Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO DA JORNALISTA TERESA CRUVINEL PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO, INTITULADO "A LISTA DA COBIÇA", SOBRE O INTERESSE INTERNACIONAL PARA A IMPLANTAÇÃO DE BIOINDUSTRIA NA AMAZONIA BRASILEIRA. APOIO AO PROJETO DE LEI DO SENADO 306/95, DE AUTORIA DA SENADORA MARINA SILVA, QUE DISPÕE SOBRE OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DE ACESSO AOS RECURSOS GENETICOS DO PAIS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO DA JORNALISTA TERESA CRUVINEL PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO, INTITULADO "A LISTA DA COBIÇA", SOBRE O INTERESSE INTERNACIONAL PARA A IMPLANTAÇÃO DE BIOINDUSTRIA NA AMAZONIA BRASILEIRA. APOIO AO PROJETO DE LEI DO SENADO 306/95, DE AUTORIA DA SENADORA MARINA SILVA, QUE DISPÕE SOBRE OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DE ACESSO AOS RECURSOS GENETICOS DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2000 - Página 10346
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, TEREZA CRUVINEL, JORNALISTA, ASSUNTO, INTERESSE, EMPRESA ESTRANGEIRA, LABORATORIO, PESQUISA, BIOTECNOLOGIA, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, PATENTE DE INVENÇÃO, PROPRIEDADE INTELECTUAL, MEDICAMENTOS, UTILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, INDIO.
  • COMENTARIO, IMPLANTAÇÃO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), PROGRAMA, ECOLOGIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA, APREENSÃO, FAVORECIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, SOBERANIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, INTERESSE, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, RECURSOS, GENETICA, COMPARAÇÃO, URGENCIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA).
  • REGISTRO, INTERESSE, EMPRESA ESTRANGEIRA, LABORATORIO, MEDICAMENTOS, COSMETICOS, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, SUPERIORIDADE, INVESTIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, INCAPACIDADE, INDUSTRIA NACIONAL, NECESSIDADE, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, ESPECIFICAÇÃO, SOBERANIA, PROTEÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, CONHECIMENTO, TRADIÇÃO.
  • COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, BIODIVERSIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, COSTA RICA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna para, inicialmente, expor ao Senado Federal um artigo, que peço para constar nos Anais desta Casa, da jornalista Tereza Cruvinel, do jornal O Globo, que recentemente fez uma análise sobre a presença do interesse internacional no sentido da implantação de bioindústria na Amazônia brasileira.  

A jornalista Tereza Cruvinel analisa a presença dos laboratórios internacionais na pesquisa dos produtos amazônicos de interesse medicinal e de interesse comercial de uma maneira geral no que diz respeito à saúde humana.  

Inicialmente, farei a leitura desse artigo e, posteriormente, uma análise da situação em relação ao Probem no que diz respeito à Amazônia brasileira.  

 

A lista da cobiça  

Falar no olho gordo estrangeiro sobre a Amazônia virou coisa de jurássicos. Fechar os olhos à corrida pelo domínio da biotecnologia, num País campeão em biodiversidade como o Brasil, deve ser coisa de gigante adormecido, diz o Senador Tião Viana(PT-AC), examinando a lista dos sete laboratórios multinacionais que têm projetos prontos para desenvolver pesquisas na região.  

Antes de falar da cobiça, vale recordar o que somos, em termos de natureza, depois de tantos balanços sobre o que nos tornamos, em cultura, depois de 500 anos. O Brasil é um dos 16 países classificados como megadiversos pelo relatório Conservation International , de 1997. É o primeiro em diversidade de plantas, peixes de água doce e mamíferos; o segundo na de anfíbios; e o terceiro na de répteis. Temos 55 mil espécies vegetais, ou 22% do total conhecido do planeta. E ainda 524 mamíferos, 517 anfíbios, 1.622 pássaros e 468 répteis.  

Um pedaço do Éden para a pesquisa de princípios ativos para novos medicamentos e cosméticos. Do veneno das cobras vêm hoje os mais modernos anti-hipertensivos e imunodepressores. E a Amazônia é o grande serpentário do mundo. Melhor ainda, lá as populações tradicionais (índios, caboclos e parentes mais próximos de Adão e Eva) dominam, desde antes, a região. (...) O Ministério do Meio Ambiente protela, esperando que o Congresso vote a lei de acesso à biodiversidade, da Senadora Marina Silva (PT - AC). Mas outras autoridades do Governo, na área "mais globalizante", louvam o interesse e o provável ingresso das multinacionais dos remédios na Amazônia. Novos medicamentos serão produzidos, dizem, e isso será bom para o mundo e para nós. Em termos.  

Os laboratórios não pensam no mundo quando patenteiam suas marcas. O SUS gasta milhões de dólares pagando royalties sobre medicamentos de uso continuado, como os que são usados pelos portadores do HIV.  

Se já houvesse a lei de acesso, eles poderiam começar já, mas observando interdições. Por exemplo, não patentear o que já é, para usar expressão que apreciam, "propriedade intelectual" de índios e populações tradicionais.  

 

Sr. Presidente, passo, agora, à leitura do meu pronunciamento, analisando a situação da bioindústria na Região Amazônica.  

A passos largos, o Ministério do Meio Ambiente prepara terreno para implantar o Probem da Amazônia , Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia. Trata-se de um projeto estratégico do Governo FHC, sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento da bioindústria na região. Conforme informações colhidas junto a técnicos ambientalistas, as indústrias ligadas ao ramo dos cosméticos, perfumarias e farmacêuticos já engataram suas marchas para uma concorrência radical na corrida por recursos genéticos na região.  

Todo esse cenário estaria perfeito se não tivéssemos a discutir sobre assunto de urgente relevância sobre a sobrevivência e a soberania dos brasileiros. Sim, pois, quando o Governo se apressa em implementar planos de tamanha implicação com o ganho fácil de capital e com a expatriação ilegítima do saber nativo dos nossos índios, a sociedade brasileira deve abrir os olhos para a compreensão ética, econômica e ecológica de toda a empreitada bioindustrial na Amazônia.  

Não se trata, aqui, em absoluto, de criticar a implementação do Probem. Mas, ao contrário, trata-se de extrair-lhe um mínimo de racionalidade política dentro de um cipoal de contradições em que o Governo se vê metido. Se não, vejamos. Há pelo menos dois anos desde que o Executivo remeteu ao Congresso projeto de lei regulamentando o acesso a recursos genéticos e suas garantias de patenteamento aos povos indígenas. no entanto, a Câmara dos Deputados, até hoje, não nomeou quaisquer de seus representantes para compor a comissão especial que o aprecie devidamente. Isso se traduz nos meios políticos como típico engavetamento tácito. Ou seja, o Palácio do Planalto não acena com interesse para uma tramitação ligeira da matéria.  

Ora, se a tradução da paralisia legislativa do Governo em relação à biodiversidade pode ser lida como claro desinteresse no assunto, como explicar, então, o súbito encaminhamento do Probem à sua realização imediata? Temos que atentar, primeiramente, para o fato de que tal projeto integra o programa denominado "Avança Brasil", considerado peça vital dentro da filosofia de desenvolvimento do Governo atual. Por outro lado, pelo que a imprensa comenta, em ano eleitoral, há uma determinação do Palácio do Planalto para que se invista o máximo na materialização dos projetos vinculados ao "Avança Brasil".  

Com essa premissa no raciocínio, não há como fugir a um sentimento de desconfiança com relação à concretização do Probem. Embora se reconheçam aspectos indiscutivelmente progressistas em seu conteúdo, como é o caso do combate à pirataria de plantas e conhecimentos nativos, teme-se pelos atropelos a que possa estar sujeito sem o amparo de uma legislação ambiental efetiva. Na verdade, registra-se, hoje, uma situação de pleno desmando, a fuga anual de cerca de 20 mil extratos da flora amazônica por força da pirataria. Recentemente, no Seminário sobre a Amazônia e Defesa Nacional, o Ministro do Meio Ambiente declarou que se presume que a Comunidade Européia esteja movimentando mais de US$1 bilhão anualmente em função da biopirataria amazônica. Esse fato é lamentável e se agrava mais por não ter havido, até o momento, um controle definido das autoridades brasileiras. Nesse contexto, o Probem poderia cumprir uma missão de texto regulador provisório, mas inevitável, contra vergonhosa situação.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo o Ministério do Meio Ambiente, a implementação do Probem se desdobra em cinco etapas básicas, a saber: 1) implantação de sistema de coleta de amostras de elementos de biodiversidade; 2) implantação de sistema de identificação de princípios ativos e de produtos derivados de interesse comercial; 3) implantação de sistema de absorção, desenvolvimento e transferência de tecnologias para extração, purificação, envasamento e certificação de qualidade de produtos; 4) implantação de sistema de domesticação e multiplicação de espécies de interesse comercial; 5) formalização de diversas modalidades de parcerias.  

Segundo seus idealizadores, o foco de atuação do Probem se concentraria na obtenção de produtos industrializados de alto valor agregado e com potencial de mercado. Isso envolveria, evidentemente, o emprego intensivo de tecnologias avançadas e apropriadas para o uso e a conservação da biodiversidade. Pressupõe-se, igualmente, que o desenvolvimento de bioprodutos de alto valor agregado tem potencial para ampliar a diversificação da estrutura produtiva da Amazônia brasileira, para gerar emprego e renda para induzir práticas de cultivo, manejo e uso racional de produtos florestais não-madeireiros.  

Todavia – repito mais uma vez –, toda essa racionalidade programática se presta a uma empreitada industrial em grande escala, sem, no entanto, levar em prévia consideração questões imprescindíveis, envolvendo a regulamentação do acesso aos recursos genéticos e a questão da propriedade intelectual. Isso se faz ainda mais premente em nossa contemporaneidade, na medida em que se admite que exista, no bilionário mercado internacional das drogas lícitas, um esgotamento das fórmulas químicas sintetizadas. Não é à toa, portanto, que as gigantes multinacionais da indústria farmacêutica demonstram verdadeiro alvoroçamento com a perspectiva de instalação de laboratórios na Amazônia.  

Pelo menos três gigantes da área farmacêutica, a britânica Glaxo Wellcome, a suíça Novartis e a norte-americana Merck, não escondem interesses e ambições em implantar laboratórios na Amazônia o quanto antes. Eles têm consciência de que o montante de investimento no setor vai girar em torno de US$250 a US$400 milhões, o que, de saída, tira da concorrência qualquer nanico nacional com pretensões de mínima lucratividade. E mais: eles sabem que, apesar da lentidão do processo de descoberta de novas drogas, com base no mapeamento genético de microorganismos amazônicos, o retorno financeiro não fica aquém da faixa de US$1 bilhão. As nacionais Biosintética, Eurofarma, Vallé e Aché disputam modesta faixa do mercado, desprovidas de expressiva euforia.  

Do lado do setor de cosméticos e perfumaria, três outras grandes multinacionais despertam para o negócio na Amazônia, na expectativa de se valerem dos recursos biológicos para fins de exploração de novos produtos aromáticos. A Henkel, a Procter & Gamble e a BodyShopp encabeçam a lista das bioindústrias já contratadas para usufruírem dos benefícios do Probem. As nacionais O Boticário, Natura, Magana e Amazon Ervas igualmente se esforçam em abocanhar o que restará do mercado de embelezamento.  

Apesar de toda essa engrenagem em movimento, insisto na tese de que valeria mais a pena ao Brasil ver aprovada uma legislação ambientalista mais abrangente. Nesse sentido, uma agenda madura que regulamente o acesso aos recursos genéticos consistiria, antes de tudo, na definição de uso sustentável, soberania, propriedade, questões contratuais, retribuição monetária e não-monetária, transferência e fixação de tecnologia e, por fim, proteção do conhecimento indígena. Diversos setores políticos, acadêmicos, econômicos, de organizações e de comunidades, aqui e em todo o mundo, debruçam-se sobre essa pauta na busca de uma disciplina pública obrigatória e eficaz para tais questões.

 

As propostas legislativas no Brasil sobre a questão dos direitos das populações indígenas e comunidades tradicionais andam a passos de tartaruga. Neste exato momento, há três projetos de lei tramitando pelos corredores do Congresso Nacional. O primeiro é de iniciativa do Senado e conta com a autoria da Senadora Marina Silva e com substitutivo do Senador Osmar Dias, que foi aprovado no Senado Federal em novembro de 1998.  

Nesse mesmo ano, em junho, o Deputado Jaques Wagner apresentou, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei sobre acesso, quase idêntico ao projeto do Senado, e que tinha basicamente o objetivo de acelerar o processo político naquela Casa. Além disso, o Deputado aproveitou a oportunidade para introduzir algumas modificações sugeridas por organizações não-governamentais, não aceitas no substitutivo do Senador Osmar Dias, relativas à propriedade dos recursos genéticos e ao papel das comunidades indígenas na concessão do acesso.  

Dois meses depois, o Poder Executivo finalmente apresentou o seu projeto, após vários anos de discussões fechadas no âmbito do Grupo Interministerial de Acesso a Recursos Genéticos. A principal diferença da proposição governamental reside na radicalidade da proposta de emenda à Constituição, que institui o patrimônio genético como bem da União, na simplificação do processo de concessão e na restrição aos direitos das comunidades tradicionais.  

Os três projetos estão na Câmara dos Deputados, onde a criação de uma comissão especial para apreciação deles em conjunto foi aprovada, mas ainda aguarda entrar em funcionamento. Não casualmente, porém, até o início de 2000, os partidos políticos ainda não haviam nomeado seus representantes para compor a comissão. Regimentalmente, caberá ao projeto do Senado ocupar a posição de texto parâmetro, por já ter sido aprovado em umas das Casas. Trata-se apenas de uma prioridade regimental, não significando qualquer prevalência desse texto. Segundo consultores da área, a tendência mais provável é que se produza uma quarta versão, a partir da solução das principais controvérsias que acabamos de citar.  

Qual o propósito do Governo em atropelar a tramitação dos projetos no Congresso se não para impor, sem discussão, a sua visão discricionária sobre a matéria? Pois, se houvesse uma demonstração mais séria de soberania e autodeterminação sobre a instalação da bioindústria na Amazônia, tenho convicção de que os esforços da Situação teriam sido somados com os da Oposição num ritmo bem mais acelerado e produtivo.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do ponto de vista da proteção às patentes relativas ao conhecimento acumulado por nossos índios e caboclos, o Brasil parece fingir ignorar o conteúdo de sua própria legislação. Assim, por exemplo, a Resolução nº 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da regulamentação da bioética na pesquisa médica, traz um capítulo denominado "Consentimento Livre e Esclarecido", que detalha com rigores os procedimentos para o assentimento prévio de comunidades tradicionais envolvidas em investigações científicas. Destarte, apesar de ainda não consagrado no texto da Convenção sobre Diversidade Biológica em si, o princípio do consentimento prévio informado das comunidades tradicionais já se firma como básico no regime da biodiversidade para esse aspecto.  

A exploração industrial da biodiversidade para fins econômicos não traz nenhuma novidade no cenário amazônico, se levarmos em conta sua aplicação em pequena escala. Na reserva extrativista de Cajari, Rondônia, a própria WWF já havia anunciado, em 1997, a inauguração de uma fábrica de beneficiamento de palmito de açaí in natura . O projeto visava ao desenvolvimento produtivo por meio do uso sustentável de açaizais, representando a implementação de um modelo bem sucedido de reserva extrativista.  

Segundo os técnicos da WWF, a meta de curto prazo se enquadra dentro do desenvolvimento de opções de manejo sustentável dos recursos naturais, com o fortalecimento institucional das cooperativas mediante treinamento em organização comunitária e em gerenciamento da qualidade do produto. Bem se vê que a concepção de exploração industrial dos recursos naturais ganha significado humanamente mais rico quando planejado e gerenciado por interesses outros que o lucro, a produtividade e a extorsão.  

E é justamente por isso, diante de modelos tão díspares de exploração industrial na Amazônia, que o anúncio do Probem soa como projeto algo confuso. Se, de fato, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso estivesse empenhado em um projeto ideal e democraticamente formulado, teria apostado suas fichas políticas naquele apresentado pela Senadora Marina Silva, que traduz com muito mais legitimidade e verdade o interesse e a soberania do povo amazônico e brasileiro.  

O PLS nº 306/95, de autoria da Senadora Marina Silva, deve ser a bússola a orientar uma discussão sobre a implementação, ou não, de um pólo bioindustrial na Amazônia. Sem dúvida, sobre a abrangência de acesso a recurso genético, sua amplitude contempla desde a inclusão de produtos derivados e cultivos agrícolas semidomesticados até conhecimentos tradicionais de nossos indígenas e de suas comunidades. Mais que isso, estabelece a instauração do princípio do consentimento prévio informado. Sua duração é imprescritível e inalienável. Estipula também que a propriedade dos recursos genéticos adquire estatuto de bem público de uso especial pela Nação brasileira.  

Igualmente, para ingresso em terras indígenas, sua autorização vai depender de parecer dos órgãos competentes e consentimento prévio informado da comunidade. A propósito da compensação nos contratos sobre conhecimentos tradicionais e sobre recursos genéticos, o projeto da Senadora Marina Silva prevê participação justa e eqüitativa nos benefícios, na forma de bens e serviços, propriedade intelectual e dinheiro, entre outros. Por fim, fixa a proibição de patenteamento de produtos relativos ao conhecimento tradicional, se o acesso não houver sido realizado em conformidade com a lei.  

Por último, dos países da América Latina cujo avanço jurídico na área de exploração industrial da biodiversidade se afigura emblemático, destaca-se a posição da Costa Rica. Em primeiro lugar, a denominada Lei da Biodiversidade naquele país já conta com alguns anos de vigência. Lá, prevêem-se dispositivos sobre o consentimento prévio informado das autoridades indígenas e sobre o reconhecimento do direito de as comunidades locais e indígenas se oporem ao acesso a seus recursos. Em seguida, o Estado reconhece e protege expressamente, sob o nome de direitos intelectuais comunitários sui generis , as práticas e inovações das comunidades indígenas e locais relacionadas com a biodiversidade. Além disso, cria um registro voluntário dos direitos intelectuais comunitários. Por fim, deverá ser definido um processo participativo com as comunidades indígenas e campesinas, para determinar a natureza, o alcance e os requisitos desses direitos para sua normatização definitiva.  

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de salientar a falta de coerência, ou de um direcionamento ideal, do Executivo, quando o assunto versa sobre o meio ambiente e a biodiversidade. Com a implementação do Probem, atestam-se os paradoxos a que os eixos programáticos do Governo estão sujeitos. Por mais bem-intencionado que seja, tal projeto somente poderá cumprir seus objetivos econômicos, políticos e éticos na Amazônia, se o Brasil aprovar, em regime de urgência, uma legislação ambientalista que dê conta dos frágeis problemas que cercam o acesso aos recursos genéticos e o direito de propriedade intelectual aos povos indígenas.  

Concluo, Sr. Presidente, lembrando que este assunto é de relevância ímpar, uma vez que pretendemos seja a Amazônia o futuro deste País e um instrumento importante de elevação da personalidade do Brasil internacionalmente. Vejo a Amazônia como o diamante verde do próximo milênio, como um corredor para o Terceiro Milênio em nosso País.  

Infelizmente, a insensibilidade e a letargia dos gestores do Estado nacional têm-nos colocado em uma situação difícil. Nesse momento, sete grandes empresas transnacionais já fincaram ou estão na iminência de fincar seus tentáculos na região amazônica, ameaçando, mais uma vez, a tão sonhada, almejada e defendida soberania nacional.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

f 9


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2000 - Página 10346