Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DISCORDANCIA COM O TEOR DO RELATORIO DO DEPUTADO MICHELETO, QUE VERSA SOBRE A MEDIDA PROVISORIA DO CODIGO FLORESTAL.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • DISCORDANCIA COM O TEOR DO RELATORIO DO DEPUTADO MICHELETO, QUE VERSA SOBRE A MEDIDA PROVISORIA DO CODIGO FLORESTAL.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2000 - Página 9784
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, APROVAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO ESPECIAL, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, AUSENCIA, APROVEITAMENTO, PROPOSTA, CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (CONAMA), COLABORAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REPRESENTANTE, GOVERNO, PRODUTOR, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA).
  • CRITICA, REDUÇÃO, RESERVA, FLORESTA AMAZONICA, CERRADO, MATA ATLANTICA, RETROCESSÃO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REPUDIO, IDEOLOGIA, DESENVOLVIMENTO, DESTRUIÇÃO, RECURSOS FLORESTAIS.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, quero apenas fazer um breve registro, até porque estarei me reportando a esse assunto posteriormente.  

Ontem foi um dia bastante cansativo para todos nós, particularmente para nós, da Oposição. Isso porque tivemos aqui três votações importantes, com prejuízos igualmente importantes para o interesse do povo brasileiro.  

O primeiro deles ocorreu na parte da manhã, na Comissão Especial que dava parecer ao projeto de conversão da medida provisória sobre o Código Florestal, ocasião em que foi aprovado o relatório do Deputado Micheletto; relatório este que desconsiderou os pontos mais importantes da proposta apresentada pelo Conama, que contava com a participação dos mais diversos segmentos da sociedade: as ONGs ambientalistas, representantes do Governo e a parte dos produtores, principalmente da Confederação Nacional da Agricultura.  

Durante alguns meses, desde o final de dezembro do ano passado, iniciamos um amplo processo de discussão. Achávamos que o fórum adequado para as modificações no Código Florestal, que deve acontecer - até porque o Código Florestal precisa ser atualizado à luz dos avanços que tivemos em relação à legislação ambiental, que foi sendo criada neste País - deveria ser a Câmara Técnica do Conama.  

Conseguimos que esse debate ocorresse na Câmara Técnica do Conama; conseguimos chegar a uma proposta consensuada com pequenas divergências, mas estas refletem o esforço empenhado pelos mais diferentes setores da sociedade. E como tivemos ali a participação de três Ministérios - o Ministério do Meio Ambiente, o da Agricultura e a Casa Civil -, entendia-se que o Governo estava apresentando uma proposta e que, no Congresso Nacional, haveria alguém para bancar essa proposta na base do Governo. E foi grande o meu espanto, bem como o da Bancada socioambiental do Congresso Nacional com o fato de que, realmente, embora se dissesse que aquela era a proposta do Governo, ninguém a estava defendendo. E o que tivemos como resultado de aprovação foi a proposta do Deputado Micheletto, que, segundo S. Exª, foram incorporadas 70% das propostas existentes no projeto do Conama, apresentado em forma de substitutivo pelo Senador Pedro Simon.  

Agora, se permanecem 70%, mas os 30% que ficam de fora são a espinha dorsal do projeto, não há muito o que comemorar. Até usei o exemplo de alguém que diz: "Estou mantendo a integridade física do seu corpo em 70%, mas o seu cérebro e o seu coração, esses eu vou detonar." O que podemos fazer com um corpo que não tem cérebro e coração?  

Foi isso o que o Deputado Micheletto fez: no que se refere à reserva legal, a da Amazônia passou de 80% para 50%; a do cerrado e da Mata Atlântica foi rebaixada de 50% para 20%, e na área de preservação permanente, S. Exª instituiu uma novidade que não sei de onde tirou. Diz o texto do Deputado Michelletto que as áreas de preservação permanente em que não há mais a cobertura vegetal ou natural podem ser utilizadas para qualquer outro fim: agricultura, criação de boi, capim, carrapato, ou o que S. Exª crê que nelas deva ser feito.  

Ora, as áreas de preservação permanente, geralmente, têm um significado e não são criadas ao acaso. Elas ficam nas encostas de morros, nas margens dos rios e dos lagos, são reservas que cumprem uma função estratégica, principalmente no que concerne aos recursos hídricos. Se foram devastadas, isso não significa que devam ser aproveitadas para outros fins que não aqueles para os quais foram criadas. Elas têm que ser recuperadas, mas, na sua proposta, o Deputado Micheletto lhes dá um outro destino, o que é uma contradição aos objetivos de sua criação.  

Um outro aspecto que consideramos importante é que, segundo a proposta do Conama, primeiro deveriam ser aproveitadas as áreas já devastadas e que estão abandonadas – hoje, mais de 160 mil km² já foram devastados e abandonados, sem contar que, ao todo, na Amazônia, já foram devastados 551 mil km². E as pessoas ficam querendo mais, mais e mais.  

Fiquei estarrecida quando, na parte da manhã, vi que um grupo de entidades ambientalistas não pôde entrar para assistir à votação do projeto de conversão. Indaguei sobre isso aos seguranças, que me alegaram ordens superiores. Perguntei o mesmo ao Presidente da Comissão, que me disse ser algo vindo dos seguranças. Como sei que muitas decisões acabam sendo jogadas nas costas dos seguranças e não aparece quem lhes deu a ordem, entendi que havia, sim, uma orientação por parte de alguém da Comissão para que apenas entrassem os ruralistas, porque estes eram muitos, sentados, muito bem acomodados. No entanto, os ambientalistas estavam de fora, não podiam entrar, o que, regimentalmente, é proibido. Quando argumentei com o Presidente, Senador Jonas Pinheiro, que isso feria o nosso Regimento Interno, segundo o qual as nossas sessões de Comissão são públicas e a elas pode assistir qualquer cidadão, S. Exª aquiesceu e os ambientalistas puderam entrar.  

Lamentavelmente, o que foi aprovado ontem é um retrocesso na legislação ambiental brasileira. Discordo completamente do discurso que diz que a manutenção de 80% da Amazônia e 50% do cerrado significa o engessamento do nosso desenvolvimento, e que a ampliação em mais 30% da devastação da Amazônia será a redenção da Economia da região, pois isso vai gerar emprego, acabar com a pobreza e tudo o mais. Isso não é verdade e não concordo com esse argumento, porque, no Sul e no Sudeste, acabou-se com a Mata Atlântica – hoje, só restam 7% dela - e fica a pergunta: por que lá ainda existem pobres e problemas? Já acabaram com tudo e estão reivindicando mais ainda, querem o restinho, dizendo que isso é para gerar emprego e renda, fazer o progresso e acabar com a pobreza.  

Na Amazônia, acaba-se com a pobreza acabando-se com os meios que possibilitam as condições de vida na pobreza, porque, em São Paulo e no Rio de Janeiro, quem é pobre mora em favela, morro acima e morro abaixo. Na Amazônia é diferente, porque há mata. Nela, quem é pobre pode pegar um tambaqui, um jaraqui, um pirarucu, um mandi e comer, obtendo proteína de peixe; pode pegar a castanha, extrair a borracha, caçar e pescar, e, ao menos em termos protéicos, vive em melhores condições do que em qualquer outro lugar deste País. Entretanto, existem aqueles que dizem: "Não, ampliar mais, mais e mais é o progresso".  

Progresso seria se tivéssemos um outro paradigma de desenvolvimento que não esse, atrasado, de se pensar que é derrubando-se floresta que se resolverá o problema do desemprego e da pobreza. Esse argumento é falacioso, pois os antigos seringais nativos comportavam de cem a duzentas famílias, enquanto uma fazenda com o mesmo número de hectares de terra ocupa apenas cinco peões. Para onde vão as outras pessoas que moravam nos antigos seringais nativos? Para as periferias das cidades.  

Então, ali houve um retrocesso que espero que o Congresso Nacional tenha a oportunidade de reparar quando da votação desse projeto de conversão. Se assim não for, o Governo deve ter paciência e reeditar a medida provisória dos 80% e dos 50% para que não se crie uma anomalia incongruente e sem coerência com o avanço da legislação ambiental. Se o Governo quer resolver o problema dos ruralistas e se estes desejam solucionar suas questões, devem buscar meios para isso. Penso que é possível haver apoio técnico e recursos para se assumir uma atividade produtiva sustentável, porque essa idéia de se garimparem nutrientes, principalmente na Amazônia, para plantar roçados, plantar capim e criar bois constitui uma visão atrasada.  

Todos sabem que a política de pecuária extensiva, por exemplo, não tem sustentabilidade, pois, depois de cinco, seis ou sete anos, o pasto já não serve mais, sendo necessárias outras florestas para, após outros cinco anos, serem derrubadas. A Embrapa já dispõe de tecnologia que assegura o melhoramento de pastos de modo a se dobrar a capacidade de criação de bois sem se precisar derrubar a floresta. Não sei que prazer as pessoas têm em, mesmo existindo a tecnologia, derrubar, queimar e plantar capim. Não entendo isso como progresso, mas como atraso. É claro que precisamos de uma agricultura e de uma pecuária fortes, além de tudo o mais a que temos direito, mas, se há meios técnicos para obtermos isso sem a destruição da floresta, vamos criar um referencial ético para que essa técnica possa ser implementada, evitando-se a devastação.  

Fiquei muito triste quando vi as pessoas comemorando como vitória, ontem, a ampliação em mais 30% das possibilidades de devastação da Amazônia. E estávamos, inclusive, flexibilizando muito, dizendo que os 80% e os 50% poderiam ser revistos de acordo com o zoneamento ecológico e econômico de cada Estado, de cada região. Na proposta do Deputado Moacir Micheletto isso também pode ser revisto, só que S. Exª diz que, na Amazônia, pode cair de 50% para 20%, assim como no cerrado e na Mata Atlântica.  

Na verdade, ontem aconteceu uma política de corte raso na Amazônia e no salário. Lamentavelmente, foram duas derrotas. Fico feliz que o Presidente Antonio Carlos, ontem, não tenha colocado em votação o projeto de conversão do Deputado Micheletto, porque tenho certeza de que muitas pessoas iriam querem votar o corte raso no salário em troca do corte raso na Amazônia. Ainda bem que não foi assim e, agora, teremos a oportunidade de esclarecer para a opinião pública que a manutenção dos 80% na Amazônia e 50% no cerrado, em hipótese alguma significa engessar o desenvolvimento. Ao contrário, significa termos um novo paradigma de desenvolvimento que compatibilize preservação ambiental, crescimento econômico e justiça social.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2000 - Página 9784