Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ABORDAGEM SOBRE A REALIDADE E PERSPECTIVA PROFISSIONAL DA MULHER NO COOPERATIVISMO.

Autor
Luzia Toledo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Luzia Alves Toledo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • ABORDAGEM SOBRE A REALIDADE E PERSPECTIVA PROFISSIONAL DA MULHER NO COOPERATIVISMO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2000 - Página 9536
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • ANALISE, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, MERCADO DE TRABALHO, IMPORTANCIA, ALTERNATIVA, COOPERATIVISMO, FORMA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DESEMPREGO, CRISE, RELAÇÃO DE EMPREGO.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, COOPERATIVISMO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISTRITO FEDERAL (DF), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, COOPERATIVISMO, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).

A SR ª LUZIA TOLEDO (PSDB - ES) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para abordar um tema que considero dos mais importantes: a realidade e perspectiva profissional da mulher no cooperativismo . 

Tenho, ao longo de minha vida pública, sido convidada para participar de vários eventos relacionados à condição feminina em nossa sociedade.  

Assim sendo, tive oportunidade de debater e defender uma infinidade de questões voltadas para o universo da mulher: discutir o sistema de cotas eleitorais femininas, a convite do Governo de Portugal, a educação, a saúde, o poder, o trabalho e tantas outras questões atinentes à igualdade de gênero, em vários Estados do Brasil.  

Mas entre tantas áreas afins a nós, mulheres, vejo como extremamente oportuna a questão do cooperativismo de gênero feminino.  

Todos sabemos que o cooperativismo tem se revelado uma alternativa viável e promissora aos graves problemas oriundos do desemprego e da crise das relações do trabalho. Sabemos, também, que a inserção crescente da mulher no mercado de trabalho é uma realidade inquestionável. Ora o que considero necessário é a contextualização dessas duas premissas, não só pelas exigências conjunturais, como também por uma inclinação natural entre a mulher e o cooperativismo.  

Há algumas semanas, li, em uma dessas sessões de "abra-seu-próprio-negócio", cada vez mais freqüentes em nossos jornais, uma reportagem comentando as habilidades que as mulheres têm para gerir uma empresa, em razão de sua função na administração doméstica e familiar. "Essa é uma das principais características das mulheres: elas sabem gerir pessoas". "Quem consegue administrar uma casa, pode tocar uma empresa", afirmava o sócio de uma firma de consultoria.  

Achei interessante levar esse raciocínio adiante. Até recentemente, e, até hoje, em muitos lugares do País, e em determinadas circunstâncias, a idéia da mulher como a "administradora do lar" revela um aspecto simbólico importante da forma como se dá parte das relações de gênero no Brasil e que influencia as estatísticas sobre mulher e trabalho. As atividades domésticas e as responsabilidades familiares ainda são traduzidas, em nosso repertório cultural, como atribuições essencialmente femininas. Por mais que as taxas de atividade feminina estejam crescendo no mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas, ainda recaem sobre as mulheres grande parte das responsabilidades domésticas, e isso se reflete em indicadores como a maior presença feminina em empregos em tempo parcial, comparativamente aos homens. A responsabilidade – que muitas mulheres atribuem a si mesmas, é verdade – para com as atividades da "reprodução" contribui para manutenção de uma posição preconizada no mundo do trabalho.  

Essa associação entre mulheres e responsabilidades familiares tem também um outro lado da moeda. Se, por uma lado, as mulheres ocupam posição secundária no mercado de trabalho – em termos de remuneração e acesso a cargos de diretoria – por outro, o trabalho que desenvolvem em casa é visto como "trabalho secundário", a ponto de não ser considerado – mesmo pelas pesquisas do IBGE – como atividade econômica. A dona de casa, por exemplo, não faz parte da População Economicamente Ativa – assim como os detentos, os doentes, os inválidos. Seja pela desvalorização do trabalho doméstico, seja pela carga da dupla ou tripla jornada, a precarização do trabalho feminino deve-se muito à dificuldade que homens e mulheres temos de imaginar responsabilidades familiares igualmente partilhadas.  

Nesse sentido, a conquista da eqüidade de gênero no mundo do trabalho passa pelo redimensionamento simbólico – e real – das responsabilidade familiares. O cooperativismo feminino desempenha um papel crucial nessa conquista, ao possibilitar que atividades até então consideradas "secundárias" – costura, bordado, artesanato, doceria – passem a representar, não só possibilidade de obter ganhos extras como também alternativa ao desemprego do chefe de família, vindo a constituir a principal fonte de renda de muitas famílias.  

Os casos são muitos. Vou citar o exemplo de Maria. Há dois anos, ela vivia em apuros. Bóia-fria, voltava do trabalho tarde da noite, sempre em caminhões apinhados e ônibus irregulares. Se visse polícia na estrada, tinha de fugir para o outro lado. Quase morreu picada por cobra escondida no cafezal, porque não tinha dinheiro para comprar óculos, necessários para ver o perigo. Para piorar, não encontrava trabalho na entressafra, de dezembro a abril.  

Agora, aos 53 anos, Maria Rossi Pereira virou empresária. Com cinco colegas, abriu a Cooperativa de Pães e Biscoitos de Guaiçara, cidade de 8 mil habitantes, localizada a 454 quilômetros de São Paulo.  

Em pouco mais de um ano, conseguiram sede própria, computador, carro para entregas, cinco fornos. E continuam a crescer. Já agregaram mais seis sócios.  

A história de Maria foi publicada pela Gazeta Mercantil , no ano passado. Mas há muitas outras Marias.  

Há seis anos, um grupo de costureiras de Sobradinho, cidade satélite de Brasília, se uniu para formar uma associação. As costureiras juntaram suas economias para comprar o maquinário necessário, promoveram cursos com estilistas de renome e passaram a gerar emprego para a população carente. Com a ajuda do Sebrae, foi formado, também, o Pólo de Roupas Íntimas de Sobradinho, que passou a fornecer seus produtos para várias partes do País. Em alguns casos, as costureiras trabalhavam na própria cozinha de suas casas, por falta de espaço. As cidades vizinhas começaram a imitar o exemplo, abrindo novas frentes de trabalho no ramo.  

Também em Pernambuco o setor de vestuário deu bons resultados, graças a esse tipo de experiência. A Cooperativa Pernambucana de Vestuário e Têxtil tem fechado contratos em Portugal, Espanha e França, além das vendas no mercado interno. A Cooperativa dispõe de cinco teares com capacidade de produção de 60 toneladas de malha por mês.  

Em Araruama, Estado do Rio de Janeiro, uma alternativa encontrada por 22 tecelãs interessadas em "engordar" a renda foi a cooperativa "Nós da Trama". Começaram com um capital social mínimo de R$ 4 mil. Hoje, o negócio é tocado em 14 teres espalhados pelo município e pela cidade de Niterói. Em tempos de carnaval, a turma da "Nós da Trama" entra na Avenida com tecidos usados nas fantasias da União da Ilha e da Mocidade Independente de Padre Miguel.  

Como se vê o cooperativismo não é um fenômeno localizado. É uma tendência que está em toda parte. É preciso saber onde estão as oportunidades. A crescente presença da mulher no mercado de trabalho também não é uma ocorrência episódica. É uma tendência constante. É inevitável, portanto, a conjunção desses fatores.  

Anos de altas taxas de desemprego acabaram favorecendo a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho, em todos os setores, mesmo naqueles que há poucos anos eram redutos masculinos. Parece paradoxal, mas as pesquisas de emprego do IBGE já apresentam dados que comprovam o avanço feminino no mercado, justamente na década de crise generalizada do emprego, de falta de vagas, de mudanças tecnológicas profundas e de grandes exigências em relação à formação do profissional.  

Assim, está aí uma das explicações para o paradoxo: a retração do mercado de trabalho fez com que as empresas exigissem, cada vez mais, dos candidatos a uma vaga condições como escolaridade e participação em cursos de qualificação profissional, quesitos nos quais as mulheres estão levando vantagem em relação aos homens.  

A educação formal, que é parte causa parte efeito, é o fator mais simples de mensurar e rastrear. Existe, ainda, uma desigualdade evidente entre as pessoas mais velhas no aspecto referente à percentagem da população que passou pelos níveis superiores de escolaridade secundária e por formação universitária, com muito mais homens tendo concluído cursos desses níveis. Mas, para a última geração a deixar a universidade, a que agora tem entre 25 e 34 anos, caminha-se, finalmente, para a conquista da igualdade. As diferenças persistem, mas o encurtamento da distância é inegável.  

Isso em relação às pessoas – homens e mulheres – que tiveram acesso à educação formal e à qualificação profissional. Essa é uma vertente do mercado de trabalho, aquela que registra a crescente participação feminina apesar das defasagens salariais e da ocupação desigual dos cargos de chefia.  

Entretanto, existe um outro universo de pessoas – homens e mulheres – que não tiveram acesso à educação formal na idade própria e que sobrevivem no mercado informal de trabalho. Nesse universo, sempre foi maior a presença da mulher.  

Portanto, o que o advento do crescimento do cooperativismo favorece é a inserção desse enorme contigente feminino no mercado de trabalho.  

Como exige um gasto inicial relativamente pequeno e possibilita retorno conforme o esforço pessoal, o cooperativismo pode ser considerado a grande oportunidade para as mulheres excluídas do mercado de trabalho.  

Formar uma cooperativa, contudo, exige, entre outras coisas, orientação administrativa e contábil, instalação de sede própria, veículo para compra e entrega de mercadorias, capital de giro e adaptação às exigências da lei. Passada a primeira fase, as cooperadas precisam receber treinamento especial, além de cursos para aprender, por exemplo, a trabalhar para datas comemorativas.  

É, aqui, que deverá ter papel de destaque a atuação das associações, sindicatos e outras instituições voltadas para a consolidação do movimento cooperativista.  

Entre esses órgãos incentivadores do cooperativismo, quero registrar a Organização e Sindicato das Cooperativas do Estado do Espírito Santo, que muito tem contribuído para que, em nosso Estado o cooperativismo se fortaleça.  

Registro, também, a realização do 1º Encontro do Movimento Feminino para o Cooperativismo no Estado do Espírito Santo, do qual tive a honra de participar. Esse evento contou com a participação de mulheres de todo o nosso Estado, que se reuniram para discutir, e posteriormente difundir, o resultado positivo da união de idéias e do trabalho realizado por várias mãos, que resultem em divisão de benefícios para aquelas que participam de ações cooperativistas.

 

Em resumo, Sr. Presidente, é possível afirmar que o cooperativismo é uma grande tendência do mercado para os próximos anos, em razão das alternativas que oferece às formas convencionais de emprego, sabidamente em crise. É aceitável afirmar, também, que a mulher tem uma afinidade natural com essa forma de organização, pela própria natureza das atividades que, historicamente, lhe foram delegadas na sociedade. É desejável, portanto, que sejam apoiadas e estimuladas as iniciativas destinadas a promover o associativismo no trabalho feminino, como forma de assegurar a empregabilidade de um enorme contingente de mulheres e, dessa forma, minimizar as graves conseqüências que o desemprego traz ao País.  

Muito obrigada.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2000 - Página 9536