Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REPUDIO A TRUCULENCIA POLICIAL CONTRA MANIFESTAÇÃO DE FUNCIONARIOS PUBLICOS EM SÃO PAULO. CONTRADIÇÃO ENTRE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E OS CORTES ORÇAMENTARIOS NAS AREAS SOCIAIS.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. ORÇAMENTO.:
  • REPUDIO A TRUCULENCIA POLICIAL CONTRA MANIFESTAÇÃO DE FUNCIONARIOS PUBLICOS EM SÃO PAULO. CONTRADIÇÃO ENTRE DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E OS CORTES ORÇAMENTARIOS NAS AREAS SOCIAIS.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2000 - Página 10349
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. ORÇAMENTO.
Indexação
  • REPUDIO, REPRESSÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DESRESPEITO, ESTADO DE DIREITO.
  • CRITICA, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, ATUAÇÃO, OMISSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.
  • CRITICA, GOVERNO, PRIORIDADE, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA PUBLICA, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), OBRIGATORIEDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro, agradeço ao meu querido companheiro Lauro Campos pela oportunidade de falar em seu lugar.  

Quero repudiar, veementemente, em nome de todos os Parlamentares do PT e do PDT, a truculência ocorrida na manifestação dos servidores públicos, em São Paulo. Houve muitas vítimas, o que mostra o estado de guerra civil que há no País. Sabe-se que há favelas ocupadas, além de diversas outras formas de violência que estão sendo apresentadas.  

A truculência verificada ontem em São Paulo nada mais é do que a conseqüência de algumas outras coisas que vêm acontecendo. Sabemos que o Estado de direito é golpeado, a Constituição é rasgada – sim, porque impediram que militantes se manifestassem -, a Lei de Segurança Nacional é utilizada para resolver conflito agrário, forças policiais locais são estimuladas a agir com igual brutalidade e covardia Portanto, vai aqui o nosso protesto.  

Sr. Presidente, falarei rapidamente, porque não disponho de muito tempo, sobre algumas declarações do Presidente da República e suas conseqüências diretas, como os cortes que foram feitos no Orçamento ontem.  

Meu querido companheiro, Senador Lauro Campos, o Presidente da República disse que a distribuição de renda é tão difícil no capitalismo, que dá arrepio. Afirmou também que a batalha central contra a desigualdade é o investimento na educação e a democratização do acesso à informação.  

Ao mesmo tempo em que a imprensa publica essas declarações maravilhosas do Presidente da República e do Ministro Pedro Malan, Sua Excelência faz alguns cortes no Orçamento. Há muito tempo, neste Plenário, toda a Bancada de Oposição vem denunciando as contradições do Governo Federal – usamos um termo mais civilizado, porque essas contradições, de fato, diante das declarações, demonstram a demagogia do Governo Federal, principalmente do Presidente da República, quando trata das áreas sociais.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem vivenciamos a constatação de que o processo de elaboração do Orçamento público deste País não é mais uma ficção contábil, como dizíamos; hoje, é uma falácia. Com muita clareza, lembro-me de determinados debates que aconteceram nesta Casa em relação ao Orçamento. Especialmente, lembro-me de quando houve a necessidade de se aprovar, nesta Casa, em ritmo mais do que rápido, mais uma daquelas operações de crédito de quatro bilhões, sob a justificativa demagógica de que eram para implementar ações na rede de proteção social e que o dinheiro nem sequer podia ser transformado em moeda corrente. Era um empréstimo para que dólares fossem deixados em caixa para pagar os juros e serviços da dívida.  

Quando quisemos estabelecer, na resolução que seria aprovada para a operação de crédito, a condição de que o Governo investisse em reais o montante correspondente, muitos Parlamentares da base de sustentação do Governo, inclusive o Líder, disseram: "É para isso que existe o Orçamento. O Orçamento é a autonomia do Congresso Nacional; não podemos abrir mão de fazê-lo".  

Nós fizemos o Orçamento. Aprovamos na Comissão de Assuntos Sociais não uma emenda minha, mas de toda a Comissão, para o combate ao trabalho infantil. Várias emendas importantíssimas para a área de proteção social foram aprovadas. E o Governo está realizando um corte de mais de sete bilhões, praticamente, dois bilhões da área social.  

Vejam V. Exªs a demagogia. Na próxima semana, estaremos votando, em segundo turno, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, que disseram que seria de quatro bilhões; de fato, não são quatro bilhões, porque 40% do dinheiro só vão aparecer no Fundo a partir de 2001, por se tratar apenas de papéis, títulos. Então, já não se têm os quatro bilhões. E, agora, o Governo praticamente tira dois bilhões das áreas da saúde, educação, previdência e assistência social, portanto, de áreas diretamente relacionadas com as ações do combate à pobreza, com as ações que visam minimizar os efeitos perversos da pobreza.  

Houve declarações oficiais sobre o assunto. Existe algo mais irritante do que uma declaração oficial do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda dizendo: "Os cortes na área social ocorreram porque estes Ministérios acumularam gastos extremamente elevados?"  

Ora, como disse, tínhamos quatro bilhões para o combate à pobreza. Depois, menos dois bilhões, tirados das áreas que se relacionam com a pobreza. No entanto, só no primeiro trimestre deste ano, mais de vinte bilhões para pagar os juros e os serviços da dívida, ou seja, para continuar financiando a agiotagem internacional. E por que todos esses cortes, Sr. Presidente? Para a construção do superávit primário, para atender ao Fundo Monetário Internacional, para, mais uma vez, o Brasil assumir a sua síndrome de senzala branca e mansa, que se ajoelha covardemente perante o Fundo Monetário Internacional.  

Trata-se de um superávit primário criminoso - como foi no ano passado -, porque, quando se tira dinheiro da área social, mesmo que depois se possa restituir qualquer coisa, uma criança morre se não tiver assistência à saúde, ou tem a mão decepada no canavial se não contar com um programa de renda mínima ou de bolsa-escola. Repito: superávit primário às custas de cortes nos gastos sociais é crime, porque a vida não se recompõe, a vida não se reconstitui, as famílias jogadas no caminho das drogas ou da marginalidade, como último refúgio, não se reintegram à sociedade.  

Senador Jefferson Péres, sabe o que me dá mais angústia? É olhar um país deste tamanho, de dimensões continentais, com gigantesco potencial de recursos hídricos, com grande biodiversidade, com imensa população, com um enorme mercado interno de massas, um país que é o maior país da América Latina, que poderia mexer, sim, nessa nova ordem econômica internacional, um país que, e somente ele, pode aglutinar todos os outros países - não faz nada; ajoelha-se covardemente!  

Sabe o que é mais vergonhoso para todos nós? É olhar Cuba, uma ilhota insignificante, perdida no meio do mar, sozinha, absolutamente isolada do mundo, pressionada pela maior potência do globo terrestre, e contatar que Cuba não se dobra, não se curva, não se ajoelha covardemente. E, no entanto, este gigante chamado Brasil a todo momento manifesta essa síndrome de senzala, tão desrespeitosa para este povo generoso e maravilhoso, que é o povo brasileiro, Sr. Presidente.  

Menosprezaram o trabalho de revisão da proposta, menosprezaram também as emendas oferecidas. A atitude do Governo nada mais demonstra do que a falsidade na tal da liturgia da elaboração do Orçamento. Talvez fosse até melhor apresentar logo uma PEC mediante a qual se determine que não vamos mais elaborar o Orçamento. Nós, do Bloco da Oposição, estamos planejando uma proposta de emenda constitucional que torne obrigatória a execução orçamentária. E devemos levar em conta que em nenhum dispositivo a Constituição diz que não é obrigatória essa execução. Ao contrário, o art. 85 da Constituição determina que é crime de responsabilidade não cumprir a Lei Orçamentária. Nós, da Oposição - PT e PDT – estamos trabalhando em uma proposta de emenda constitucional que disponha sobre essa obrigatoriedade, embora em lugar algum esteja escrito que não seja obrigatória a execução.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT – DF) – Permite-me, V. Exª, um aparte?  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT – AM) – V. Exª me permite um aparte?  

A SR ª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Lauro Campos, e depois ao Senador Jefferson Péres.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT – DF) – Nobre Senadora Heloisa Helena, quem pode ficar quieto diante de uma exposição feita com a clareza, com a veemência, com a clarividência e o entusiasmo que V. Exª manifesta, ao criticar essa posição do Governo, iniciando pela assertiva do Presidente da República, segundo a qual causa arrepio à Sua Majestade o fato de se falar em distribuição de renda? Sua Excelência escreveu, em um de seus livros, naquele tempo em que pensava - porque hoje a cabeça, que apenas obedece, não precisa pensar, já abdicou do cogito, ergo sum há muito tempo, não é mais, não pensa mais; não cogita, logo não é -: "O capitalismo destrói, nas guerras ou no social, o seu excedente". Escreveu isso no tempo em que era partidário de uma teoria do excedente, que dois autores norte-americanos de esquerda abraçavam. Então, o que vemos é que Sua Excelência pelo menos continua fiel a alguns pontos de vista antigos. Prefere queimar. Para Sua Excelência, a aplicação no social é uma queima de excedente igual à da guerra. Prefere queimar no FMI, entregando-lhe os nossos recursos ao FMI, do que realmente tentar minorar a situação daqueles que de fato precisam. Uma vez que não se pode distribuir a renda, devem-se distribuir pelo menos os recursos, e os recursos orçamentários. No entanto, faz o contrário: além de concentrar a renda, faz isso que V. Exª acaba de demonstrar com os recursos orçamentários. Realmente, o modelo seguido por este Governo é um modelo envergonhado de um Governo com pouca vergonha. O continente africano, cuja dívida externa atinge a US$350 bilhões, foi completamente destruído. Esse é o nosso modelo. Caminhamos para a africanização do Brasil. Por outro lado, Sua Excelência, que quer emplacar o seu terceiro mandato, tem como modelo o Peru, ou seja, o Fujimori. É um Governo que toma os dois piores exemplos do globo para seguir: o exemplo do ditador Fujimori - quer ser o "Fujinando", com o terceiro mandato - e o modelo africano, onde o FMI destruiu completamente tudo. Obrigado, Senadora.  

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador Lauro Campos, agradeço a V. Exª pelo aparte. Sei que o Senador Jefferson Péres também pediu um aparte, mas, em função do horário do meu vôo, não será possível conceder. Já conversei S. Exª, que, como sabemos, compartilha inteiramente dessas preocupações.  

Para se ter uma idéia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Jefferson Péres, na reforma agrária, houve cortes de R$53 milhões; na Lei de Segurança Nacional, R$53 milhões; na Educação, R$56 milhões; na Previdência e Assistência Social, R$326 milhões e na Saúde, Senador Tião Viana, R$863 milhões em cortes. Ao mesmo tempo, deixa-se nos cofres do Governo, R$1.1 bilhão de recursos cujo destino, contrariando a própria Constituição, não sabemos.

 

Portanto, Sr. Presidente, o que nos resta apenas é o jus esperniandi , porque um dia o povo brasileiro poderá tomar alguma medida contra isso.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2000 - Página 10349