Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE CRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE CRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2000 - Página 10698
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), ELOGIO, ATUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, OSWALDO CRUZ, CARLOS CHAGAS (MG), CARLOS CHAGAS FILHO, CIENTISTA, DEFESA, SAUDE PUBLICA.
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, LIVRO, AUTORIA, CARLOS CHAGAS FILHO, CIENTISTA, ASSUNTO, PESQUISA CIENTIFICA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL – MG. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Sr. Presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Eloi de Souza Garcia; Sr. Dr. Paulo Gadelha; Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. convidados.  

Desde logo, meu abraço de carinho e emoção a Anna Leopoldina de Mello Franco, filha de Afrânio de Mello Franco e neta do primeiro Governador de Minas, Cesário Alvim. A Capital ainda estava em Vila Rica, a nossa Ouro Preto.  

Anna, que chamamos carinhosamente de Annah, é irmã de Caio, Virgílio, Cesário, Afrânio, Affonso, Maria do Carmo, João Victor e Zaíde. Todos são Mello Franco, Alvim e Chagas, famílias que se unem pela cultura, pelo casamento e pelo destino, na vida social e política do Brasil.  

Quero transmitir a minha emoção pelo fato de estar vendo aqui Maria Pia, filha de Sílvia Amélia e neta de Annah e Carlos Chagas, filho.  

Desde logo, o nosso abraço aos que tiveram a iniciativa desta solenidade, na pessoa do Senador pelo Estado de Tocantins, Carlos Patrocínio, mineiro também, nascido na minha querida cidade Monte Azul, no norte de Minas Gerais.  

Venho falar da centenária Fundação Oswaldo Cruz, às margens da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Venho falar de duas cidades mineiras. Venho falar do barbeiro, um personagem ainda vivo, que faz parte do medo das pessoas que vivem nas casas de taipa neste imenso País infindo.  

Venho falar de três importantes vultos da ciência brasileira: um paulista, Oswaldo Cruz, um mineiro, Carlos Chagas, pai, e um carioca mineiro, Carlos Chagas, filho.  

Na próxima segunda-feira, dia 29, estarei no Rio de Janeiro, na Academia Brasileira de Letras, para participar do lançamento de um importante livro que narra a trajetória histórica de uma grande instituição, a Fundação Oswaldo Cruz, a nossa querida Fiocruz.  

A Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, pai e Carlos Chagas, filho seguem-se outros especialistas, juntamente com servidores e auxiliares, que hoje pontificam no desempenho das elevadas funções da Fundação de Manguinhos. Muitas dessas atividades constam do livro a que me refiro, um legado de escritos de Carlos Chagas Filho, que narra a sua comovente autobiografia a serviço da ciência. Trata-se de um legado da luta heróica por ele desenvolvida a partir do Pavilhão Mourisco, em Manguinhos, para que o Brasil passasse a entender a importância dessa área científica.  

A publicação será uma co-edição da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, e da Editora Nova Fronteira. São quase 300 páginas de memória e de análises de Carlos Chagas Filho sobre os rumos da ciência mas por ele, autor, modestamente intitulada Um Aprendiz de Ciência. Como se, por detrás da pena que lhe deu forma, não estivesse um dos maiores cientistas da humanidade.  

A história da Fundação Oswaldo Cruz, a trajetória de seus três grandes personagens e, agora, o livro Um Aprendiz de Ciência , dizem muito de Minas e dos mineiros. Lá tiveram origem as raízes mineiras do clã dos Chagas. Minas foi o berço do antecessor de Chagas Filho, seu pai, Carlos Chagas. Carlos Chagas, pai, pioneiro da pesquisa científica, filho de José Justiniano Chagas e Mariana Cândida Ribeiro de Castro, nasceu em 9 de julho e1878 na Fazenda Bom Retiro, no município de Oliveira, no oeste do meu Estado, Minas Gerais.  

Essas raízes estendem-se também à cidade histórica de São João del Rey onde Carlos Chagas fez o preparatório para a Escola de Minas, em Ouro Preto, atendendo ao desejo da mãe que queria um engenheiro na família.  

Órfão de pai aos quatro anos, acabou seguindo a própria vocação e com esforço e vontade veio a se formar em medicina para se tornar o grande sanitarista, ele, o mais ilustre filho de Oliveira.  

Menciono o nome Oliveira e vejo-me diante de uma feliz coincidência, que chega a me causar emoção, por ser essa mesma cidade, Oliveira, a terra natal de minha esposa, Latifinha. É, portanto, também a minha cidade, que freqüento com amor, carinho e dedicação aos seus problemas sociais, econômicos e culturais, inclusive da notável Casa de Cultura de Oliveira, que leva o nome de seu ilustre filho, Carlos Chagas, pai. É a terra do meu melhor aconchego.  

Volto um pouco no tempo para falar na criação dessa agora centenária Fundação de Manguinhos, como muitos denominam a Fundação Oswaldo Cruz. É no começo desse relato que localizo a semente de uma Instituição que depois influenciaria o surgimento de outras entidades igualmente voltadas para a ciência.  

Era o ano de 1900. Oswaldo Cruz, jovem médico brasileiro, voltava ao Brasil após um curso de bacteriologia em Paris e surpreende-se com um surto de peste bubônica que grassava na cidade de Santos, em São Paulo, já ameaçando atingir também o Rio de Janeiro. A peste expunha as populações a sério risco, mas por causa desse temor e pelas advertências daquele sanitarista, nasceu em Manguinhos o Instituto Soroterápico, destinado inicialmente à produção do soro antipestoso.  

Seu primeiro diretor-geral foi o Barão de Pedro Afonso. Oswaldo Cruz, o diretor-técnico, por ser o detentor da tecnologia recém-adquirida no curso que fizera na França.  

Oswaldo Cruz foi quem deu estímulo a Carlos Chagas, confiando-lhe importantes missões do Instituto Oswaldo Cruz. Dentre elas, o episódio que deu origem à grande descoberta científica que marcaria a vida de Chagas, pai, e desenrolada em território mineiro, na minha também querida e sofrida, mas esperançosa cidade de Lassance.  

Falo agora dessa odisséia de Carlos Chagas, pai, que teve a coragem de deslocar-se do Rio para aquela acolhedora cidade mineira, Lassance, na região do São Francisco, de onde chegavam notícias sobre a presença de uma grande quantidade de insetos hematófagos, popularmente chamados de chupanças ou barbeiros.  

Esse foi o primeiro passo de Carlos Chagas, pai, que, naquele então isolado ponto do norte de Minas, realizaria a importante descoberta tida como única nos Anais da medicina mundial.  

Para chegar a esse marco, o cientista deixou a esposa em Juiz de Fora e improvisou o seu laboratório num vagão estacionado na estação de Lassance, onde também dormia, da Estrada de Ferro Central do Brasil.  

Ali, em sucessivos exames do tubo digestivo dos insetos, Chagas localizou o tripanossomo diferente dos até então conhecidos. Estava descoberto o tripanossomo cruzi - cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz, criador do Instituto e incentivador da pesquisa científica.  

Seu filho, Carlos Chagas Filho, a propósito dessa descoberta, assim se expressa no livro Meu Pai :  

 

A população queixava-se de incômodo baticum e apresentava arritmias, sinais de insuficiência cardíaca, sendo freqüente a morte súbita, inexplicável. Soube, então, por um engenheiro da Estrada de Ferro, da presença de uma infinidade de insetos hematófagos, os barbeiros ou chupões, alojados nas frestas das paredes de pau-a-pique. Esses sugadores saíam à noite, para se alimentar, picando, no rosto, os habitantes das paupérrimas choças.  

 

As experimentações a seguir realizadas em Manguinhos, com micos sagüis, constataram que a picada dos barbeiros-chupanças era a causa da doença que levou o nome do cientista: Doença de Chagas.  

Uma homenagem a um trabalho dedicado, árduo e de grande significação para o mundo.  

De novo em Lassance, e mal refeito da emoção inicial pela descoberta, Carlos Chagas, pai, sensibiliza-se profundamente em 14 de fevereiro de 1909, ao detectar, pela primeira vez, a contaminação de um ser humano pelo tripanossomo cruzi : a menina Berenice, habitante de Lassance, então um pequeno povoado.  

Nesse episódio, Carlos Chagas foi além do estado emotivo, como consta dos registros históricos. Era um feito muito importante para a ciência mundial e seu desejo era debater o assunto profundamente. Lamentava, porém, não ter ali com quem comentar a importante descoberta.  

Ele tentava imaginar como, em pleno sertão mineiro, pôde aparecer o nome Berenice, que, na França, a dramaturgia tornara famoso com Corneille e Racine. Talvez, por influência do engenheiro Lassance, o francês, que, ao passar por aquele pedaço de chão, legara o próprio nome para denominar um pequeno canto do grande mapa do meu Estado de Minas Gerais: Lassance, que, antes, era o povoado de São Gonçalo, pertencente ao Município da Pirapora, do qual se desmembrou em 1953.  

Ao abrir as portas a uma autêntica garimpagem no mundo da pesquisa científica, em laboratórios do Pavilhão Mourisco ou na prática direta, na Fazenda Tartária, em Oliveira, Carlos Chagas Filho, como o pai, teve suficiente visão do futuro para que o Brasil não deixasse passar ao largo a formação de cientistas.  

Como ninguém, ele lutou para que viesse a ser criado o Conselho Nacional de Pesquisas. Insistiu nesse projeto. Foi à Europa e, de lá, trouxe valioso e farto material, que só de navio poderia ser transportado.  

Procurou, então, autoridades, o próprio Ministério da Educação e Saúde, na época conduzido por um mineiro ilustre, o meu amigo Gustavo Capanema, que também foi Senador e falava desta tribuna.  

Seu sonho, o sonho de Carlos Chagas Filho, permanecia com forte obstinação: a pesquisa científica.  

Engajado nessa luta, empenhou-se a fundo até que viesse a ser criado, no Governo Vargas, o Conselho Nacional de Pesquisa, o CNPq, que, a seu ver e com razão, seria o grande impulsionador da pesquisa, de uma forma geral, em nosso País. Carlos Chagas Filho foi também o criador, em 1936, do Instituto de Biofísica, na Praia Vermelha.  

Estamos convencidos de que, se não fossem os esforços e a visão de Carlos Chagas Filho, possivelmente o Brasil não teria alcançado a posição de vanguarda que ostenta na atualidade, em nível de igualdade com as nações mais desenvolvida do mundo.  

Carlos Chagas Filho foi, além de médico e pesquisador, um notável homem de letras. Dominava seis idiomas.  

Membro da Academia Brasileira de Letras, ele revelou, em vida, extraordinária vocação humanística, a ponto de considerar que a principal etapa do processo de desenvolvimento é a valorização do homem, sem a qual, como sustentava, não será possível criar a verdadeira civilização do futuro.

 

Detentor de invejável nível de conhecimento, presidiu por 16 anos a Pontifícia Academia de Ciência de Roma, período em que, por sua iniciativa, foi revisto o processo de Galileu Galilei, resultando na reabilitação do astrônomo, por nada ter sido encontrado contra ele, nem mesmo a pretensa frase a respeito da rotação da Terra em torno do sol.  

Em 1980, ainda dirigente daquela Academia, Carlos Chagas, filho, esteve, durante 14 dias, viajando com o Papa, na sua visita ao Brasil. Esteve, inclusive, em Belo Horizonte, e tive o prazer de estar ao seu lado e de João Paulo II, considerado hoje o maior líder do mundo.  

Carlos Chagas, filho, será lembrado, neste ano do centenário da Fundação Oswaldo Cruz, com uma exposição sobre sua obra, a ser promovida em outubro próximo, conjuntamente pela Academia Brasileira de Letras, pela Academia Brasileira de Medicina e pela Academia Brasileira de Ciências.  

Eu também tive a enorme honra, quando Governador de Minas, de outorgar ao grande cientista a Medalha que leva o nome do pai, a Medalha Carlos Chagas . Ele, Carlos Chagas Filho, recebeu a medalha em lágrimas, em prantos.  

Retorno uma vez mais às raízes mineiras dos Chagas, para destacar a grande intimidade de seu pai, Carlos Chagas, e do filho, Carlos Chagas Filho, com Minas Gerais, meu Estado, onde tudo teve origem.  

É comovedor relembrar o carinho com que ele se refere ao grande mestre de sua vida e ao cenário onde recebeu os ensinamentos mais preciosos:  

 

Na busca de significado – explica o Chagas Filho – fui a meu pai e disse-lhe que queria fazer "ciência básica". Ele entendeu e me mandou para Lassance.  

 

Foi ali que seu pai descobriu a Doença de Chagas.  

Esta é a descrição que ele faz do lugar, numa entrevista ao O Estado de S. Paulo : 

 

Era um lugarzinho pequeno, com três ruas principais: rua da Faca, rua do Tiro e rua Central. Ali viviam os vaqueiros que traziam boiada para engordar. Ali plantei meus alicerces mais embaixo e pude conhecer a gente brasileira. Ter contato com pessoas simples, saber o que elas pensam, aprender com elas. Aprendemos a descobrir o que se passa em nós desse modo. Toda essa ajuda que recebi naquele contato me foi útil para o resto da vida e influiu muito na criação do Instituto de Biofísica.  

 

Ao saudar a data centenária da Fundação Oswaldo Cruz, novamente evoco Carlos Chagas Filho.  

Ele, que dedicou a vida ao combate à doença, sentia-se recompensado ao constatar que, nesses seus últimos anos de existência, já havia cura para muitas moléstias, que, antes, eram incuráveis porque a profilaxia não era feita.  

Não faz muito, na década passada, Chagas Filho disse abominar a guerra atômica, embora reconhecendo que muitas coisas boas saíram da liberação nuclear.  

São dele estas palavras:  

 

Quando o homem tiver juízo, o mínimo que vai sair do domínio do átomo é uma fonte de energia que faça com que nós não derrubemos as florestas nem gastemos os rios.  

 

São afirmações de grande atualidade, notadamente agora, quando a Amazônia volta a ser ameaçada por brasileiros empenhados em alterar o Código Florestal.  

A essas palavras, Chagas Filho acrescenta uma profissão de fé, cujo significado ganha dimensão na medida em que seu autor é um pesquisador científico, que assim diz:  

 

Deus é o grande mestre. Ele está regendo isso tudo com uma precisão absoluta, como se fosse o maior computador do Universo.  

 

O Senador Gustavo Capanema, em célebre discurso proferido nesta tribuna, que tive a honra de ouvir, comparou Milton Campos a Jesus Cristo, em razão de suas peregrinas virtudes.  

Atrevo-me, pois nunca alcançarei a dimensão de Gustavo Capanema, a comparar Carlos Chagas Filho, sempre na mão de Deus, a Jesus Cristo.  

Muito obrigado. (Palmas)  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2000 - Página 10698