Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISA DE OPINIÃO NA QUAL A POPULAÇÃO ACREDITA NA COMPATIBILIDADE ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISA DE OPINIÃO NA QUAL A POPULAÇÃO ACREDITA NA COMPATIBILIDADE ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E A CONSERVAÇÃO AMBIENTAL.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2000 - Página 11016
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, COMPROVAÇÃO, EXISTENCIA, COMPATIBILIDADE, ADOÇÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, PAIS, CRITICA, PROPOSTA, MOACIR MICHELETTO, DEPUTADO FEDERAL, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EFEITO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, quis falar há alguns dias, mas lamentavelmente não foi possível. Não obstante, achei por bem, até porque julgo a matéria atemporal, solicitar que seja feito um registro nos Anais da Casa da pesquisa que foi realizada pelo Vox Populi por encomenda da World Wildlife Fund (WWF), do Instituto Socioambiental e do Greenpeace. Essa pesquisa ouviu cerca de 503 pessoas, e o universo de pessoas pesquisadas se colocou numa perspectiva de ser contra qualquer tipo de ação política que não leve em conta o respeito pela preservação do meio ambiente. A pesquisa foi realizada recentemente, nos dias 20 e 21 de maio.  

Foi muito interessante observar que as pessoas pesquisadas — já que foi feita por telefone — são aquelas que dispõem de um aparelho telefônico, embora isso não indique, necessariamente, uma condição social de classe média, mas, de pessoas que têm algum poder aquisitivo; significa também que pessoas das mais diferentes camadas da sociedade, que dispõem de um aparelho telefônico, foram ouvidas por esse tipo de pesquisa. E essas pessoas, talvez sem a devida consciência do ponto de vista da nossa Constituição, mas com a devida consciência do ponto de vista dos direitos que temos de usufruir um ambiente saudável, agora e no futuro, dos benefícios de uma natureza preservada, principalmente pensando nas gerações futuras, estavam devidamente respaldadas no que diz o art. 186 da nossa Constituição Federal, quando fala da função social da terra.  

No art. 186, da Constituição Federal, há quatro incisos e estes caracterizam o que seria a função social da terra. Lá está escrito, de forma peremptória, sobre a função social da terra; que uma determinada propriedade tem uma função social. No seu inciso I, observa-se o aproveitamento racional e adequado da propriedade. No inciso II está a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, etc.  

É muito interessante notar o que se constatou no universo de pessoas pesquisadas.  

Foi feita a seguinte pergunta: A conservação das florestas, no Brasil, é um obstáculo ao desenvolvimento nacional, pois impede o aumento da oferta de terras agrícolas? Cerca de 10% concordaram com essa afirmativa.  

Depois veio a segunda pergunta: A conservação das florestas não atrapalha o desenvolvimento? Com a tecnologia existente, as terras já desmatadas são amplamente suficientes para aumentar a produção agrícola? Notem que, contra 10%, 88% dos pesquisados responderam que, com as novas técnicas já existentes, é possível utilizarmos as áreas que já foram degradadas, e termos rentabilidade agrícola suficiente.  

Mais ainda, Sr. Presidente. Também foi feita esta pergunta: Para o Brasil se desenvolver, é preciso que todo o seu território seja ocupado por atividades agropecuárias, mesmo que isso implique no desmatamento e em danos à fauna, à flora e ao meio ambiente em geral? E 6% dos pesquisados responderam favoravelmente que se deve fazer essa ampliação da fronteira agrícola, mesmo que signifique todos esses prejuízos. E a segunda pergunta foi esta: A conservação ambiental não prejudica o desenvolvimento do Brasil, sabendo-se que existem muitas atividades econômicas rentáveis que não agridem o meio ambiente e geram empregos para os brasileiros? E 93% do universo dos pesquisados responderam favoravelmente a essa afirmação.  

De sorte, Sr. Presidente, que quero deixar registrada nos Anais da Casa a pesquisa por inteiro, porque são muito felizes as informações que aqui temos para que o Congresso Nacional, os Parlamentares, o Poder Executivo, enfim, aqueles que têm o poder de estar dando rumos à nossa economia, fiquem bem atentos para os números que aqui estão indicados.  

Essa pesquisa ocorreu no bojo da discussão do Código Florestal, em que o Deputado Moacir Micheletto estava propondo o aumento do corte raso na Amazônia, diminuindo a reserva legal de 80% para 50%, e no cerrado amazônico, diminuindo de 50% para 35%.  

A sociedade brasileira manifestou-se, com muita veemência, contra essa proposta de ampliarmos a fronteira agrícola, visando, única e exclusivamente, àquela velha estratégia do crescimento econômico pelo viés de estarmos debelando, cada vez mais, os nossos recursos naturais. Essa proposta foi rechaçada em um único final de semana, em que o Congresso Nacional recebeu cerca de 20 mil e-mails, onde as pessoas protestavam, sem falar no que recebemos durante a semana – cartas, telefonemas -, tudo o que foi feito em termos de cobertura, nos meios de comunicação, em que as pessoas podiam manifestar-se.  

Devo registrar que a opinião pública foi informada com bastante competência pelos meios de comunicação a respeito da proposta do Deputado Moacir Micheletto. O que aconteceu e ocorre, neste momento, é um recado muito importante para um segmento social, tanto dos políticos quanto dos grupos empresariais, de que a sociedade já não mais aceita o velho discurso do desenvolvimento pelo desenvolvimento. Lembro-me que antigamente era muito fácil acusar os ambientalistas e os Parlamentares compromissados com a defesa do meio ambiente de serem atrasados e contra o progresso. Graças a Deus que, ao longo de mais de vinte anos, um grupo de pessoas, de cientistas, de pesquisadores e daqueles que se identificam com a defesa do meio ambiente, trabalhou até à exaustão, mas com muita competência e compromisso, a fim de poderem falar em um novo modelo de desenvolvimento que não seja o velho paradigma calçado na idéia do lucro imediato de sacrificar os recursos de um milênio pelo lucro de dez, cinco ou até mesmo de três anos; a velha idéia de que floresta não é um bem econômico, de que a nossa biodiversidade não tem valor e de não medir os custos ambientais de suas atividades econômicas, porque esses custos constituem prejuízos inclusive econômicos numa perspectiva de curto prazo.  

Vejam V. Exªs que, enquanto um hectare de floresta, se for corretamente manejada, ou devidamente trabalhada com todos os critérios de manejo florestal e de certificação de origem, dá um retorno de 71%, derrubando-se a floresta com a finalidade de plantar capim haverá um retorno de 4,2%.  

Quem é atrasado? São os ambientalistas que defendem que a floresta é a nossa galinha dos ovos de ouro e que nela há riquezas que podem ser muito maiores e melhores em termos econômicos, sociais e ambientais do que a velha prática da expansão da fronteira agrícola, ou aqueles com mentalidade atrasada, que pensam que derrubar e derrubar florestas para plantar capim é a redenção da nossa agricultura, da nossa pecuária?  

Sr. Presidente, trago esses dados e quero deixá-los nos Anais da Casa, porque constituem um recado claro de que a sociedade brasileira, a juventude, está passando por uma fase muito interessante. Lembro que, antigamente, para mobilizar as pessoas, era fundamental ter uma bandeira específica: o aumento salarial, mais emprego, qualquer coisa que as movessem por um sentido da corporação de que faziam parte. Hoje, graças a Deus, a maioria dos brasileiros começa a se movimentar e a se mobilizar por bandeiras que sejam de interesse da sociedade como um todo. Se observarmos os episódios da Marcha de Brasília e de Coroa Vermelha e, recentemente, a luta que a sociedade brasileira levou a cabo contra a mudança do Código Florestal nos termos propostos pelo Deputado Moacir Micheletto, é mais do que certo aquilo que estou afirmando. A sociedade brasileira hoje tem um sentido de coletividade bem maior. Antes, estávamos sempre ligados à nossa corporação, ao nosso interesse imediato; atualmente, as pessoas se mobilizam na defesa das florestas.  

Fiquei muito feliz, quando vi que as minhas filhas de 10 e 6 anos queriam, de qualquer forma, participar da manifestação, que estava marcada, contra a derrubada das florestas. Graças a Deus, o projeto foi arquivado antes. Elas disseram que queriam ir mesmo assim – as crianças gostam muito de se mobilizar –, mas argumentei que, naquele momento, não havia necessidade, porque o projeto estava arquivado até que se chegasse a um acordo sobre o Código Florestal.  

É incrível como a sociedade brasileira, hoje, tem um sentido de coletividade bem maior do que há dez anos. Os dados aqui mencionados dão conta de que o Congresso Nacional deve ficar atento para os projetos que são votados. Prestei muita atenção em como votaram alguns Deputados. Havia 14 Deputados para votar a proposta do Deputado Moacir Micheletto, mas, no dia da votação, havia apenas 13 presentes. Destes, dez votaram favoravelmente à proposta, e só três votaram contra: eu, o Deputado Marcos Afonso e um Deputado do PMDB do Estado do Pará. Esqueci o nome de S. Exª, depois mencionarei, mesmo cometendo uma injustiça. S. Exª foi muito corajoso; foi o único da bancada de sustentação do Governo que teve coragem de votar a favor da sociedade e do povo brasileiro. Naquela oportunidade, ouvi alguns Deputados e Senadores dizerem que expandir a fronteira agrícola era a única saída para o crescimento da agricultura, para salvarmos o desenvolvimento de nosso País. Ora, Sr. Presidente, já devastamos a maior parte da Mata Atlântica, que hoje se restringe a 8%. Argumentar que a salvação da lavoura está no aumento do corte raso na Mata Atlântica é, no mínimo, subestimar a nossa inteligência.  

Sobrevoando a Bahia, vi aquelas bonitas ilhas de Mata Atlântica. Dava-me dor no coração verificar que havia muitas áreas completamente carecas, como costumamos dizer na Amazônia. E a parte com cobertura vegetal era um verdadeiro espetáculo. Aquelas pequenas ilhas de floresta nativa não devem ser derrubadas, não podem significar a expansão e a redenção da economia do Estado da Bahia. Ao contrário, a redenção e a expansão da economia dos Estados da Bahia, São Paulo e, Minas, está em investirmos nas áreas devastadas, mas usando tecnologia e qualidade, para obtermos um maior resultado, sem precisarmos pressionar mais as nossas florestas.  

A Assessoria do Senado trouxe-me a resposta que pedi: o nome do Deputado que corajosamente votou contra a proposta do Deputado Moacir Michelleto é Jorge Costa, do PMDB do Pará. Não quero satanizar os colegas que concordaram com aquela proposta, até porque o próprio Deputado Moacir Micheletto, no debate que travamos na

TV Senado , concordou em que preferia deixar como estávamos advogando: manter 80% na Amazônia e 50% no cerrado amazônico, até que se faça o zoneamento ecológico-econômico.  

Se essa compreensão já estivesse posta antes de criada toda a confusão, hoje eu não estaria fazendo este discurso, talvez essa pesquisa não tivesse sido feita. No entanto, Deus escreve certo por linhas tortas, e tenho certeza de que tudo isso aconteceu, para que os políticos, principalmente os do Congresso Nacional, passem a ter uma melhor sintonia com o que está sendo produzido em termos de ciência.  

A ciência diz que é possível ampliar nossa capacidade de produção bovina sem derrubar florestas; se for o caso, dobrá-la, na Amazônia. Também afirma que a Amazônia não é toda fértil, isto é, existe uma maior quantidade de terras ácidas e uma grande quantidade de terras que são úmidas, não propícias à agricultura e à pastagem. Hoje, está provado que os pastos reformados têm maior rentabilidade que os pastos feitos pelo processo de derrubada ou queimada da floresta. Isso é um fato, e alguns pecuaristas até estão apostando nesse novo modelo, nessa nova forma de agir e pensar.  

Quando vejo pessoas dizerem que os ambientalistas e os ecologistas são atrasados, fico pensando que, se essas pessoas lessem um pouquinho mais e verificassem o que está acontecendo na vida real com alguns programas de desenvolvimento sustentável na Amazônia e em algumas regiões de nosso País, não nos colocariam essa pecha. Pelo contrário, fariam uma crítica do modelo implementado, que há 20 anos vem sendo levado a cabo e não tem dado as respostas econômicas, sociais, ambientais e assim por diante.  

Penso que alguns setores a estão fazendo, porque o empresário de visão não quer derrubar a floresta por derrubar: quer que seu empreendimento tenha retorno econômico. Ele não visa apenas ao lucro: deseja que seu empreendimento tenha retorno econômico e social, cumprindo a função social que uma propriedade deve ter, seja pública ou privada. Cada propriedade deve cumprir essa função social de dar respostas em termos econômicos.  

De sorte que fico feliz com os dados que aqui foram apresentados e por saber que boa parte dos segmentos sociais que estão em sintonia com o novo paradigma de desenvolvimento para o nosso País o estão também, de certa forma, com o que pensa e deseja a sociedade brasileira: um desenvolvimento que não leve à destruição das nossas florestas. Aliás, na Amazônia, já há 12% de área com corte raso e 27% com ação antrópica, ao passo que, nas demais regiões, no caso da Mata Atlântica, há apenas 8%, que deverão ser necessariamente preservados, para que não causemos um dano ambiental imperdoável e irreparável no decorrer do tempo, com prejuízos muito grandes para as gerações futuras.  

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SENADORA MARINA SILVA EM SEU DISCURSO.  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2000 - Página 11016