Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DEBATE COM ALUNOS DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA SOBRE O INSTITUTO DO SERVIÇO CIVIL ALTERNATIVO OU OBRIGATORIO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. ENSINO SUPERIOR.:
  • DEBATE COM ALUNOS DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA SOBRE O INSTITUTO DO SERVIÇO CIVIL ALTERNATIVO OU OBRIGATORIO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2000 - Página 10553
Assunto
Outros > SAUDE. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, DEBATE, ESTUDANTE, ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA (EPM), PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REFERENCIA, SERVIÇO CIVIL, ESTABELECIMENTO, ESTAGIO PROBATORIO, FORMANDO, AREA, SAUDE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, MUNICIPIOS, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, SAUDE PUBLICA.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, CURSO SUPERIOR, MEDICINA, CURSOS, AREA, SAUDE, ESTADOS, BRASIL, VIABILIDADE, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, APTIDÃO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, REGIÃO, PAIS, APROVAÇÃO, ESTAGIO PROBATORIO, MUNICIPIOS, CARENCIA, MEDICO.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MINISTERIO DA SAUDE (MS), APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, CARENCIA, MEDICO, MUNICIPIOS, BRASIL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, tive oportunidade, há duas semanas, de discutir com estudantes da Escola Paulista de Medicina, em um programa que a escola mantém sobre temas de saúde, a respeito de projetos de minha autoria e de outros Senadores que trata do serviço civil alternativo ou serviço civil obrigatório.  

Meu projeto estabelece um estágio obrigatório remunerado para todos os estudantes da área de saúde que, uma vez graduados, deverão, durante um ano, prestar serviços nos Municípios onde a correlação profissional/habitante seja igual ou inferior a um para mil, como recomenda a Organização Mundial de Saúde.  

Ora, Sr. Presidente, é interessante nesse debate constatar que o Brasil, como país, têm mais médicos do que recomendado pela Organização Mundial de Saúde. No entanto, onde estão esses médicos? Estão, majoritariamente, no Sul e Sudeste; nos Estados de outras regiões, estão concentrados nas capitais. A poucos quilômetros das capitais, encontramos Municípios que não dispõem de um só médico e, quando dispõem, estão lá em caráter intermitente, quer dizer, o médico aparece a cada 15 dias ou a cada mês.  

É alarmante constatar que o Brasil possui essa quantidade de profissionais – como médico, tendo a falar mais sobre médicos, mas estendo o projeto aos odontólogos, bioquímicos e enfermeiros –, por existir um acomodamento, uma forma pacífica de aceitar o status quo. Por exemplo, só em São Paulo, há mais de 20 cursos de Medicina, enquanto em toda a região Norte, para atender cerca de 25 milhões de habitantes, existem apenas quatro cursos de Medicina: dois localizados no Estado do Pará, um no Estado do Amazonas e um no meu Estado, Roraima, um curso recente que formou a primeira turma agora.  

O Governo Federal deveria adotar uma política semelhante à de Cuba, onde em cada província existe um curso de Medicina e das outras ciências da área de saúde. Com isso, em cada Estado forma-se o profissional voltado para as necessidades, para as nosologias típicas da região.  

No Brasil, o modelo é concentrador. Concentra-se o desenvolvimento no Sul e Sudeste. Concentram-se o saber, a política e a elite pensante no Sul e Sudeste. Dessa forma, o modelo brasileiro fica desequilibrado e injusto.  

Causou-me surpresa saber que os estudantes da Escola Paulista de Medicina têm consciência dessa necessidade, mas resistem à obrigação de ir para Municípios onde não existam médicos. Aliás, apegaram-se muito à expressão "ser obrigatória a presença deles" no Município cuja correlação profissional/habitante seja de um para mil ou menos.  

Quando se fala em Municípios que tenham um médico para cada mil habitantes, pensa-se logo nos locais distantes da Amazônia, nas comunidades ribeirinhas. Mas, na verdade, constatou-se em levantamento recente que muitos Municípios do Sul e Sudeste não dispõem de profissionais nessa proporção. No Nordeste, a situação é grave; no Centro-Oeste, idem; no Norte, é obviamente pior.  

É preciso repensar a situação. Não adiantam soluções paliativas. Na maioria dos Estados do Norte – Roraima, Tocantins, o Acre e outros – estão se socorrendo de médicos cubanos e colombianos, para proverem assistência aos moradores dos Municípios do interior. Isso, até certo ponto, é um atestado negativo para o médico brasileiro. Demonstra a insensibilidade social do profissional para com a realidade da população, que – no caso das universidades públicas - paga o estudo do médico. Os médicos formados em escolas particulares, de alguma forma, também foram subsidiados pela população, porque essas escolas gozam de algum tipo de privilégio. Não fosse isso, a dívida social do profissional da área de saúde já seria suficiente para justificar a obrigatoriedade de ele passar um ano de sua vida profissional no Município onde a correlação de profissional fosse inferior ao parâmetro recomendado pela Organização Mundial de Saúde.  

Mas vejo que não há iniciativas concretas por parte do Poder Executivo no sentido de corrigir essa distorção. Então, os Governos estaduais e os municipais de muitos Estados, principalmente do Norte e do Centro-Oeste, estão buscando, por meio de convênios com Cuba, sanar essa lacuna com a presença de profissionais estrangeiros. E o que é mais interessante: levantam-se, então, os profissionais brasileiros contra a vinda dos cubanos, colombianos ou peruanos, dizendo que esses profissionais estão disputando o mercado de trabalho dos médicos brasileiros, como se a medicina, a odontologia e a enfermagem devessem ter reserva de mercado, garantindo, portanto, para quem se gradue nessas áreas de saúde um mercado cativo para que ele possa ter, primeiro, o seu emprego e, segundo, a possibilidade de atuar em uma clínica particular.  

Quero aqui fazer esse registro hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sobre essa distorção. Apelo aos Srs. Ministros da Educação e da Saúde para que possamos trabalhar juntos, já que existe aqui uma proposta minha no sentido, digamos, de uma pós-graduação em Brasil. Se uma pessoa que se formar em medicina no Rio Grande do Sul der um ano de sua vida para prestar um serviço em município – não precisa ser na Região Norte – onde a correlação seja de um profissional para mil habitantes, estará efetivamente fazendo uma pós-graduação em Brasil, conhecendo uma realidade que ele não conhece dentro das escolas de medicina, nos laboratórios no período de graduação.  

Ele precisa, efetivamente, sair da escola e ir para o interior assistir aos mais necessitados. Para isso já aconteceram iniciativas que se assemelham e até me inspiraram a apresentar esse projeto. É o caso do Projeto Rondon, que levava estudantes dos últimos anos de vários cursos para a Amazônia a terem contato com a realidade do povo sofrido daquela região.  

O que aconteceu em conseqüência do Projeto Rondon? Vários daqueles estudantes que foram para lá passar seis meses da sua grade curricular, ao se formarem, retornaram àquele Estado.  

Em Roraima, temos vários estudantes da Universidade de Santa Maria que para lá voltaram depois de formados, por terem tido a oportunidade de fazer não uma pós-graduação no Brasil, mas um período curto de estágio naquela região.  

O Governo Federal deveria, ao invés de proibir a criação de novos cursos de medicina, incrementar a existência de cursos de Medicina e de outras áreas de saúde em cada Estado do Brasil, porque não é possível haver concentração, como disse no início do meu pronunciamento, de vinte Escolas de Medicina só em São Paulo, o que faz com que estudantes do Nordeste, do Centro-Oeste, do Norte migrem para lá. A oportunidade de fazer vários vestibulares é maior do que, por exemplo, permanecer no Norte, onde aos estudantes só são oferecidos quatro cursos de Medicina. Saliento esse reestudo da distribuição dos cursos da área de saúde em cada Estado, assim como a aprovação dessa medida, segundo informações do próprio Ministério da Educação, não talvez como pós-graduação, mas o estudante, depois de formado, faria um estágio remunerado num desses municípios onde há essa carência do profissional da área de saúde. O estudante poderia inserir na própria grade curricular um período de estágio de quatro ou seis meses. Assim estudantes dos últimos anos dos cursos da área de saúde teriam um contato vivo com a realidade deste País, deste outro Brasil, que não é o Sul e o Sudeste e que não são as capitais dos demais Estados.  

Portanto, deixo hoje esse registro do debate que tive com os estudantes da Escola Paulista de Medicina, que é uma escola-modelo para o País. Ao constatar que eles estão atentos a isso, senti grande satisfação.  

Resta, portanto, ao Poder Executivo, repito, ao Ministério da Educação e ao Ministério da Saúde aperfeiçoarem uma proposta que possa sanar essa falta de profissionais de saúde na grande maioria dos municípios do Brasil.  

Apelo ao próprio Conselho Federal de Medicina, a outras entidades da área de saúde que se mostram contra a vinda de médico cubanos e colombianos, que eles ajudem, então, a encontrar uma forma para que o médico brasileiro não continue passando esse atestado de insensibilidade social para com milhões de brasileiros que não têm o direito de sequer ver a presença de um médico.  

Muito obrigado.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2000 - Página 10553