Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, JOAQUIM RORIZ.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • CRITICAS A ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, JOAQUIM RORIZ.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2000 - Página 10352
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • REITERAÇÃO, DISCORDANCIA, LIBERALISMO, MOTIVO, OPOSIÇÃO, ORADOR, GOVERNO, CRISTOVAM BUARQUE, EX GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, VICE-GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), DESTRUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, GOVERNO, CRISTOVAM BUARQUE, EX GOVERNADOR, IRREGULARIDADE, CONTRATAÇÃO, SERVIDOR, AUSENCIA, CONCURSO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, AUTORITARISMO, JOAQUIM RORIZ, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), PROVOCAÇÃO, MIGRAÇÃO, ENTORNO, INTERESSE PARTICULAR, ELEIÇÕES, VIOLENCIA, REPRESSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL S/A (NOVACAP), HOMICIDIO, SERVIDOR, AUSENCIA, PUNIÇÃO, RESPONSABILIDADE.
  • CRITICA, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), CONSTRUÇÃO, METRO, ANUNCIO, PRIVATIZAÇÃO, OMISSÃO, AUMENTO, NUMERO, ACIDENTE DE TRANSITO, VIOLENCIA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT – DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em mais de cinco anos de cumprimento do meu mandato, apenas uma vez toquei rapidamente em questões "paroquiais", locais.  

As pessoas entram em relações sociais independentemente de sua vontade. Ao contrário do que afirmam os neoliberais, as nossas escolhas são muito limitadas. Como um trabalhador assalariado, que ganha R$151,00 por mês, pode, por exemplo, escolher comprar um carro se o seu salário não dá para pagar a gasolina? Isso não se escolhe. O nosso limite de escolha é insignificante. Vemos o exemplo do Brasil, do continente africano - rico, poderoso, cheio de riquezas naturais - e nós, nessa inserção internacional, que nos achincalha, que nos empobrece e que nos avilta. Assim, não fazemos nossas escolhas senão dentro de estreitos limites impostos pela nossa inserção social, pela estratificação social, pela divisão de classe, pela divisão internacional do mundo, do poder no mundo, do saber no mundo, do comer no mundo. Tudo está dividido, e essa divisão tem realmente uma cola, uma dureza, há dificuldades muito grandes para a mudança dessas estruturas perversas, dessa distribuição interna internacional do capital, do saber, do poder etc.  

Quando fui eleito Senador - eleito pela segunda vez e consegui tomar a primeira posse -, não pude exercer na plenitude o meu mandato porque a minha postura já há décadas é de crítica ao neoliberalismo, movimento que se iniciou em três países da Europa – Áustria, Suíça, em Lausanne, e na Inglaterra -, em 1873. E é novo, ressurge agora. O neoliberalismo sai do seu túmulo como algo novo. Por isso sempre chamei de neo-neoliberalismo, porque o neoliberalismo é de 1873. Entrou em crise em 1929.  

Agora, o capitalismo, diante da crise, da dinâmica keynesiana, não tendo para onde ir, sabendo que está nos seus estertores finais, resolve ressuscitar o neoliberalismo. E os Srs. Friedman e Hayek iniciam esse desenterro em meados dos anos 40.  

Pois bem: estou dizendo que o professor Cristovam Buarque, ex-governador, é um neoliberal. Adotou uma simbiose muito grande com o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Adotou aqui no Distrito Federal medidas de enxugamento; medidas, obviamente, condicionadas e impostas por essa ordem neoliberal à qual me opunha e continuarei a me opor.  

De modo que, então, tornei-me um elemento incômodo, e durante 4 anos, como único Senador de Oposição do Distrito Federal, só estive com S. Exª o Governador de Brasília três vezes. Na quarta vez, foi para dizer a S. Exª que, não me conformando nem com meu silêncio, nem com grande parte daquilo que realizava em seu Governo, eu seria um "anticandidato". Isso para poder dizer a S. Exª nos nossos debates qual era o meu ponto de vista e poder expor as minhas oposições, as minhas críticas que não tiveram espaço antes. Assim, não escolhi em grande parte o conteúdo do meu mandato, da minha fala e do meu silêncio. Então, eu me acostumei a dirigir a minha preocupação maior para a esfera federal e para as relações internacionais, a dívida externa etc, deixando de lado as questões "paroquiais".  

Agora, entretanto, não posso continuar a manter essa postura. Realmente não votei no Governador Cristovam Buarque, a não ser na sua eleição inicial. Quanto à sua reeleição, não podia votar nele, pois sou contra a reeleição sem desincompatibilização e contra o neoliberalismo. E nele não votei.  

E não gosto de guardar segredo. Por favor, quem tiver segredo não me conte. Não sei guardar segredo, não gosto de segredos. Não tenho imaginação, não sou um romancista, não consigo imaginar coisas. De modo que não consigo inventar versões diferentes. O Presidente da República já afirmou três vezes que é mentiroso. Não consigo mentir porque não tenho imaginação, não tenho inteligência suficiente para criar uma versão diferente daquela real sem erros, sem discrepância, sem incongruências, sem que as minhas mentiras tivessem pernas curtíssimas. Então não sei mentir. Minha mãe sempre me dizia isso. Nem naquela fase em que as crianças mentem, eu não mentia. Sou burro há muito tempo. Não sei mentir. Esse é um dos atestados da minha burrice.  

Agora, infelizmente, segundo um ditado mineiro: "depois de mim virá quem de mim bom fará", veio o Sr. Roriz. E veio, trazendo até saudades do Governo do Professor Cristovam Buarque, do qual discordei o tempo todo.  

O Sr. Roriz veio e trouxe consigo os seus assessores. Algo lamentável ocorre em Brasília: alguns pontos positivos que todos nós vislumbrávamos e percebemos no governo do Professor Cristovam - esses poucos pontos insofismavelmente positivos - agora estão sendo destruídos sistematicamente pelo Governo Roriz.  

O Sr. Governador Joaquim Domingos Roriz é ainda um produto da ditadura militar. Quando ele foi implantado no Distrito Federal, por dois anos, num mandato tampão, ele não foi eleito, foi indicado pelo Presidente da República e, portanto, assumiu com os mesmos critérios, as mesmas normas e a mesma legislação que presidiam a ditadura. Ele é a última flor - não do Lacio - mas a última flor da ditadura, sem dúvida alguma. E, a partir de então, usando os seus relacionamentos com os governos federais, pôde fincar a sua barraca no Distrito Federal e aqui permanecer e voltar eleito, para infelicidade do povo do Distrito Federal.  

Fiz uma pequena lista, um resumo, das contravenções, dos crimes, dos deslizes e dos enganos cometidos pelo Governo Joaquim Roriz. Como não pretendo citar outras figuras desse Governo, devo apenas fazer um hiato para dizer que também o Vice-Governador do Distrito Federal merece reparos em seu comportamento e em suas atitudes - e não quero estender essa observação a seu filho, que está sendo acusado também de praticar ilegalidades na questão fundiária no Distrito Federal, e a membros de sua família. S. Exª nomeou, apenas para seu gabinete, quase 2 mil funcionários. Foram contratadas mais de 1.900 pessoas para o seu gabinete. Só isso é suficiente para mostrar o descalabro e a falta de consciência que membros desse Governo, e no caso particular o Vice-Governador, têm demonstrado.  

É de se estranhar que, em uma situação como essa em que nos encontramos, quando o Governo Federal enxuga e demite pais de família, funcionários públicos concursados, quando o Governo quer acabar com a estabilidade, e tem acabado, enquanto, enfim, o Governo Federal toma tais atitudes, aqui, no Distrito Federal, em um Governo totalmente dependente dos recursos e das verbas federais, vemos alguém como se estivesse num outro mundo, numa outra esfera, a contratar 1.900 pessoas sem concurso.  

Pois bem, não sou modelo para ninguém, mas, certa vez, o Reitor da Universidade de Minas Gerais, Professor Orlando Carvalho, convidou-me para fazer concurso na Faculdade de Filosofia, em Belo Horizonte. Só porque me convidou e queria me proteger, eu não quis fazer o concurso lá. Vim para Brasília e fui fazer o meu concurso em uma universidade em que eu pensava ser totalmente desconhecido. Na minha vida, nunca quis ser protegido e, portanto, pude conservar a minha independência e tentar manter a minha verticalidade. Devido a isso, talvez seja considerado radical e intransigente. Sou radical e intransigente com tudo isso que aí está. Na minha vida, nunca praticaria um ato destes: nomear mais de 1.900 pessoas sem concurso para o meu gabinete. Isto é algo até fisicamente inconcebível: enfiar 1.900 pessoas num gabinete.  

Obviamente, os objetivos são outros. Quem sabe, enchendo o seu gabinete, ele quer acabar com o desemprego no Distrito Federal, que é o maior do Brasil. Grande parte desse desemprego, há seis anos, eu chamava de desemprego Roriz. Porque o Sr. Joaquim Roriz queria fazer aqui um grande curral eleitoral e, para isso, prometeu - e fez - a distribuição e doação de terrenos, etc. Ora, com isso, afluíram eleitores em potencial para ele do Brasil inteiro.  

Surgida recentemente, a Cidade de Águas Lindas, na divisa de Goiás, tem 200 mil pessoas. Brasília, que Oscar Niemeyer e Lúcio Costa achavam que, no ano 2000, teria no máximo 500 mil habitantes, apresenta mais de 2 milhões, se considerado o Entorno. O Sr. Joaquim Roriz, utilizando-se de todo despotismo e autoritarismo que são próprios dessas pessoas que saem das entranhas da ditadura e que são ainda sobreviventes daquela era, é, realmente, um ser despótico e autoritário. E tem utilizado esse despotismo e esse autoritarismo em inúmeras manifestações. Por exemplo, no dia 2 de dezembro do ano passado, mataram aqui em Brasília um servidor da Novacap que participava de uma pequena manifestação, pois as greves hoje estão destruídas, minadas, esvaziadas pela prepotência da legislação, da polícia e dos governos que aí estão. Naquele dia, além de matar um funcionário, cegaram dois outros funcionários e feriram mais de trinta pessoas.  

Até hoje, praticamente nada aconteceu. Se tivéssemos tempo para acompanhar o comportamento do Governo do Sr. Roriz diante desse fato, ficaríamos convencidos de que houve uma grande má vontade para apurar os acontecimentos. O Governador Joaquim Roriz nomeou uma Comissão de três cidadãos: um indicado pela OAB e os outros dois, pessoas de indiscutível idoneidade. O relatório ficou pronto e o Sr. Joaquim Roriz, que havia indicado a Comissão, rasgou o relatório e as conclusões a que chegaram, porque estes não agradavam ao Sr. Joaquim Roriz, no que diz respeito à apuração de responsabilidades por aqueles crimes cometidos no dia 02 de dezembro do ano passado.  

Naquela ocasião, emprestei minha solidariedade às vítimas do Sr. Joaquim Roriz, escrevendo algo intitulado "Pela ordem". Usei os diversos significados da palavra "ordem", a fim de mostrar como, inclusive, a ordem para matar, a ordem para reprimir, a ordem para cegar e para ferir ficaria oculta nesse processo, como está até hoje. Não se sabe realmente quais os autores e os mandantes daquela ação; não se sabe quais foram aqueles que autorizaram a repressão violenta que aqui se deu.

 

Sr. Presidente, peço licença para brevemente discorrer sobre um outro problema inaugurado pelo Sr. Joaquim Roriz, já no seu segundo mandato – de vez que S. Exª está pela terceira vez no poder no Distrito Federal –, quando S. Exª iniciou as obras do metrô de Brasília e registrou em cartório a promessa de que a obra seria inaugurada há cerca de seis anos. S. Exª registrou no cartório essa promessa, marcando dia e hora para a inauguração do metrô, o que não se realizou até hoje. E ninguém sabe quando essa obra será concluída. Desse modo, Sr. Presidente, S. Exª o Governador se tornou o primeiro mentiroso a ter a sua mentira registrada em cartório com firma reconhecida. S. Exª marcou a hora e o dia para a inauguração do metrô; hora e dia que já foram ultrapassados em quase seis anos.  

Naquela ocasião, tive a oportunidade de debater, inclusive, com engenheiros do Governo do Distrito Federal e de mostrar, entre outras coisas, que o metrô não é um sistema moderno de transportes, no sentido de que, já em 1865, sua construção foi iniciada em Londres. Aqui, o nosso metrô não é propriamente um metrô; é um trem de superfície, que percorrerá – se um dia for concluído – 40km. O metrô de Londres, iniciado em 1865, tem uma malha metroviária de 1350km de extensão.  

Além disso, o metrô é um sistema de transporte horizontal e vertical. O metrô de Paris, por exemplo, em determinados pontos, como em Mont Martre, tem uma profundidade de mais de 80m. O nosso metrô, por sua vez, como é um trem de superfície, apenas afunda numa pequena vala ao longo dos 16km do Eixo Rodoviário Sul. O nosso metrô, assim, não atingirá jamais a Asa Norte, a Península Norte, a Península Sul, o Guará, Sobradinho etc. É um metrô que, na realidade, não passa de um arremedo. Eu já o chamava, à época, de "trenzinho do Canhedo", porque esse metrô, feito com tanto sacrifício, feito com o dinheiro do BNDES, com fundos e recursos públicos obtidos das mais diversas fontes, chega ao fim com a promessa de que será privatizado. O sacrifício é nosso, e a rentabilidade será obviamente...  

Sr. Presidente, mal comecei e já tenho aqui uma lista enorme de problemas, de mazelas criadas pelo Sr. Joaquim Roriz em seu Governo. Quanto à questão do trânsito, os indicadores mostram que o número de mortes por atropelamento e por outras causas aumentaram muito. E o Sr. Joaquim Roriz continua atropelando. S. Exª faz questão de atropelar, por exemplo, a Língua Portuguesa, ainda que atropelar o idioma pátrio, obviamente, não constitua crime nem contravenção. S. Exª pode, pois, continuar atropelando o Português.  

S. Exª diz ser economista de formação – nem eu, nem ninguém, pelo menos que eu tenha conhecimento, viu o seu diploma. Embora S. Exª afirme ser economista, realmente, o seu exemplo não é positivo para aqueles que, nos grupos primários, tentam aprender o idioma de Camões. Realmente, S. Exª atropela o Português, e esta, talvez, seja a sua menor contravenção, o seu menor crime.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2000 - Página 10352