensificar essas desigualdades em lugar de rechaçá-las".
Adianta, e muito, a inflação estar sob controle, mas os milhões de brasileiros precisam de dinheiro para sobreviver, para terem vida digna com suas famílias. E o que estamos vendo, estarrecidos? Um insulto à dignidade dos brasileiros: Vera Loyola fazendo casamento de cachorro, gastando certamente alguns milhares de reais, enquanto milhões de crianças brasileiras morrem por desnutrição, por não terem o que comer...
Concluo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: parece um discurso de oposição. Não o faço com essa preocupação política, como se a dicotomia entre o bom e o ruim fosse prerrogativa de esquerda e direita. Faço-o com a preocupação, de todo brasileiro nesta hora de dificuldades e de dúvidas, em buscar um caminho que interrompa esse distanciamento, cada vez maior, entre o abastado e o miserável. Essa maré pode levar ao rompimento do tecido social. A continuar essa caminhada, seremos atraídos para os becos sem saída dos governos autoritários que conhecemos muito bem.
Nada contra o fantástico lucro do Bradesco ou de qualquer instituição financeira, desde que pagassem, proporcionalmente, os mesmos impostos que pagam os trabalhadores brasileiros - como eu pago, direto na fonte, sem direito a elidi-lo.
Nada contra o casamento da cadela Pepezinha, desde que sua dona assim como todos as outras suas convidadas para o grande ágape refletissem sobre a crua realidade brasileira e reservassem um pouco de suas energias e riquezas para, quem sabe, tentar minimizar o problema de milhões de irmãos excluídos.
Para terminar, gostaria de deixar no ar a preocupação de Madeleine Albright ao lembrar que os Estados Unidos, já em 1999, avisava que o retrocesso democrático da América Latina estava a caminho e que era preciso tomar providências. E, mais explicitamente, adverte que os Estados Unidos estão determinados a trabalhar em conjunto com instituições regionais, com o objetivo de fortalecer as economias a fim de torná-las mais igualitárias, além de fomentar uma comunidade democrática mais coesa.
Para o bom entendedor, meia vírgula basta.
Era o que eu tinha a dizer nesta tarde, Sr. Presidente.