Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DIA NACIONAL DE DENUNCIA CONTRA O RACISMO, EM 13 DE MAIO PROXIMO.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • DIA NACIONAL DE DENUNCIA CONTRA O RACISMO, EM 13 DE MAIO PROXIMO.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2000 - Página 9797
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • CRITICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, OCULTAÇÃO, PROBLEMA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL.
  • REGISTRO, DATA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL, OPORTUNIDADE, DENUNCIA, SITUAÇÃO, EXCLUSÃO, NEGRO, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as comemorações em torno dos 500 anos do Brasil têm um traço marcante: a reprodução do mito da democracia racial. A mídia divulga imagens da suposta 'harmonia racial' entre brancos, negros, índios, asiáticos e todos os povos que estão na base da formação da nação brasileira. Propagandas exaltam a figura dos negros, numa clara jogada publicitária para ocultar que, na vida real, acontece exatamente o contrário. Esta atitude não é nova, mas as celebrações do quinto centenário é o momento propício para a reprodução desse mito. Não vamos repetir aqui estatísticas, que todos sabem, sobre as condições socioeconômicas dos afro-brasileiros (renda, nível de emprego, acesso à educação, etc.). Mas é evidente que, mais de um século após a assinatura da Lei Áurea, a situação dos negros no Brasil é um atestado permanente da falácia da "democracia racial".  

A base dos festejos do dia 13 de Maio, comemorado pela história oficial como aniversário da Abolição da Escravatura, está na lembrança heróica da libertação dos escravos, convivendo contraditoriamente com a marca da espoliação, da injustiça e da discriminação de brancos sobre negros. Embora 112 anos tenham transcorridos desde a libertação oficial dos escravos, a discriminação contra os afro-descendentes atravessa a longevidade do tempo. Por mais que a elite brasileira teime em divulgar a existência da democracia racial, a realidade comprova que, por debaixo da fachada caricatural, o racismo corrói as relações sociais. Por isso, os movimentos negros brasileiros lembram esta data - 13 de maio - como o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo , sendo que a referência da consciência negra brasileira passou a ser o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, aniversário de Zumbi dos Palmares, oportunidade em que se combate o mito da democracia racial e critica-se os pilares da história oficial, que celebra a Lei Áurea e a Princesa Isabel, marcos históricos na visão das elites.  

Será que os negros deverão esperar mais outro século para obter o direito à participação plena na vida nacional? São estas as reflexões que deverão ser feitas neste 13 de maio, mais uma dessas datas onde os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública, mas quase solitária, reflexões sobre suas condições de sobrevivência.  

O quadro caótico em que se encontram atualmente as questões relacionadas ao crescente desemprego da população brasileira, deixa transparecer de forma ainda mais forte a situação da população negra dentro desse contexto.  

Considerando que, juntamente com os indígenas, os afro-descendentes são os primeiros trabalhadores no Brasil, o desemprego é um fator que acompanha a população negra há 112 anos, desde o 13 de maio de 1888, quando a abolição foi declarada. A partir dessa data o povo negro, com a justificativa de ser mão de obra "despreparada", foi jogado às margens do processo de reestruturação das relações econômicas e de trabalho pela qual passava o país, sendo propositalmente substituído por mão de obra branca e européia (os imigrantes).  

Essa desculpa, utilizada para camuflar os verdadeiros interesses que moviam esse processo de desemprego do povo negro após mais de 300 anos de exploração escrava de sua mão de obra, persiste ainda hoje. Porém, de maneira mais sofisticada e com a utilização de novas formas de dominação.  

O sistema de opressão que nos foi imposto tem hoje um novo nome: neoliberalismo. Uma grande parcela da população negra não é mais considerada apenas "despreparada" para enfrentar as exigências de uma suposta economia globalizada. Mais do que isso, somos vítimas de um genocídio que se manifesta de várias formas e maneiras, e que continua nos impedindo de possuir uma vida digna e de vivenciarmos uma cidadania plena, pautada pelo acesso a direitos básicos como a terra, o trabalho e a educação.  

Concluindo, Sr. Presidente, faço minhas as palavras do professor e geógrafo Milton Santos: "Pode-se dizer que aqui (no Brasil) não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma de apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

çãomï


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2000 - Página 9797