Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO VALOR DO SALARIO MINIMO APROVADO PELO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • CRITICAS AO VALOR DO SALARIO MINIMO APROVADO PELO CONGRESSO NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2000 - Página 9867
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VOTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, FIXAÇÃO, SALARIO MINIMO, AUTORITARISMO, EXECUTIVO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, INFERIORIDADE, VALOR, PREJUIZO, TRABALHADOR, REPUTAÇÃO, BRASIL, EXTERIOR, CONTINUAÇÃO, MISERIA, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXCESSO, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AMBITO, POLITICA SALARIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anteontem foi discutida e aprovada, numa sessão conjunta do Congresso Nacional, a questão da fixação do salário mínimo no Brasil. Ficamos aqui até às duas horas da madrugada - nessas ocasiões, a imprensa não se encontra por perto para acompanhar o nosso trabalho; devia já estar dormindo -, num processo de votação para mim altamente doloroso, porque eu sabia que, mais uma vez, seríamos derrotados. O Governo já havia dito que usaria os instrumentos que sempre usou até um pouco antes da reeleição, quando tudo e mais alguma coisa foi utilizada pelo Poder Executivo, despótico e autoritário, para garantir, pela primeira vez na História do Brasil, a reeleição de um presidente.  

Em momento anterior, o Governo dizia que ia parar de usar esses instrumentos espúrios, essas "relações pouco ascéticas" entre Executivo e Legislativo. Algumas vezes foram flagrados atos de corrupção explícita, como, por exemplo, quando dois Deputados Federais confessaram que haviam recebido R$200 mil para votar nas propostas do Governo e depois, logo em seguida, renunciaram ao seu mandato. Essas coisas não morreram com o falecimento do Ministro que era encarregado de tecer essas relações espúrias entre os dois Poderes.  

Agora, mais uma vez, o Governo tinha de , foi obrigado a estabelecer que o salário mínimo não poderia ultrapassar R$151 por mês. Fiquei até às duas horas da madrugada acompanhando aquelas discussões que entristeceram, empobreceram o Legislativo brasileiro: o Governo lutando para impor os míseros R$151 aos trabalhadores brasileiros. Esse Governo, que tanto preza a imagem externa do Brasil, nesse momento descuidou da nossa imagem, não teve vergonha de estabelecer esse salário, inferior ao da Bolívia, ao do Paraguai, ao da Argentina e ao de quase todos os países do mundo. Nesse momento, o Brasil perdeu a vergonha, e, agora, como irá se apresentar diante da França, por exemplo, onde o nosso Presidente gosta tanto de freqüentar os boulevards, os grandes restaurants e toda a finèsse parisiense? Como se apresentar diante da França com um salário miserável de R$151 por mês?  

Na França, o salário é de US$1.400 e o governo já havia prometido uma elevação substancial há um ano. Nos Estados Unidos, o salário mínimo foi elevado recentemente de US$5 para US$6 por hora de trabalho. Em 25 dias, US$6 por hora perfazem um total de US$150 por mês. Se o trabalhador trabalhar uma hora por dia nos Estados Unidos receberá, no final do mês, o dobro do nosso mísero salário mínimo.  

Como é possível desenvolver um País tornando miseráveis dezenas de milhões de seus habitantes, que recebem um salário mínimo apenas? E os outros que nem isso recebem e que fazem parte dessa massa excluída da população brasileira, sem voz e sem vez? Eu tinha certeza de que nunca poderíamos chegar em algo que não nos envergonhasse.  

Quando os trabalhadores ingleses, que lutavam há tanto tempo pela sindicalização, fazendo reuniões noturnas para fugirem da polícia e da repressão do capitalismo inglês, liberal, eram encontrados perambulando nas estradas, desempregados, tinham seus rostos marcados com ferro em brasa; da segunda vez em que eram presos nessa situação de desemprego, cortava-se-lhes uma orelha; e, na terceira vez, a liberal Inglaterra cortava o pescoço dos trabalhadores ingleses, liberalmente, mui liberalmente. Trabalhadores ingleses eram também degredados, e o último navio que saiu da Inglaterra levando para a Austrália trabalhadores ingleses, por causa de uma greve, foi em 1876. Lá, na Austrália, o que aconteceu? Os trabalhadores construíram, em grande parte para si, um país invejável, cujo salário mínimo hoje é de US$ 2.800.  

E o Brasil não se envergonha? Perdeu a vergonha, ou nunca teve? A vergonha de um salário de míseros R$151 por mês!  

Isso faz parte, dizem, da globalização.  

Na Alemanha, um artigo escrito no ano passado mostra que, se a globalização avançar, é preciso uma redução de 27 vezes no salário do trabalhador alemão para que a Alemanha possa concorrer com os trabalhadores de Bangladesh e da China. Em Bangladesh, paga-se menos de US$1 por dia.  

No Brasil, em janeiro do ano passado, com a maxidesvalorização do real, que chegou a mais de R$2 por dólar, o salário do trabalhador brasileiro baixou para US$2 por dia. E foi este Governo que o reduziu. Mas não conta, esquece-se - uma amnésia da conveniência, da mentira e do engodo.  

Eu já sabia que isto ia acontecer, que um salário de R$177 ou qualquer outro mais digno não poderia ser aprovado. O Governo fechou questão e ameaçou demitir os funcionários que políticos áulicos do Governo nomearam no intuito de comprar esses votos no momento anterior à reeleição. Agora, uma moeda de duas faces: uma serve para comprar os votos, fornecendo empregos, criando sinecuras; e a outra para ameaçar demitir aqueles que foram nomeados, indicados pelos políticos à disposição do Governo, pelos políticos maleáveis, venais, que vendem duas vezes a mesma mercadoria: a sua consciência frágil e fraca.  

Então, diante dessa situação, como eu sabia que o salário seria de R$151? Eu sabia que seria de R$151, tinha certeza, falei aqui que seria de R$151. Mais não poderia ser.  

Entretanto, será que é apenas isso que quer o Presidente da República? Sua Excelência lutou tanto. No seu discurso de despedida como Senador desta Casa, enfatizou que, em 1983, havia lutado com unhas e dentes contra a proposta do partido do governo do último ditador militar, o Presidente Figueiredo, que propunha reajustar o salário mínimo, corroído pela inflação do período, deixando uma defasagem de 20%. Esta Casa, este Legislativo enfrentou a ditadura, o governo militar e não admitiu essa redução de salário.  

Hoje, contentamo-nos com os míseros R$151 que aí estão, praticamente a metade disso em dólar: US$80. Antes de o outro Fernando, o Collor, assumir, prometeu que deixaria o governo com um salário mínimo de US$300 por mês. Promessa de Fernando Collor! Quando veio o novo Fernando, prometeu que deixaria um salário mínimo de US$250 por mês. Agora, afirma que é demagogia propor US$100 por mês.  

Não há como a amnésia para conservar o equilíbrio da personalidade.  

Por que tinha de ser R$151? Será que o Presidente da República perdeu a sua sensibilidade social, perdeu a sua simpatia e empatia para com o povo brasileiro sofredor? Será que agora Sua Excelência considera que é demagogia um salário mínimo de US$100, ou R$177, por mês apenas?  

Parece-me que o Presidente da República, mais uma vez, não é responsável. O Presidente da República não é responsável, mais uma vez, por um ato que comanda, por um processo que dirige. Quem é, então, o responsável? Não é preciso ser investigador ou pesquisador. Isso está estampado nas muitas caras envergonhadas dos que desencadearam esse processo e conseguiram uma vitória de Pirro: uma vitória que é uma derrota. Todos perceberam isso. Ouvi isso de diversos Deputados da base do Governo.  

Por que é uma vitória de Pirro? Porque um salário mínimo de US$80 mensais só pode ser um desastre eleitoral. Guardaram um desastre eleitoral para o futuro. Não adianta propaganda nem publicidade. Não adianta a figura simpática do propagandista de si mesmo. Não adianta a enganação. O povo sente no estômago e na prática as conseqüências dessa medida desumana e desastrosa, e vai refletir. Hoje, Sua Majestade o Presidente da República está com apenas 14% de aprovação na última pesquisa de opinião pública. Depois desse golpe do salário de US$80 mensais, obviamente cairá para 12%. Na próxima, cairá para 9% ou 10%. E, assim, Sua Excelência, que começou lá em cima, vai despencando e fazendo despencar a base de seus apoiadores no Legislativo para esses níveis ínfimos que vão tornar o Governo ilegítimo, fazer com que perca a legitimidade tão malconquistada na reeleição sem desincompatibilização.  

Por que Sua Excelência não é responsável? Não é responsável porque existe uma senhora que comanda este País. Ela se chama Teresa Ter-Minassian, e é a representante, o comandante-em-chefe do FMI no Brasil. Aqui nada se faz sem o comando dela ou sem a sua aquiescência. A consulta feita pelo Ministro da Fazenda ao FMI, por meio da sua chefe de missão no Brasil, Teresa Ter-Minassian, ainda não tem resposta, informou Malan. Então, estamos vendo que, para qualquer questão, como, por exemplo, neste caso, retirar os investimentos feitos nas estatais dos gastos que compõem as despesas orçamentárias e portanto fazem reduzir o superávit primário do orçamento, até a forma pela qual o orçamento brasileiro é elaborado, depende da Dona Teresa Ter-Minassian. E ela afirmou nos Estados Unidos - razão pela qual eu sabia, eu não adivinhei - cercada por protestos do mundo inteiro, em Washington, que o salário mínimo no Brasil não poderia ser mais de R$151. Eu sabia que estava ali até as duas da madrugada esbravejando e protestando em vão. Já estava decidido. Mas não pelo Senhor Presidente da República que, neste caso, não é o responsável. Sua Excelência deve estar apenas obedecendo às determinações do FMI, assim como o Sr. Ministro Malan, que vai lá saber como o FMI permite que ele faça as nossas contas.  

Chegamos a um ponto em que as vitórias do Governo têm um custo reeleitoral, um custo político, um custo em termos de legitimidade do Poder Executivo enormes, acrescentando-se mais esse problema à conjuntura altamente desfavorável que o Governo construiu nesse segundo mandato do Senhor Presidente da República.  

E por que R$151 apenas? Porque o salário mínimo é uma referência para todos os outros níveis de salários. Quem recebe dois salários mínimos, por exemplo, poderia passar a receber, digamos, R$350,00 por mês, mas com esse salário mínimo lá embaixo, receberá apenas US$160 por mês. Então, baixando-se o salário mínimo, reduzem-se todos os salários acima do mínimo e que o têm como paradigma.  

Pois bem, meu tempo acabou. O assunto é inesgotável e a paciência do povo, tal como meu tempo, deve acabar cada vez com mais rapidez e com mais desespero. Para terminar, vou repetir uma frase de alguém que não é do PT, como aqueles que estavam protestando contra o Sr. Malan e o Sr. Fraga nos Estados Unidos, em Seattle e em Nova Iorque também não eram brasileiros e nem do PT. Refiro-me a um membro do Conselho de Segurança dos Estados Unidos, a direita norte-americana, um assessor, que afirmou que a maneira pela qual o FMI está cobrando a dívida externa da América Latina está destruindo a classe média no continente e criando uma situação explosiva, prestes a estourar diante da segurança nacional dos Estados Unidos.

 

De modo que as provocações feitas por este Governo, o teste da paciência a que submete a população brasileira poderá, um dia – e talvez seja breve –, fazer acontecer aquilo que foi previsto nos Estados Unidos há muito tempo, a cobrança da dívida externa que obriga a D. Teresa Ter-Minassian a fixar o nosso salário mínimo em R$151 e que, obviamente, visa enxugar todas as despesas, menos o pagamento de juros para que sobre mais dinheiro para alimentar a sede do FMI e de seus protegidos internacionais.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2000 - Página 9867