Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INSATISFAÇÃO COM A PERCEPÇÃO DO FALSO CONFLITO ARTICULADO ENTRE O PRESIDENTE DA REPUBLICA E O SENADOR ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, EM TORNO DO TETO DO SALARIO MINIMO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • INSATISFAÇÃO COM A PERCEPÇÃO DO FALSO CONFLITO ARTICULADO ENTRE O PRESIDENTE DA REPUBLICA E O SENADOR ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, EM TORNO DO TETO DO SALARIO MINIMO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2000 - Página 10026
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • COMENTARIO, REPETIÇÃO, OCORRENCIA, DUALISMO, ECONOMIA NACIONAL.
  • CRITICA, FALSIDADE, ARTICULAÇÃO, CONFLITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, REFERENCIA, FIXAÇÃO, PISO SALARIAL, SALARIO MINIMO, DEMONSTRAÇÃO, DEPENDENCIA, BRASIL, IMPOSIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Agradeço muito a advertência de V. Exª.  

Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, não dispondo hoje sequer dos 20 minutos que me angustiam muito, gostaria de relembrar um discurso que fiz aqui há pouco tempo. Nesse discurso, recuei até os anos 50, para mostrar como o Governo Brasileiro, eivado de despotismo e de autoritarismo, desde as suas arcaicas raízes coloniais, estabeleceu há muito tempo uma estratégia. Parabenizo o Presidente da Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, por ter se mostrado muito hábil na condução deste jogo. Naquela ocasião, reportei-me a um dualismo instaurado na economia brasileira e que se vai repetindo ao longo de nossa História.  

Creio que, mais uma vez, funcionou aquilo que chamei de ditadura bipartilhada, compartilhada. No Brasil, não existe ditadura. Talvez nunca tenha existido. Mas há uma divisão de trabalho entre ditadores. Por exemplo, na década de cinqüenta, o Brasil foi dividido em face da discussão polarizada entre dois pontos: desenvolvimentistas, favoráveis à Cepal; e monetaristas, favoráveis ao FMI.  

Quando o mundo debatia as questões referentes ao socialismo e ao capitalismo, o País entrou numa discussão menor. Essa discussão conseguiu tomar conta de praticamente todo o espaço da fala, do diálogo, do debate neste País. De acordo com aquele que depois seria Ministro, o Sr. Roberto Campos, a discussão entre monetaristas e estruturalista nada significava de importante. Dizia ele no Chile, por volta de 1958, que os moneterarista eram os estruturalistas no poder, que no poder os monetaristas viravam estruturalistas. Assim, eram farinha do mesmo saco.  

Depois de 1964, vimos uma outra forma de mascarar a realidade e de estabelecer uma falsa dicotomia entre pontos de vistas opostos para obscurecer a discussão.  

O Governo militar, uno, indivisível, também criou a linha dura. Em determinado momento, a ela se referiu Castello Branco dizendo: "Saia da sombra e venha lutar à luz do dia." Então havia essa divisão da ditadura militar em dois grupos, os da linha dura e os liberais ditadores, essa, totalmente falsa, prova é que o Presidente da República e ditador na ocasião, Castelo Branco, não conhecia a linha dura e pediu para que ela saísse das trevas, ela que, a todo momento, parecia ameaçar o Brasil: "Se a Câmara, se o Senado, se o Legislativo não aceitar essa proposta, a linha dura vem e vai fazer muito pior". Foi assim que muitas conquistas antidemocráticas foram realizadas.  

Assistimos, há pouco tempo, ao desejo do Governo de retirar do Presidente do Congresso Nacional, Senador Antonio Carlos Magalhães, a função de polarizador com o Poder Executivo e chamar essa discussão para dentro do próprio Executivo. A articulação foi para transformar o Ministro Pedro Malan em monetarista, como se ele fosse antidesenvolvimentista, como se ele fosse favorável ao FMI, tal como cinco décadas antes se dera no Brasil. O Ministro Pedro Malan não quis prestar-se a esse papel, apesar de suas óbvias afinidades com o FMI. Então o que ocorreu? Continuou-se aquele jogo em que o Presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães, continuava a exercer o seu papel, às vezes parecendo se opor ao Executivo, outras vezes concordando com o Executivo para vencer e para impor ao Legislativo a vontade oculta, latente, talvez envergonhada do Poder Executivo.  

Agora fomos envolvidos pelo mesmo jogo, com o mesmo teatro, em diversos atos – e a alguns deles assistimos aqui – a respeito do salário mínimo. Realmente, senti na sua plenitude aquilo que é saber fazer política. Nós da Oposição não sabemos fazer política. Por exemplo, agora, na questão do salário mínimo, nem sequer entendemos o jogo que se desenrolava e que nos conduzia e que nos determinava o comportamento.  

Certo dia, quando o nosso Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, saiu do Palácio do Planalto, após mais de um mês de luta, de disputa, de brigas e de querelas, com o PMDB crescendo e querendo assumir esse papel de pólo oposto, em oposição aparente ao Executivo, ouvimos S. Exª declarar: "só não praticamos sexo", ele e o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Assim sendo, aquelas brigas, aquelas querelas, aqueles atritos eram meramente teatro e talvez nunca tenham sido para valer. É o que penso.  

O que foi combinado naquela ocasião? De acordo com a Srª Teresa Ter-Minassian, representante do FMI, o salário mínimo no Brasil tinha de ser de míseros R$151,00. A Srª Teresa bateu o martelo, repetindo isso em Seattle e em Nova Iorque. O salário mínimo estava fixado em R$151,00, qualquer que fosse, obviamente, a postura do Legislativo. Nós aqui apenas tínhamos de referendar aquilo que a Srª Teresa Ter-Minassian havia determinado como expressão do poder dos poderes, o FMI. Para que os míseros R$151,00 fossem aprovados, estabeleceu-se um teto. O piso foi R$151,00 – não pode haver salário mais baixo – e o teto, míseros R$177,00. Se lutássemos como lutamos pelos R$177,00, a nossa vitória seria de Pirro. Estaríamos sendo derrotados, porque mesmo que o Brasil conseguisse alcançar um salário mínimo de R$177,00 mensais, estaria abaixo daquele do Uruguai, do Paraguai e oito vezes menor do que o da França.  

No Japão, uma pesquisa feita em 1996 – citada no segundo volume do livro denominado Os japoneses e a história do Japão (p. 284) – revela que a média dos gastos de um cachorro no referido país é 18.500 francos franceses por ano, ou seja, US$3,5 mil. Nessa cesta básica do cachorro japonês, está incluído massagem relaxante, sauna e, naturalmente, atendimento psicológico. Portanto, US$300 por mês é o que recebe em média um cachorro japonês para cuidar de sua existência, de sua sobrevida. E nós aqui, lutando por R$177!  

O PIB brasileiro de 1940, desde quando foi instituído o salário mínimo, aumentou 22,4 vezes, ou seja, 2.140%. Nesse período, a população brasileira cresceu quatro vezes, isto é, 300%. O PIB per capita brasileiro cresceu 5,6 vezes, o que corresponde a 460%. A PEA ocupada brasileira cresceu 4,6 vezes, portanto 360%. O PIB por PEA ocupada brasileira cresceu 4,9 vezes. O salário mínimo brasileiro decresceu 48%, de acordo com a Carta Capital . Mas há pequenas divergências: na Carta Capital consta que corresponde a 52% do salário mínimo de 1940. De acordo com Mário Pochmann, da Universidade de Campinas, o salário mínimo decresceu não apenas 48% mas 69%, enquanto o PIB brasileiro aumentou 22,4 vezes. O salário mínimo, portanto, teria decrescido, de acordo com Mário Pochmann, 69%, e hoje corresponde a 31% do que era em 1940. Finalmente, o Dieese afirma que o salário mínimo brasileiro decresceu 73% entre 1940 e 1999 e corresponde a 27% do que era em 1940.  

E nós caímos nessa esparrela.  

Colocaram um teto e um piso muito bem arquitetados, com uma política muito inteligente, que nos imprensou entre um piso de R$151,00 e um "maravilhoso" teto de miseráveis R$177,00 e fingiram que estavam brigando para oxigenar essa dicotomia a que me refiro, essa falsa briga entre o Presidente do Poder Legislativo e o Presidente do Poder Executivo. Saem de lá e dizem: só não fizemos sexo.  

Que briga é essa? Que discrepâncias são essas? São muito bem arquitetadas. Estão de parabéns aqueles que armaram essa esparrela na qual nós todos da Oposição caímos.  

Eu que havia feito aquele discurso há muito tempo logo percebi de que se tratava. Mas o que eu podia fazer? Nós estamos numa armadilha. Temos que escolher sempre entre o péssimo, R$177,00, e o pior ainda, R$151,00. A nós cabe apenas escolher entre o péssimo e o pior ainda. Somos, portanto, prisioneiros dessa armadilha que, com muita habilidade, com muita agilidade, com muita velhacaria política, essa política que me desagrada, esse tipo de política que me desagrada, conseguiram imobilizar, congelar, hipnotizar toda a Oposição, que, entre o péssimo e o pior ainda, adotou o péssimo e foi derrotada no péssimo: R$177,00. E aqueles que, depois de tanta trama, depois de tanta prestidigitação, depois de tanta hipnose coletiva, conseguiram que aprovássemos, às duas horas da madrugada, o salário miserável de R$151,00 por mês também tiveram uma vitória de Pirro, porque não é possível que um país como o Brasil possa se desenvolver e sair desta situação com uma multidão ganhando R$151,00, ou menos, por mês. Como um país pode ser rico com uma população toda pobre, com exceção de 10%? Dez por cento podem fazer a riqueza de um país? É óbvio que não. Então, quero apenas dizer da minha angústia e da minha insatisfação.  

Vou terminar, Sr. Presidente, pois sei que meu tempo esgotou e o da sessão também.  

Já foi dito por alguém que pensava muito melhor do que consegui pensar na minha vida que é a conscientização daquilo que está acontecendo que nos angustia. A nossa inteligência do processo é que nos angustia.  

Então, eu estava, ali, às duas da madrugada, mais angustiado do que muitos dos meus Colegas que não haviam percebido que estavam lutando denodadamente para conseguir R$177,00. Foi uma derrota óbvia. De modo que não pude falar, não pude fazer uma proposta alternativa, porque seria até ridícula uma proposta que se aproximasse da dignidade e da decência. Não há espaço para a dignidade, não há espaço para a decência, não há espaço para a transparência.  

Portanto, continuaremos a assistir a essa triste dicotomia, a essa triste divisão de trabalho. É uma ditadura compartilhada, em virtude da qual sofre o povo brasileiro.  

Muito obrigado, Sr. Presidente!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2000 - Página 10026