Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA DA PUBLICAÇÃO "MANUAL DE ORIENTAÇÃO PARA CRESCIMENTO DA RECEITA PROPRIA MUNICIPAL", PATROCINADA PELO BNDES. REALIZAÇÃO DO I SEMINARIO DE GESTÃO DE CIDADES COM QUALIDADE - QUALICIDADES, DE 15 A 16 DO CORRENTE. CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA SANITARIA.:
  • IMPORTANCIA DA PUBLICAÇÃO "MANUAL DE ORIENTAÇÃO PARA CRESCIMENTO DA RECEITA PROPRIA MUNICIPAL", PATROCINADA PELO BNDES. REALIZAÇÃO DO I SEMINARIO DE GESTÃO DE CIDADES COM QUALIDADE - QUALICIDADES, DE 15 A 16 DO CORRENTE. CRITICAS AO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO.
Aparteantes
Geraldo Melo, Jefferson Peres, José Eduardo Dutra, Paulo Souto.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2000 - Página 9488
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PUBLICAÇÃO, MANUAL, ORIENTAÇÃO, CRESCIMENTO, RECEITA MUNICIPAL, PATROCINIO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), REALIZAÇÃO, SEMINARIO, GESTÃO, CIDADE, MUNICIPIO, VITORIA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).
  • ANALISE, CRITICA, FALTA, INVESTIMENTO, SETOR, SANEAMENTO BASICO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA DE SANEAMENTO, AUSENCIA, ESTABELECIMENTO, NORMAS, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, AMEAÇA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, antes de entrar no tema de que tratarei, que diz respeito a saneamento básico, queria fazer dois registros importantes para conhecimento da Casa e do País: o primeiro é a alegria de ver uma publicação patrocinada pelo BNDES, organizada pela Fundação Getúlio Vargas, que tem o seguinte nome: Manual de Orientação para Crescimento da Receita Própria Municipal.  

Creio, Sr. Presidente, que essa é uma grande contribuição para os Municípios, principalmente no período de eleição municipal.  

O segundo registro é o convite que recebi e do qual dou conhecimento a esta Casa: trata-se de um evento nacional: 1º Seminário de Gestão de Cidades com Qualidade – QualiCidades, de 15 a 16 de maio, no Centro de Convenções da cidade de Vitória, no Espírito Santo.  

Feitos esse dois registros, vou direto ao tema que me traz à tribuna. Sr. Presidente, a fala do Senhor Presidente, Fernando Henrique Cardoso, durante a 6ª Cúpula Econômica do Mercosul, que se realiza no Rio de Janeiro, expõe uma contradição no interior do Governo. O Presidente reclamou dos métodos pelos quais o FMI (Fundo Monetário Internacional) faz os cálculos do endividamento dos países e afirmou taxativamente que isso "está sufocando gravemente a capacidade do Governo de atuar na área de saneamento".  

A postura do Governo é contraditória à medida que todas as informações que nos chegara até hoje, através da mídia e de análises isentas, asseguram que o Governo havia fechado conscientemente as torneiras dos seus recursos para forçar a privatização das empresas do setor. A crítica do Presidente, no entanto, pressupõe que há vontade de investir em saneamento, mas as regras do FMI têm impedido.  

Não há como tirar conclusões conseqüentes diante de atitudes no mínimo dúbias. O que há de relevante, até mesmo de factual na reclamação do Governo brasileiro contra o Fundo Monetário Internacional, e que não pode passar em branco, e por isso estou nesta tribuna, é que a crítica abre espaço para uma discussão ampla sobre as deficiências, as carências, o descaso deste e de governos anteriores com um setor que é fundamental para a qualidade de vida do cidadão brasileiro, particularmente no que tange à saúde pública.  

Em outubro deste ano, teremos eleições municipais. Em menos de um ano, tomarão posse os novos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para mais quatro anos de mandato. Não podemos, Sr. Presidente, chegar a 2001 sem que haja normas claras quanto à titularidade e o marco regulatório no setor saneamento.  

Acredito que o primeiro passo para se avançar seria o Conselho Monetário Nacional desbloquear os financiamentos públicos para Estados e Municípios poderem voltar a investir na ampliação dos serviços de saneamento. São inúmeras as obras paralisadas ou semiparalisadas pelo País afora. É hora também de o Senado Federal e a Câmara dos Deputados debaterem, com determinação, as propostas que abordam o tema saneamento, de modo que possamos entregar aos novos dirigentes municipais regras nítidas que propiciem a retomada dos investimentos públicos e privados no setor.  

Sr. Presidente, tenho certeza de que quando forem descontingenciados os créditos e definidos o marco regulatório e a titularidade da execução da política de saneamento no País, a retomada do investimento será inevitável, e terá, na minha visão, princípio, meio e fim.  

Quando falo em princípio, refiro-me a regras claras, bem estudadas e juridicamente amparadas, que podem oferecer às empresas públicas ou privadas a segurança necessária.  

O meio são projetos bem planejados e executados, que podem melhorar sensivelmente a qualidade dos serviços, diminuindo, por exemplo, o desperdício com uma política de desenvolvimento nacional urbano, tão necessária ao nosso País, sobretudo para cidades de médio e grande porte, cujos cidadãos sofrem na pele, no dia-a-dia, os efeitos da falta de investimento e planejamento no setor.  

O fim, Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, é a redução da mortalidade infantil, uma meta nobre que deve ser perseguida por todos os governos e por todas as sociedades; é a erradicação das doenças provocadas pela falta de água tratada, pelo recolhimento e tratamento inadequados dos esgotos, pelos esgotos a céu aberto que poluem rios e mananciais, pelo recolhimento e disposição inadequados do lixo nosso de cada dia. São agentes que provocam doenças de veiculação hídricas como diarréia, hepatite A, cólera, entre outras, que no limiar de um novo século ainda guardam relação direta com a falta de uma política de saneamento para o País.  

Como se não bastasse a falta de investimentos, é inconcebível a maneira como o Governo vem tratando a privatização das empresas de saneamento. É um processo selvagem, que está em curso no País. O maior exemplo dessa selvageria é o processo de venda da Manaus Saneamento, que vem sendo adiada por força de liminares. Mas todos sabemos que em um determinado momento as instâncias do Direito se esgotam e a empresa será vendida com ou sem o estabelecimento de diretrizes claras para o setor.  

O Governo não pode estimular a venda de uma empresa de serviço de saneamento sem antes estabelecer medidas que resguardem o meio ambiente. Hoje, as empresas públicas não têm compromisso com a preservação ambiental – está aí o exemplo da Cedae, jogando esgoto na Baía de Guanabara, na Lagoa Rodrigo de Freitas – imaginem nas mãos de grupos privados. Não é possível passar as concessionárias do controle estatal para privado sem definir regras tarifárias, e é bom que se diga aqui, regras hoje inexistentes.  

Eis, por exemplo, uma questão importante: que regras a nova controladora da empresa privatizada seguiria, por exemplo, no caso de um cliente deixar de pagar a conta de água? Qual a regra, se não existe lei? Ele seria punido com o corte do fornecimento pura e simplesmente? Que tragédia, Sr. Presidente, uma família passar dias ou meses sem água para beber, para fazer comida, tomar banho, entre outras necessidades básicas. Essas são questões que não estão definidas.  

Todos temos indagações que exigem respostas do Governo e também do Senado Federal, do Congresso Nacional. São dúvidas que não estão sendo levadas em conta por aqueles que defendem a privatização selvagem de um setor fundamental para a qualidade de vida da população e que só se resolvem com normas claras e bem definidas. A situação é tão grave que o Ministério Público tem agido em vários pontos do território nacional cobrando providências, cobrando obras, cobrando a universalização desses serviços. A impressão que fica é a de que alguns setores do Governo resolveram seguir um caminho perigoso, primeiro forçando a venda das empresas, para depois definir as regras de funcionamento, as regras tarifárias, as regras em relação às obrigações ambientais, ao direito do consumidor e assim por diante.  

Há pelo menos dois anos – e é bom que se diga isso aqui da tribuna – não crescem os investimentos no setor de saneamento. Entre 1995 e junho de 1998, os recursos para o saneamento subiram de R$900 milhões para R$3,4 bilhões. Nesse ritmo, em dez anos, toda a população teria acesso à água e esgoto tratados. Mas o que vem acontecendo? O Governo decidiu, a partir de meados de 1998, reduzir à metade os investimentos para obras de saneamento em Estados e Municípios. Contingenciou, através do Conselho Monetário Nacional, os recursos do FGTS que financiam essas obras. Com isso, a previsão para este ano é gastar algo em torno de R$2 bilhões, quando seriam necessários, segundo cálculos do próprio Governo, aproximadamente R$4,5 bilhões.  

Esses números, Sr. Presidente, podem até tornar-se ilusórios se analisarmos o Orçamento da União do ano passado. Dos R$708 milhões previstos para o setor, em 1999, apenas R$543,9 milhões foram empenhados, e desses, até agora, apenas R$90,3 milhões, ou seja, 12,89% foram liberados.  

Nós do PPS entendíamos, até o último domingo, que esse estrangulamento imposto ao setor de saneamento significava uma estratégia, ainda que reprovável do Governo, para forçar a privatização das empresas concessionárias. As críticas do Presidente, por sua vez, mudam o curso desse debate, na nossa visão. Um novo capítulo pode começar a ser escrito a partir do momento em que o assunto ganhar prioridade na agenda do País.  

Falei há pouco de números recentes. Alguns números mais antigos atestam que vem de longe o descaso governamental com o setor.  

Para se compreender a situação a que chegamos, é preciso voltar um pouco no tempo. Nos últimos 50 anos, houve um crescimento na taxa de urbanização do Brasil, que se elevou abruptamente de 31% para 78%. Com isso, dos 150 milhões de brasileiros, pelo menos 125 milhões concentram-se hoje em aglomerações urbanas. Darei um número estarrecedor: nas 14 maiores aglomerações urbanas do País, entre elas, Rio, São Paulo e Belo Horizonte, vivem 50 milhões de pessoas.  

Essa situação gerou um quadro caótico na área de habitação, transporte coletivo urbano, tratamento de água e esgoto, coleta e disposição de lixo e drenagem urbana, estão aí as enchentes pelo País afora, além dos problemas conhecidos nas áreas de saúde, educação e segurança pública. O resultado desse processo de verdadeira deterioração da qualidade de vida em nossas cidades, foi um desenfreado processo de crescimento das periferias urbanas, que tornou ainda mais complexa a busca de soluções com tantos problemas.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) – Senador Paulo Hartung, quero, inicialmente, parabenizá-lo pelo pronunciamento que faz na tarde de hoje. V. Exª aborda uma questão de extrema importância. Ainda ontem, tive oportunidade de conversar, no meu Estado, com vários representantes da Companhia Estadual de Água e Esgotos, a Cedae, justamente sobre a privatização do setor de tratamento de água e esgotos. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, antes de ser eleito, afirmava que a Cedae não seria privatizada. Conseguiu impedir a sua privatização, mas hoje começa a lotear esse órgão, iniciando a privatização pelos Municípios. Pelo menos em 10 Municípios, esse setor já está nas mãos dos Prefeitos Municipais. Com certeza, o caminho será a privatização, mas o problema em questão é justamente o controle da água, o principal elemento hoje considerado. V. Exª se referia à questão da qualidade da água, da saúde, e sabemos que no próximo século a água será tão valiosa quanto o petróleo foi no século XX. Esta questão é fundamental não só em relação ao saneamento básico mas também para que possamos chamar a atenção da sociedade para esse assunto. Sabemos que há países que trocam petróleo por água. O Brasil é detentor de considerável quantidade de água no planeta Terra. Se não tomarmos a iniciativa de proteger os nossos rios, os nossos mananciais, as nossas águas, tudo isso vai ser entregue, com essas privatizações, às multinacionais. As nossas águas, a saúde de nosso povo, toda essa riqueza, será entregue ao capital externo, ao capital internacional. Portanto, V. Exª traz a esta Casa um assunto muito importante, e quero parabenizá-lo pela iniciativa e chamar a atenção do Senado para a necessidade de um debate nacional sobre a questão. Nós temos que impedir que mais um crime seja cometido contra este patrimônio público que são nossas águas, nossos mananciais, nossos rios. Muito obrigado, Senador.

 

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES)– Muito obrigado, Senador Geraldo Cândido.  

Há três coisas que considero muito importantes. Primeiro, é preciso desbloquear os recursos do FGTS para voltarem a ter crédito para a área de saneamento Estados e Municípios. Segundo, precisamos definir a titularidade desse setor. Esta é uma questão que o Senado precisa debater, se debruçar sobre ela. Anos a fio o Senado tem discutido este assunto, que precisa ser definido. Terceiro, precisamos ter um marco regulatório, porque esse é um setor que precisa ter compromisso com a área de meio ambiente e com o cidadão. Por exemplo, eu entendo, Senador Geraldo Cândido, que o fornecimento de água em uma residência não pode ser cortado. Pode-se até discutir a diminuição do fornecimento de água, mas não o corte, nem mesmo contra o não-pagamento, porque se trata de um direito do cidadão. Precisamos definir um marco regulatório muito claro. Se tivermos um marco regulatório, vamos sair dessa privatização selvagem, em que grupos privados assumem sem nenhum compromisso, sem nenhuma responsabilidade.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT – AM) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Concedo um aparte ao Senador Jefferson Péres, com muita satisfação.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT – AM) – Senador Paulo Hartung, V. Exª e eu temos sido dois Senadores que recorrentemente abordamos este assunto da privatização das empresas de saneamento. Não tenho nenhum preconceito com relação à privatização. O processo de desestatização veio tardiamente no Brasil, mas me preocupa a forma e as condições dentro das quais estão sendo feitas essas privatizações – e a mim, particularmente, dada à colocação em leilão, na Bolsa de Valores, da Manaus Saneamento, que é a empresa estatal que explora os serviços na minha cidade. Como V. Exª tem acentuado, e eu também, como se pode pensar, Senador Paulo Hartung, em privatizar uma empresa de saneamento sem um marco regulatório, sem regras claras e sem uma agência reguladora forte, bem equipada, autônoma, que possa exercer realmente a fiscalização? Em se tratando de um monopólio natural, no qual não existe concorrência, e não pode existir, de um bem absolutamente vital, com uma população carente na periferia das grandes cidades que tem que ser subsidiada, porque não vai poder pagar a tarifa necessária para cobrir o custo do serviço, como é possível que o BNDES esteja proibido de financiar empresas estatais de saneamento há algum tempo, forçando a privatização? Felizmente, já por duas vezes, foi suspenso o leilão de privatização da Manaus Saneamento. Na última vez, o Governo do Estado interveio junto ao Tribunal implorando que fosse concedida a liminar, porque só uma empresa estrangeira se habilitou a pagar o preço mínimo. É inconcebível, Senador Paulo Hartung, que não se perceba quão temerária é a privatização feita nessas condições. Meus parabéns, mais uma vez, pela sua insistência neste assunto.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Senador Jefferson Péres, agradeço o seu aparte e o acolho. V. Exª inclui temas importantíssimos: a definição do fornecimento desse serviço, principalmente o da distribuição de água, como monopólio. Esse não é um caso em que podemos discutir a titularidade a partir da União; ela está em discussão nos Municípios e nos Estados. No caso das redes interligadas nas regiões metropolitanas é que há uma dúvida em relação à titularidade. Não teremos uma agência nacional para tomar conta, para regular esse setor. Vamos precisar de agências estaduais e, em alguns casos, até locais, pelo significado de uma população de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Esse é um precisamos discutir, aprofundar.  

O Sr. Paulo Souto (PFL – BA) – Senador Paulo Hartung, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Ouço V. Exª, Senador Paulo Souto, embora meu tempo esteja se esgotando.  

O Sr. Paulo Souto (PFL – BA) – Quero cumprimentá-lo mais uma vez pela preocupação com que V. Exª tem-se dedicado a este tema, que é um dos mais importantes. Felizmente, agora, ele chegou até o Presidente da República. Não quero aqui discutir o problema da privatização, embora compartilhe de todas as ansiedades aqui expostas, pois um processo feito de forma precipitada pode ser nocivo – embora, em tese, isso possa ser feito com os cuidados que, naturalmente, ele merece. No entanto, mais uma vez, quero chamar atenção para o fato que não é apenas o problema de contingenciar o FGTS. Os Estados, que seriam os potenciais tomadores de recursos para as empresas de saneamento, estão impedidos de tomar esses recursos por causa do problema de endividamento. Então, diante da falta de um marco legal e da incapacidade de os Estados tomarem recursos para o saneamento, é evidente que precisamos de uma estratégia de transição até a privatização, porque estamos vivendo um momento em que não existem recursos para saneamento. Está-se repetindo – e agora é muito mais grave – o que aconteceu com o setor elétrico: o Governo decidiu privatizar, fechou o financiamento para todas as empresas de eletricidade, e quem adquiriu as empresas privatizadas encontrou um enorme déficit de investimento. E isso é muito mais grave no setor de saneamento, porque, infelizmente, esse setor não tem a estrutura institucional do setor de energia elétrica. Portanto, é muito importante que se faça uma estratégia de transição até que tenhamos todas as condições para fazer uma privatização responsável.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Agradeço ao Senador Paulo Souto pelo aparte.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) – V. Exª me concede um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Ouço V. Exª com prazer.  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) – Senador Paulo Hartung, quero parabenizar V. Exª pela oportunidade de seu pronunciamento. Disse em outras ocasiões neste plenário que a Esquerda "gastou muita vela com defunto ruim" nas discussões sobre a privatização. Desde o início, fomos contra a privatização de algumas empresas que poderiam ter sido privatizadas e, quando chegamos à discussão daquelas empresas que são realmente estratégicas - não só do ponto de vista econômico, mas para o País -, a bandeira estava um pouco desgastada. Todavia, como os serviços das empresas privatizadas têm se mostrado ineficientes, existe uma grande sensibilidade da população para uma nova discussão sobre as privatizações.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Faz soar a campainha.)  

O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT – SE) – Estou concluindo, Sr. Presidente. Senador Paulo Hartung, V. Exª aborda um tema que já foi objeto de projetos no Senado, mas que, de vez em quando, são esquecidos. O Governo já conta com uma arrecadação de não sei quantos bilhões de reais decorrentes da privatização das empresas de saneamento, quando ainda não está resolvida a questão do poder concedente. Existem ações no Supremo Tribunal Federal e projetos em tramitação nesta Casa, particularmente em relação às regiões metropolitanas. Ademais, essa questão de saneamento não é meramente do âmbito econômico, porque está relacionada diretamente à saúde pública. Portanto, essa discussão não pode ser restrita exclusivamente à área econômica. Digo isso sem qualquer preconceito, até porque sou entusiasta das iniciativas tomadas pelo ex-Prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci, no sentido de abrir concessões para a iniciativa privada em alguns aspectos, particularmente em tratamento de esgoto, mas sem abrir o controle acionário da empresa, mormente na parte de captação e distribuição de água. Parabenizo V. Exª e espero que o Senado realmente entre de cabeça nessa importante discussão.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Agradeço o aparte do nobre Senador José Eduardo Dutra e dou seqüência à conclusão do meu pronunciamento.  

Com o êxodo rural dos últimos 50 anos, produzimos cidades sem qualquer planejamento. E estabelecemos contradições também. Vejamos: na década de 90, o déficit urbano na oferta de abastecimento de água caiu de 14% para 8,8%, o que até seria louvável. Ressalte-se, no entanto, que nessa redução a execução dessas políticas não consideraram aspectos de qualidade, tais como a intermitência na prestação de serviço e que é fundamental no combate às doenças já citadas.  

Com relação ao esgotamento sanitário, o déficit reduziu-se de 54% para 50,6%, mas, estima-se que apenas 10% do esgoto coletado receba algum tratamento. Quanto ao serviço de coleta de lixo, o déficit foi reduzido consideravelmente de 20% para 9,3%. No entanto, apenas 29% desse lixo tem destino final adequado. A conclusão é que a insuficiência do tratamento de resíduos sanitários sólidos e líquidos constitui-se um dos maiores desafios ambientais urbanos do País.  

Não faltam críticas também à atuação das 27 empresas concessionárias estaduais, responsáveis pelo atendimento de 74% da população servida pelo abastecimento de água em todo o País. O poder do monopólio, aliado a graves problemas de gestão, resultou na baixa eficiência operacional dessas empresas, se comparadas a padrões internacionais. A produtividade por empregado é três vezes inferior e o nível de perda de faturamento é quase o dobro de empresas similares que atuam em outros países.  

O custo da ineficiência operacional é repassado ao consumidor ou financiado com recursos de natureza fiscal. Atualmente, o preço médio da tarifa praticada no Brasil está entre os mais altos da América Latina e aproximado-se dos países mais desenvolvidos.  

A média das perdas de faturamento das companhias é da ordem de 45%. Considerando-se que o faturamento do setor em 1997 atingiu R$7,9 bilhões, uma redução desse índice de perda para 20% tornaria disponíveis recursos da ordem de R$1,5 bilhão para serem investidos. Este valor é superior à média anual de investimentos em água e esgotos realizados no período do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), da ordem de R$530 milhões, e representa, aproximadamente, 40% dos investimentos necessários para os próximos anos.  

O que devemos concluir é que, ao expor suas contradições, na reunião de Cúpula Econômica do Mercosul, o Governo abriu espaço para uma nova agenda para o País. E essa agenda o Congresso Nacional deve adotar como sua, o que não é contradição alguma. É o reconhecimento de uma dívida social, que com atraso, devemos nos esforçar para quitar.

 

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2000 - Página 9488