Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA ENFERMAGEM.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA ENFERMAGEM.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2000 - Página 9875
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ENFERMAGEM, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ENFERMEIRO, PROTEÇÃO, PROMOÇÃO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, SAUDE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a globalização está a exigir especializações em todas as áreas do saber e do fazer. Para que se tenha sucesso em qualquer ramo profissional é preciso ter, atualmente, especializações que abram as portas do mercado de trabalho. Comemoramos, hoje, o Dia Mundial da Enfermagem, atividade complexa que existe, na prática, há muitos séculos e à qual se dedicam pessoas especiais com vocação marcante de servir ao próximo, pois a enfermagem é uma arte e uma ciência de pessoas que cuidam de outras.  

São muitas as facetas da enfermagem, que vão desde a prevenção da saúde aos cuidados diretos com os doentes. Todas da maior importância para a população de qualquer país. O primeiro ensino de enfermagem no Brasil foi ministrado pela Escola de Enfermeiros do Departamento Nacional de Saúde Pública, hoje, Escola Ana Néri, fundada em 1923. Como o próprio nome indica, a intenção principal era preparar profissionais aptos a exercer a enfermagem voltada para os cuidados primários de saúde.  

O exercício da enfermagem abrange atividades de maior e menor complexidade e deve ter em vista uma dinâmica de trabalho realista. Ao enfermeiro cabe o atendimento básico das necessidades do ser humano quando limitado por problemas de saúde, auxiliando-o a retomar sua auto-suficiência. Nos cuidados primários com a saúde, o profissional de enfermagem precisa identificar os problemas pessoais, prestar os cuidados necessários, orientar no autocuidado e encaminhar os que necessitam de assistência especial aos hospitais ou postos de saúde.  

A profissão está intimamente ligada a preceitos cristãos, pois as congregações católicas foram as primeiras a dedicar-se às tarefas de cuidar dos enfermos. Os primórdios da enfermagem, como atividade organizada, surgiram na Confraria das Filhas de Caridade de São Vicente de Paula, na França, e no Instituto das Diaconisas de Kaiserswerth, na Alemanha, que treinavam mulheres para a prática da enfermagem. Daí a identidade da ética que rege essa profissão com a ética cristã. A temática abordada nos cursos de enfermagem precisa passar por questões cruciais que limitam o ser humano e lhe roubam a vida. Essa perspectiva tem que estar sempre presente no exercício da profissão. É a presença de uma ética completa e voltada para o homem, não apenas aquela dos compêndios, mas o difícil exercício que consiste em tratar todos os doentes de forma igual, sem distinção de credo, raça, cor e situação econômica. Uma ética penosa em um país em que os pobres e miseráveis constituem a maioria da população e quase nunca têm acesso aos serviços primários de saúde pública.  

Os profissionais de enfermagem voltados para a prevenção precisam, para obter êxito em suas ações, conseguir a participação direta da comunidade no processo de melhoria das condições de saúde. Como nos séculos X e XI, quando mulheres alfabetizadas cuidavam da saúde da população e buscavam soluções para enfrentar doença, gravidez, nascimento e morte, num prelúdio do que viria a ser a profissão, hoje, com muita mais razão e oportunidade, o pessoal de enfermagem deve se misturar com as populações a fim de alcançar êxito na prevenção de doenças. Constituem esses profissionais uma força potencial capaz de estimular e orientar a opinião pública em uma direção correta. Além do mais, são responsáveis por mudanças radicais no sistema de saúde para promover os cuidados primários.  

O Governo precisa se dar conta da relevância da enfermagem, atividade capaz de preencher lacunas nos serviços sanitários e suprir necessidades urgentes da comunidade. Os cuidados primários de saúde devem estar disponíveis e acessíveis para toda a comunidade. O pessoal de enfermagem deve participar ativamente da elaboração de políticas públicas que venham a atender às necessidades da população. Nesse tipo de serviço, a enfermagem cuida da saúde, em todos os níveis – primário, secundário e terciário –, nas residências, nas escolas, nos postos de saúde, nos hospitais, nos centros comunitários, enfim, em todos os lugares onde haja pessoas a serem assistidas.  

As atuais condições do mundo moderno estão a exigir cada vez mais provisão de cuidados primários. Por essa razão muitos países estão fortalecendo as funções clínicas da enfermagem a fim de capacitar pessoal para o diagnóstico e tratamento de doenças prevalentes, traumatismos e outros males. Outra não é a função da enfermeira obstetra na prestação de serviços de saúde materno-infantil. Há mais de mil anos as parteiras desempenham um papel relevante na sociedade. Apesar das perseguições que sofreram no feudalismo, as parteiras continuaram a exercer a profissão, pois delas dependiam não só os partos, mas grande parte da vida social, depositárias que eram de segredos de homens e mulheres. Algumas ficaram famosas e escreveram obras importantes, como: Louise Bourgeois (1563-1636) e Justine Siegemundim (1560-1705), autoras de compêndios obstétricos; Elizabeth Nihell, que em 1760 publicou um livro denunciando a prática obstétrica dos médicos-cirurgiões; Marguerite du Tertre, do Hôtel Dieu, que em 1677 elaborou um manual para parteiras, e Ignez P. Semmelweiss (1818-1865) que em 1861, lançou a tese da contaminação dos corpos vivos com o material pútrido dos mortos, tese comprovada posteriormente por Louis Pasteur.  

Com a extinção das parteiras, coube ao pessoal de enfermagem assumir papéis desempenhados por elas. A maioria das populações nos países em desenvolvimento, formada por mulheres e crianças, vive nas zonas rurais e a presença dos profissionais de enfermagem no local é de suma importância para esse grupo de pessoas. As mulheres em idade reprodutiva – e são a maioria – precisam de orientação. As crianças, muitas vezes subnutridas ou desnutridas, costumam sofrer de doenças transmissíveis. Até hoje, na África, principalmente, enfermeiras são treinadas para dar assistência nos serviços pré-natais e nos serviços de parto, na falta de um médico. Há lugares em que é impossível dispensar os trabalhos de uma parteira empírica.  

Em meados do século XIX, entre as inúmeras mudanças ocorridas na Inglaterra, uma das principais se referiu ao problema da saúde pública. Florence Nightingale (1820-1910), precursora da enfermagem moderna, por ocasião da guerra da Criméia, administrou a enfermagem dos hospitais militares de Scutari a convite do Secretário de Guerra, Sidney Herbert. Visando a prevenir o sofrimento humano, conseguiu reduzir em 95% a mortalidade dos soldados feridos. Higienizou os acampamentos, melhorou a alimentação e identificou outras necessidades básicas que não dependiam da enfermagem, mas que dariam maior conforto e segurança aos soldados. Desenvolveu estudos sobre medidas sanitárias que viriam a ser implantadas no Reino Unido e na Índia.  

A pobreza, a fome, a miséria levam à doença. E isso ocorre, com maior freqüência, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o nosso. A situação torna-se, às vezes, tão catastrófica, que só a presença de pessoal especializado consegue contorná-la. Nesse ponto entra a enfermagem como vocação. A prática da enfermagem, aceitando o desafio de satisfazer necessidades de saúde individuais é um sacrifício, muitas vezes, doloroso. Os cuidados a serem dispensados a domicílio consomem tempo e desgastam o enfermeiro, pois faz-se ator de um processo sofrido, para o qual pode contribuir com muito pouco.  

Outra ênfase, de grande importância, dada à enfermagem é o trabalho nos hospitais. Neste caso, a atividade freqüentemente é desgastante: o lidar com o sofrimento alheio exige realmente uma dedicação especial. O desgaste físico e emocional desses profissionais têm sido verificado amiúde e é o fator principal para a evasão e rotatividade da profissão. Para satisfação pessoal seria relevante a adoção de condições que facilitassem o trabalho e levassem o profissional da área a ter consciência da importância de suas funções e a sentir-se socialmente valorizado.  

A enfermagem está à procura de um caminho novo, por intermédio de uma consciência crítica da realidade atual, que permita a seus membros inserção completa no mercado de trabalho. Sendo uma profissão dinâmica, sujeita a mudanças permanentes, deve pautar-se pelo "princípio ético de manter ou restaurar a dignidade dos corpos em todos os âmbitos da vida, corpos estes que, muitas vezes, chegam condicionados por enfermidades de vários tipos, violências, carências e misérias, bem diferentes do corpo mitológico divulgado pela mídia, quase sempre harmonioso e perfeito", no dizer de Cláudio Mazzilli.  

Não sei se feliz ou infelizmente, o enfermeiro vem exercendo nos hospitais funções administrativas, desviando-se do trato direto do doente. Se forças das circunstâncias o levam a adotar esse papel, não deve esquecer-se de que o centro de suas atenções será, sempre, em última análise, o doente. No mundo moderno a enfermagem é uma ação social a ser realizada por pessoas capazes de cuidar, da vida, da doença, da morte e do meio ambiente. Engloba toda a experiência passada. Assim, o enfermeiro deve ser responsável pela proteção e promoção da saúde, pela prevenção e cura das doenças, pela reabilitação e reintegração dos doentes à sociedade, pela investigação epidemiológica, sociológica, administrativa e demográfica, a fim de verificar se os conceitos que adota estão concordes com as verdades científica e social, e ainda, pelo ensino, preparando e aperfeiçoando o pessoal da área.  

Neste Dia Mundial da Enfermagem quero deixar meus cumprimentos a essa valorosa categoria que tantos e tão grandiosos serviços tem prestado ao povo brasileiro. A todos aqueles que carregam a lâmpada da esperança para corações magoados e corpos sofridos quero expressar nosso muito obrigado e nossos votos de que alcancem a procurada autonomia sociocultural que lhes garanta os direitos de uma identidade própria, com acesso completo ao saber.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

aÄ ¦


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2000 - Página 9875