Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELO SR. ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, REFERENTES A QUESTÃO DA DOLARIZAÇÃO. COMENTARIOS AO GRUPO DE TRABALHO SOBRE QUESTÕES MONETARIAS INTERNACIONAIS NO AMBITO DO SENADO FEDERAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELO SR. ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, REFERENTES A QUESTÃO DA DOLARIZAÇÃO. COMENTARIOS AO GRUPO DE TRABALHO SOBRE QUESTÕES MONETARIAS INTERNACIONAIS NO AMBITO DO SENADO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2000 - Página 10162
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, COMPARECIMENTO, ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, SENADO, ESCLARECIMENTOS, POLITICA MONETARIA, ESPECIFICAÇÃO, AMEAÇA, UTILIZAÇÃO, DOLAR, MOEDA, BRASIL.
  • MANIFESTAÇÃO, IGUALDADE, POSIÇÃO, ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, CONTESTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DOLAR, MOEDA, BRASIL.
  • CRITICA, DEMORA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, ALTERAÇÃO, REGIME CAMBIAL, PROVOCAÇÃO, DESEQUILIBRIO, DEPENDENCIA, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, DESEMPREGO.
  • DISCORDANCIA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), MANIFESTAÇÃO, AUSENCIA, POSSIBILIDADE, UTILIZAÇÃO, DOLAR, MOEDA, AMERICA LATINA.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, DESCONHECIMENTO, IMPOSIÇÃO, GOVERNO PROVISORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), UTILIZAÇÃO, DOLAR, MOEDA, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE.
  • IMPORTANCIA, DISPOSIÇÃO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PARTICIPAÇÃO, ATIVIDADE, GRUPO DE TRABALHO, DISCUSSÃO, POLITICA MONETARIA, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT – SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo; Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, no dia 9 de maio, o Presidente do Banco Central, Sr. Armínio Fraga, compareceu à Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, ocasião em que tivemos um diálogo profícuo sobre diversos temas, entre os quais a questão da dolarização.  

Há uma margem de concordância, no que diz respeito ao tema, entre as posições defendidas por Fraga e o posicionamento que nós, da Oposição, temos assumido. O mesmo se pode dizer, aliás, das manifestações recentes do Ministro Pedro Malan, também contrárias à dolarização. Nesse particular, as diferenças são, até onde posso perceber, mais de ênfase do que de substância. Registro essas coincidências com satisfação, uma vez que a questão monetária internacional, em particular a ameaça de dolarização, constitui aspecto central da soberania nacional e da autonomia do País na definição da sua política econômica.  

No último dia 9, o Presidente do Banco Central foi claro quanto a essa questão. Gostaria de citar as suas palavras: "Continuo firme na minha convicção de que o Brasil, pela sua dimensão, sua estrutura econômica, não pertence a nenhuma área monetária natural. Ao contrário" - prosseguiu Armínio Fraga -, "o Brasil pode e deve administrar a sua própria moeda. (...) Temos a convicção de que o Brasil não deve abrir mão de sua moeda, deve procurar administrar bem o regime de câmbio flutuante – e esse é o nosso projeto".  

Quanto a isso, estamos de acordo. Apenas lamentamos que o Governo Fernando Henrique Cardoso tenha demorado tanto a adotar um regime de câmbio flutuante administrado. Essa demora provocou, como quase todos agora reconhecem, problemas sérios para o País. O apego teimoso e irracional ao sistema anterior, de ancoragem cambial com taxa de câmbio fortemente sobrevalorizada, causou pesados desequilíbrios externos, dependência perigosa de capitais estrangeiros, juros altíssimos e desemprego recorde, entre outros problemas.  

Não estou de acordo, entretanto, com o Presidente do Banco Central quando ele manifesta o que me parece ser uma certa complacência ou indiferença com o que está acontecendo em outros países em matéria de dolarização. Ele não vê qualquer tendência pronunciada à dolarização na América Latina. Reconheço que o quadro está longe de ser definido e que não há tendência inexorável à dolarização. Alguns países acompanharam o México e o Brasil na direção da flutuação cambial, entre eles o Chile, que foi positivamente assinalado por Armínio Fraga.  

Mas há fatos preocupantes que o Brasil não pode ignorar. Como legado da longa experiência inflacionária – e até hiperinflacionária em alguns países –, o dólar ocupou espaços dentro de muitas economias da América Latina, às vezes de maneira informal. Em diversos casos, medidas adotadas pelos governos, medidas de liberalização financeira e de tolerância no uso interno da moeda estrangeira, apressaram esses processos de dolarização parcial. Em economias como a do Peru, do Uruguai, da Bolívia, a moeda nacional perdeu espaço e foi parcialmente substituída pelo dólar. Mesmo com o sucesso no combate à inflação, esses países não conseguiram desdolarizar as suas economias.  

Infelizmente, o caso da Argentina, país tão importante para o Brasil, é ainda mais grave. O que os argentinos estabeleceram em 1991, por meio da famosa lei de conversibilidade, também conhecida como Plano Cavallo, foi um sistema extraordinariamente rígido de subordinação ao dólar dos Estados Unidos. Diferentemente do que nos disse Armínio Fraga, no seu último depoimento, o que existe na Argentina não é simplesmente um "sistema de câmbio fixo, ou muito fixo." O que temos na Argentina é um sistema semidolarizado, um sistema bimonetário, com ampla circulação interna do dólar. Na realidade, os argentinos adotaram um currency board , um regime monetário de origem colonial, que estabelece rígida vinculação da emissão às reservas e garante a conversibilidade da moeda nacional a uma taxa de câmbio fixa. E ainda deram curso legal à moeda estrangeira. Como escreveu o grande economista keynesiano James Tobin, a Argentina adotou um sistema de vassalagem monetária e está na ante-sala da dolarização.  

O que vem de acontecer no Equador é ainda pior: a dolarização formal, com o abandono total ou quase total da moeda nacional. Não vamos fazer de conta que o Brasil nada tem a ver com isso. O Brasil tem responsabilidades internacionais e não pode ficar passivo diante do que acontece em países próximos.  

É de se lamentar, por exemplo, que o Presidente do Banco Central do Brasil, em resposta a meu questionamento, declare que não acompanha de perto o sistema monetário do Timor Leste e se limite a desejar "boa sorte" aos timorenses. Imagino que o Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, que acaba de chegar de Portugal, tenha até dialogado com as autoridades do governo português a respeito dos destinos do Timor Leste. Mas o Presidente do Banco Central não parece não ter tomado conhecimento de que o governo provisório da ONU em Timor, que tem como Administrador Transitório e Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, acaba de impor o dólar dos Estados Unidos como moeda daquele país. Isso se deu contra a vontade do Conselho Nacional de Resistência Timorense, liderado pelo Dr. Xananã Gusmão. Uma decisão que parece desnecessária e prejudicial a Timor, uma vez que vários países menores, em termos de extensão territorial e população, têm administrado com sucesso as suas próprias moedas. Revelou-nos pessoalmente Xananã Gusmão, por ocasião de sua recente visita ao Brasil, que essa decisão muito provavelmente será revista logo que assumir o primeiro governo eleito.  

Ressalto que Xananã Gusmão nos revelou que queriam, inclusive, impor o inglês, mas, nesse caso, acredito que o próprio representante da ONU contribuiu para que, no Conselho de Consulta Nacional, se resolvesse pela escolha do idioma português. Mas, quanto à questão do dólar, o peso da pressão do FMI e das autoridades norte-americanas sobre a ONU acabou sendo mais forte.  

Não nos cabe, no meu entendimento, adotar uma atitude arrogante e imaginar que o Brasil, como País de proporções continentais, está acima disso tudo. Não devemos superestimar a resistência do atual Governo brasileiro diante de pressões externas. O Governo não pode ser fraco, como por vezes tem demonstrado. Tem que ser forte, mais identificado com o interesse nacional, diante das significativas pressões a que está continuamente submetido.  

No início de 1999, Lawrence Summers, atual Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, com a irreverência – ou deveríamos dizer desrespeito? – que caracteriza algumas de suas manifestações sobre a América Latina, teria declarado que o Brasil poderia mudar o nome da sua moeda para real.com, segundo noticiou a Folha de S.Paulo , já que a moeda brasileira estava-se desintegrando e se transformando em uma moeda virtual, o que seria um absurdo.  

Precisamos, portanto, estar atentos para essas questões. É positivo que o Presidente do Banco Central tenha-se disposto a participar das atividades do Grupo de Trabalho sobre Questões Monetárias Internacionais, agora designada no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Esse Grupo discutirá não apenas o tema da dolarização mas outras questões monetárias e financeiras relevantes para o Brasil. Causa muita preocupação, por exemplo, a informação de que o Banco Central ainda estaria insistindo em caminhar na direção da conversibilidade do real, algo que é visto com simpatia nos meios financeiros, mas pode causar danos irreparáveis à estabilidade da moeda e da economia brasileira.  

Em janeiro deste ano, por ocasião de encontro de Senadores da CAE com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando perguntado a respeito da dolarização das economias das Américas, respondeu que para o Brasil isso seria "impensável" – nas suas próprias palavras -, pois não poder administrar a própria moeda representaria a perda da soberania nacional. Recordo, entretanto, que no início de 1999, o Presidente da República andou dando declarações ambíguas sobre o futuro da moeda brasileira.  

O Senador Ney Suassuna, que presidiu a sessão do dia 9, convidou o Presidente do Banco Central a participar dos debates que serão organizados pelo Grupo de Trabalho. Armínio Fraga aceitou prontamente e sugeriu também a participação do Diretor Daniel Gleise, de Assuntos Internacionais, que tem feito parte do grupo dos 20, fórum onde essa e outras questões monetárias internacionais têm sido discutidas. O Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos está designando os Senadores José Fogaça, Jefferson Péres, Roberto Saturnino, Bernardo Cabral e eu próprio para constituirmos o grupo que vai propor um roteiro. Queremos ouvir de todos os Srs. Senadores, inclusive daqueles que têm se interessado muito por este assunto. É nossa intenção, Sr. Presidente, prepararmos um simpósio internacional aqui no Senado, pois sabemos que o tema está preocupando os parlamentos de diversos países da América Latina. O próprio Senador Ney Suassuna, em visita recente à Argentina, revelou-nos que no Parlamento argentino há dez projetos, Sr. Presidente, no sentido de prevenir e impedir a dolarização da Argentina.  

Por outro lado, os Estados Unidos da América, no Congresso Norte-americano, tem realizado simpósios sobre esse tema. Lá, a maior parte dos orados tem-se pronunciado a favor da dolarização. Eis a importância da constituição desse grupo de trabalho no âmbito da CAE.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2000 - Página 10162