Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O EMPREGO PRECOCE DAS CRIANÇAS BRASILEIRAS NO MERCADO DE TRABALHO. PARABENIZANDO O GOVERNADOR CRISTOVAM BUARQUE PELA ENTREGA DE BOLSAS DE ESTUDO PARA AS FAMILIAS DE BAIXA RENDA NO PARANOA-DF. ENCAMINHAMENTO A MESA DE PROJETO DE RESOLUÇÃO DISPONDO SOBRE A QUESTÃO DO PROJETO SIVAM.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).:
  • PREOCUPAÇÃO COM O EMPREGO PRECOCE DAS CRIANÇAS BRASILEIRAS NO MERCADO DE TRABALHO. PARABENIZANDO O GOVERNADOR CRISTOVAM BUARQUE PELA ENTREGA DE BOLSAS DE ESTUDO PARA AS FAMILIAS DE BAIXA RENDA NO PARANOA-DF. ENCAMINHAMENTO A MESA DE PROJETO DE RESOLUÇÃO DISPONDO SOBRE A QUESTÃO DO PROJETO SIVAM.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1995 - Página 6131
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
Indexação
  • GRAVIDADE, TRABALHO, INFANCIA, BRASIL, SUBEMPREGO, CRIME ORGANIZADO, ZONA URBANA, TRABALHO RURAL, ZONA RURAL, PREJUIZO, ESCOLARIDADE, SAUDE.
  • REGISTRO, INICIO, DISTRITO FEDERAL (DF), PROGRAMA, AUXILIO, FAMILIA, BAIXA RENDA, VINCULAÇÃO, PERMANENCIA, FILHO, ESCOLA PUBLICA.
  • REGISTRO, EXPERIENCIA, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROGRAMA, RENDA MINIMA, EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, PESQUISA, TRABALHO, CRIANÇA, MUNICIPIO, FRANCA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, EDUCAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, LIMITE DE IDADE.
  • INFORMAÇÃO, NUMERO, ASSINATURA, SENADOR, PROJETO DE RESOLUÇÃO, REVOGAÇÃO, RESOLUÇÃO, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), QUESTIONAMENTO, ESCOLHA, EMPRESA, GESTÃO, FORNECIMENTO, EQUIPAMENTOS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Teotonio Vilela Filho, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de tratar hoje de um tema de extraordinária relevância no Brasil, qual seja, o das crianças que precocemente estão trabalhando, estão deixando de ir à escola para realizar as mais diversas tarefas: ora vendem doces nas esquinas; ora distribuem panfletos nos cruzamentos das ruas de várias cidades brasileiras; ora trabalham como engraxates, ora trabalham em roças de cana, em colheitas de café; empregam-se em qualquer tipo de atividade, nas culturas de feijão, arroz, tomate, uva; enfim, trabalham para ajudar seus pais. E, infelizmente, muitos estão trabalhando em atividades marginais, junto a quadrilhas de narcotraficantes e outras funções correlatas.

A maior parte dos trabalhos é extremamente digna, mas ocasiona um problema extremamente sério, porque muitas vezes as crianças trabalham desde os 6, 7, 8, 9, 12 ou 13 anos, antes mesmo da idade legal de 14 anos, estabelecida por legislação brasileira para se começar a trabalhar. E o fazem porque seus pais não têm renda suficiente para garantir a sobrevivência dos filhos que, em vista disso, procuram melhorar a renda familiar; muitos nem sequer começam os estudos; se chegam a ingressar nas escolas, normalmente estudam bem menos e têm índice de repetência muito alto, deixando a escola precocemente em vista de inúmeras dificuldades durante sua vida para conseguir trabalho mais qualificado e com boa remuneração.

O resultado disso, Sr. Presidente, é que muitas das crianças que trabalham desde cedo têm sua saúde afetada por condições de trabalho não tão adequadas, e também porque não conseguem o aprendizado das letras, da matemática e de outras coisas importantes. Depois, ao chegarem à vida adulta, as profissões que conseguem ter muitas vezes não são as de boa remuneração, as que irão permitir, uma vez casados e tendo as suas próprias famílias, sustentar os seus filhos. E novamente se repete aquele ciclo ocorrido durante a sua infância. Temos aí o círculo vicioso da pobreza em função dessa problemática.

Mas hoje, no Brasil, algumas iniciativas acontecem no sentido de quebrar o círculo vicioso da pobreza. Ainda hoje de manhã, o Governador Cristóvam Buarque, aqui, no Distrito Federal, na Cidade de Paranoá, fez a entrega simbólica da primeira bolsa de estudos para uma senhora que tem filhos. Agora, em função do Programa de Bolsa Escolar, haverá garantias a cada família, cuja renda per capita for menor do que meio salário mínimo, desde que os filhos estejam frequentando a escola; um salário mínimo mensal que, a partir de maio, passará para R$ 100,00.

Experiência semelhante está ocorrendo na Cidade de Campinas. Ali, todas as famílias cuja renda per capita for inferior à metade do salário mínimo de abril, que é R$ 35,00, passam a ter o direito a um complemento de renda, até que esta família tenha, no seu todo, uma renda suficiente para completar R$ 35,00 per capita; a partir de maio - R$ 50,00 per capita.

Então, neste mês de abril de 1995, uma família, digamos de quatro pessoas, com uma renda de R$ 70,00, com um salário mínimo, não tendo a possibilidade de possuir outra forma de rendimento, se ela tiver quatro pessoas: marido, mulher e dois filhos e desde que comprovado que os dois filhos estejam freqüentando a escola, estando eles na faixa de 7 a 14 anos, então, essa família tem direito a receber o complemento para inteirar R$ 35,00 per capita. No caso deste exemplo, mais R$ 70,00 até atingir R$ 140,00.

Em Campinas, 210 famílias aproximadamente já estão escritas no programa. É a intenção do Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira de aumentar este número para cerca de 3.000, até o final de 1995, enquanto que aqui, no Paranoá, a experiência nesta cidade, que vai se estender pela demais cidades do Distrito Federal, já se inicia com 1.600 famílias inscritas, as quais, em 15 de maio, receberão um salário mínimo cada, com a exigência de que os seus filhos de 7 a 14 anos devam freqüentar a escola.

Mas, relacionado a esse tema, gostaria de comentar uma pesquisa de extraordinária relevância, denominada "Crianças que estudam e trabalham na Cidade de Franca", realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados e do Vestuário de Franca e região, pela Central Única dos Trabalhadores, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, com o apoio da UNICEF, da OIT-IPEC. A pesquisa é datada de julho de 1994, de responsabilidade do Presidente Rúbens Aparecido Fracirolli, do sindicato citado; da CUT, Vicente Paulo da Silva e do Diretor Técnico do DIEESE, Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça.

Os principais fatos levantados nesta pesquisa são que naquela cidade "as crianças trabalham muito antes da idade permitida por lei. A maioria está defasada na relação idade/série cursada. A metade das crianças já repetiu de ano pelo menos uma vez. Quase todos têm pai e mãe, em mais de 70% dos casos, os dois trabalham. Mais da metade das famílias de Franca têm renda superior a quatro salários mínimo, enquanto no Brasil a maioria tem renda até dois salários mínimo.

Das 1.561 crianças entrevistadas - aqui ressalto, foram 1.561 crianças entrevistadas, apenas, na Cidade de Franca -, 73% estão na produção de calçados ou nas bancas. A indústria de calçados de Franca é moderna, competitiva e exportadora. Um terço das crianças trabalha seis horas diárias ou mais. Mais da metade recebe até meio salário mínimo por mês e 12% não tem salário. Um terço das crianças gasta seu salário como quer; quase a metade da parte ou todo o salário em casa e 23% não receberam até hoje. Das 1.561 crianças entrevistadas, apenas nove têm carteira assinada. Apenas quarenta e seis crianças fizeram cursos para exercer seu trabalho. As demais, aprenderam no próprio serviço. A maioria não atribui seus males, como as doenças, ao trabalho que fazem. E 94% das crianças afirmaram gostar de trabalhar."

Esta pesquisa representa um estudo de caso muito importante e que, embora realizado para uma cidade, tem uma validade universal ou, pelo menos, para todo o Brasil. Porque, os problemas detectados nesta pesquisa realizada numa cidade da região desenvolvida de São Paulo, a região considerada como perto da Califórnia brasileira - Franca está a cerca de 100km da Cidade de Ribeirão Preto, considerada o centro da Califórnia brasileira.

Então, trata-se de uma cidade com uma razoável infra-estrutura, localizada na região nordeste do Estado de São Paulo, a 400 km da Capital. É a cidade-pólo de uma região administrativa composta por vinte e três municípios.

No início do século XIX, a principal atividade econômica era a criação de gado, substituída, já nos novecentos, pela produção de café que se encerrou com a crise de 1929. A partir daí, começa a industrialização da região.

Franca é hoje uma cidade industrial, a maior produtora de calçados do País e tem à sua volta importante atividade agrícola. Ela guarda relação de semelhança, no que diz respeito aos seus aspectos produtivos, com a região do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Possui uma população de 253.295 habitantes, sendo que apenas 2% moram na zona rural. Um terço da população trabalha no setor primário, embora vivendo na cidade. Praticamente a metade de sua População Economicamente Ativa, aqueles que estão no mercado de trabalho, ocupados ou desempregados, trabalha na indústria. O setor terciário emprega 18% dos trabalhadores.

A cidade tem boa infra-estrutura urbana, com eficientes redes de água, esgoto, energia e coleta de lixo; com 85% das moradias consideradas de médias a boas - segundo a pesquisa da Secretaria de Higiene de Franca, de 1991.

A Rede Oficial de Ensino de 1º e 2º Graus é desenvolvida pelo Governo Estadual, tendo o Governo Municipal sob sua responsabilidade a Pré-Escola e o Ensino Supletivo de 1º e 2º Graus. De acordo com a Delegacia de Ensino da cidade, a demanda e oferta equilibram-se, embora haja má distribuição de vagas: alguns bairros muito populosos ficam com escolas congestionadas, enquanto em outros bairros sobram vagas. Não se trata, portanto, de um problema de falta de escolas; ali há escolas.

É importante ressaltar inclusive que pesquisa divulgada nesta semana pela UNICEF mostrou que quatro cidades brasileiras não apresentam mais analfabetismo, e grande parte da solução do problema deveu-se ao fato de que foi instituído convênio com a prefeitura para o transporte de crianças da zona rural para a cidade ou para as suas escolas.

Mas no caso da cidade de Franca, além da rede escolar oficial, são poucas as oportunidades de desenvolvimento integral para crianças e adolescentes. O que se tem é o SESI, que atende preferencialmente aos industriários e suas famílias, ainda que tenha uma clientela proveniente da comunidade.

A renda familiar de Franca está, para a metade da população, acima dos quatro salários mínimos, enquanto cerca de 30% das famílias brasileiras têm renda de até meio salário mínimo.

A principal atividade é a indústria de calçados, que se firmou definitivamente a partir da década de 50 naquela região. Nas bancas de pesponto realiza-se a etapa de produção de calçados. Antigamente, as bancas ficavam no setor de pesponto das empresas. Hoje, estão quase todas terceirizadas. O trabalho feito nas bancas, em parte manual e em parte mecanizado, limita-se a preparar as etapas seguintes da produção.

A principal característica das bancas é a clandestinidade de boa parte delas. Sessenta por cento - acredita-se - são clandestinas, o que faz com que as condições de trabalho e salários sejam muito inferiores às predominantes nas sedes da indústria.

Uma outra especificidade da indústria de calçados é justamente o emprego do trabalho de crianças nas bancas. Segundo o Sindicato de Calçados da cidade, é possível afirmar que vem aumentando a utilização da mão-de-obra infantil com a terceirização crescente dos últimos anos, embora não haja um levantamento quantitativo de todas as crianças sapateiras.

De acordo com dados recentes publicados em revistas especializadas, o setor de calçados faturou US$ 7 bilhões em 1993 e as exportações cresceram em 32% no mesmo ano. Em 1994 e particularmente em 1995, assistimos a uma grave crise no setor, em função da situação cambial e do desestímulo às exportações. Há também uma diminuição da produção graças à grande competição oriunda da importação de calçados, do ingresso de calçados com valores extremamente baixos; há indícios de subfaturamento no ingresso desses. Há que se examinar esse problema que tem levado ao fechamento de grande número de indústrias em Franca.

Quais são as crianças que trabalham?

A pesquisa realizada sobre as crianças que estudam e trabalham, em 1993, constatou que 44% eram meninas e 56% eram meninos. É preciso ressaltar que o trabalho no Brasil é proibido até os 14 anos, com exceção de aprendizado em condições bem determinadas e somente para aqueles que já têm de 12 ou 13 anos.

Nesse estudo, foram pesquisadas crianças de sete a treze anos que estudam e trabalham, exatamente porque, por lei, não deveriam estar trabalhando. E ainda mais: embora se saiba que menores de 7 anos de idade também trabalham, esse grupo está fora da amostra, por não preencherem os requisitos de estarem na escola.

Em termos de distribuição por faixa etária, vê-se que praticamente metade das crianças têm de 12 a 13 anos, ou seja, por lei, já poderiam, por lei, iniciar o aprendizado para o trabalho. No entanto, o tipo e as condições de trabalho dessas crianças está muito longe daquelas de um aprendiz legal.

É tão relevante o que foi levantado na cidade de Franca, que solicito a transcrição total dos resultados dessa pesquisa, como parte de meu pronunciamento.

Ressalto que no capítulo "Conseqüências Imediatas do Trabalho - Aprendizado, Saúde e Desempenho Escolar", concluiu-se que, no que diz respeito ao aprendizado de uma profissão, pelo menos para a grande maioria das crianças, ou seja, os que trabalham na produção de calçados, o trabalho não parece trazer qualquer ganho relevante. Quase ninguém fez curso especial; assim, a quase totalidade aprendeu o ofício no próprio serviço. No entanto, aprendeu uma atividade tão pouco qualificada que até crianças de sete anos aprendem sozinhas, apenas observando o trabalho de outros.

Outro fato que tem conseqüência importante na vida das crianças é sua exposição a condições de trabalho insalubres, que podem trazer sérios danos ao desenvolvimento sadio.

O trabalho de adultos no ramo de calçados oferece riscos conhecidos e provocam doenças profissionais graves. O contato diário com cola de sapateiro, solventes orgânicos...

O SR. PRESIDENTE (Teotônio Vilela Filho) - Senador Eduardo Suplicy, o tempo de V. Exª lamentavelmente está esgotado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Concluo, Sr. Presidente, solicitando que seja transcrito, na íntegra, este trabalho de pesquisa tão relevante. Ressalto que as sugestões de ações a serem adotadas pelo Poder Público podem ser efetivadas justamente mediante a implantação do Programa de Garantia de Renda Mínima, já aprovado pelo Senado Federal, tramitando na Câmara dos Deputados. Ainda há diversas recomendações a respeito.

Em Campinas, no Distrito Federal, na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, na Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, em diversas assembléias legislativas e câmaras municipais já se cogita adotar medidas que instituam o Programa de Garantia de Renda Mínima, que poderia estar vinculado à freqüência das crianças na escola.

O Governador Cristóvam Buarque inicia essa experiência em tempo hábil. Esse exemplo deve ser olhado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. O alerta colocado pelo Ministro Sérgio Motta de que falta vontade de agir em relação à resolução dos problemas sociais está aí para que todos possam ouvir. É perfeitamente possível começar a agir com maior determinação.

Sr. Presidente, informo que o projeto de resolução que revoga as resoluções relativas ao Projeto SIVAM já contém vinte assinaturas. São muitos os Senadores preocupados - foi objeto de informação por parte da imprensa, do Senador Jader Barbalho e do Deputado Arlindo Chinaglia - com a escolha da empresa que vai gerenciar e fornecer equipamentos para a implementação do Projeto SIVAM, que suscitou discussões. E justamente para que todos esses problemas sejam sanados e não haja qualquer dúvida é que apresentamos esse projeto de resolução, que hoje será apresentado oficialmente à Mesa. Gostaria de citar que Senadores do PPR, do PMDB, do PDT, do PP, do Partido dos Trabalhadores, enfim, um grande número de Parlamentares de vários Partidos - vinte até o presente momento - já o assinaram, convidando o Senado Federal a melhor refletir sobre o tema.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1995 - Página 6131