Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A SAUDE DA MULHER EM VIRTUDE DA PROXIMIDADE DO DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 28 DE MAIO, DO DIA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A SAUDE DA MULHER EM VIRTUDE DA PROXIMIDADE DO DIA INTERNACIONAL DE AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO TRANSCURSO, NO ULTIMO DIA 28 DE MAIO, DO DIA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2000 - Página 11039
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE, MULHER, DIA NACIONAL, REDUÇÃO, MORTE, MÃE, PARTO, AVALIAÇÃO, PROGRAMA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), SETOR, REGISTRO, COMPROMISSO, BRASIL, CONFERENCIA INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), MINISTERIO DA SAUDE (MS), MORTE, MULHER, PARTO, GRAVIDEZ, NECESSIDADE, URGENCIA, PREVENÇÃO, AMBITO, SAUDE PUBLICA, ASSISTENCIA SOCIAL.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE, MULHER, BAIXA RENDA, REGISTRO, PROGRAMA, GOVERNO, COMBATE, CANCER, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SEXO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ESCLARECIMENTOS, ADOLESCENTE, GRAVIDEZ.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, entre tantos temas que são diuturnamente debatidos por nós, nos mais diversos fóruns de discussão, há alguns que nos tocam em particular e nos provocam uma motivação singular. Desses, destaco um, sobre o qual centrarei algumas considerações, para as quais gostaria de ver voltada a atenção desta Casa. Trata-se da questão da saúde da mulher. Faço-o hoje, movido não apenas pelo ensejo de duas datas alusivas ao tema, mas porque, sendo médico, assumi, em minha jornada de homem público, integral compromisso com as matérias concernentes à saúde e à manutenção da vida.  

Além do mais, tenho a clara percepção de que o atendimento à saúde da mulher, longe de constituir uma política de privilégio, é uma política afirmativa dos direitos humanos e, em particular, do direito de cada mulher, de cada cidadã brasileira ter assegurado o acesso aos benefícios e procedimentos de saúde.  

A oportunidade de que falava eu e que suscita meu pronunciamento de hoje está ligada à proximidade do Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher e do Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, este último instituído em Portaria Ministerial de 1994, a ser comemorado em todo 28 de maio. Segundo a referida Portaria, nessa data devem ser realizadas avaliações, em todos os níveis do Sistema Único de Saúde, dos programas voltados para a saúde da mulher.  

É preciso lembrar, nesse particular, que o Governo brasileiro tem sido signatário de vários acordos e resoluções internacionais comprometidas com a redução da mortalidade materna e infantil, tais como a Conferência sobre Maternidade sem Risco, em 1987, no Kenya; a XXIII Conferência Sanitária, em 1990, na qual os Governos da Região das Américas firmaram compromisso para reduzir, nos 10 anos seguintes, a mortalidade materna em, no mínimo, 50%; além da adesão à Cúpula Mundial em favor da Criança, subscrita pelo Governo brasileiro em 1991, que também se firmou a favor da redução da mortalidade de mães e crianças.  

Essa preocupação internacional tem inteiro cabimento, Senhor Presidente. A Organização Mundial de Saúde, a OMS, estima que aproximadamente 500 mil mulheres morrem a cada ano, em todo o mundo, por complicações ligadas à gravidez, parto e pós-parto. Dessas, 99% ocorrem em países em desenvolvimento.  

No Brasil, calcula-se que ocorrem todos os anos 5 mil mortes de mulheres no ciclo grávido-puerperal. Esse número, entretanto, deve ser bem maior, porque a captação de dados é cercada de problemas variados. É fato conhecido o sub-registro ou a subnotificação de mortes maternas, prática que se agrava à medida que se investigam as regiões mais pobres, justamente aquelas onde essas mortes mais acontecem. Encontramos desde a morte sem assistência médica, o sepultamento em cemitérios clandestinos, a alta mortalidade infantil em algumas regiões do País, até o preenchimento incorreto dos atestados de óbito e dos prontuários médicos. Todos esses fatores trazem a suspeita de que os números disponíveis sobre mortalidade infantil sejam duas ou três vezes menores do que os índices reais.  

Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada duas horas morre uma mulher brasileira devido a complicações na gravidez, parto e pós-parto. Nosso índice de mortalidade materna é de 141 mortes para cada 100 mil bebês nascidos vivos. Quanto mais pobre a região, mais elevado se torna o número de mães que morrem. No Norte, esse número encosta no teto de 300 mortes em cada grupo de 100 mil nascidos vivos.  

A tragédia arrasta atrás de si um drama amargo, qual seja, o de milhares de crianças, espalhadas por este imenso Brasil, órfãs de mãe. Órfãs, porque suas mães morreram em decorrência da gravidez, do parto ou do pós-parto. São números dignos de causar vergonha ao mais insensível dos homens. Simplesmente, nossa taxa de mortalidade materna é 35 vezes maior do que a dos países industrializados.  

A vergonha maior, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, talvez esteja em outra constatação: 98% de todas as mortes maternas são inteiramente evitáveis. Se essas mulheres tivessem vivido com o mínimo necessário para terem uma condição de vida digna e se tivessem recebido atendimento de saúde com qualidade no período pré-natal, seguido de bom atendimento público no parto e no pós-parto, estariam todas aí bem vivas, cuidando de seus filhos bem nascidos.  

Como se deve entender mais precisamente a mortalidade materna? A Organização Mundial de Saúde (OMS) a define como " a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente de duração ou localização da gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não decorrentes de causas acidentais ou incidentais ." 

Ainda segundo a OMS, " a morte de uma mulher nesse período é um desastre – é um acontecimento desnecessário e uma perda que acarreta uma carga enorme de tristeza e dor. Há uma sensação de crueldade nessas mortes: elas não deveriam ocorrer, a mulher não estava doente... e, mesmo assim, ela morre!. " 

Entre as principais causas de morte materna, a OMS relaciona a falta de assistência médica, dificuldade de acesso a métodos contraceptivos, abortos clandestinos, desnutrição, baixa condição de vida e péssima saúde geral.  

Quando morre uma mulher, uma mãe, de causa ligada à maternidade, deveríamos nos lembrar de que há um longo fio de carências que veio conduzindo a essa morte. Falta de alimentação, falta de condições higiênicas, falta de assistência médica, falta de atendimento pré-natal, falta de informação, numa seqüência de privações quase interminável. Pode ser que para essas mulheres só tenha havido um excedente: o excesso de trabalho.  

Devemos considerar, por outro lado, que a ocorrência das mortes maternas representa apenas a ponta de um grande iceberg, que deixa à mostra apenas sua face mais perversa. O que está oculta é a grave situação geral da saúde da mulher. Falo particularmente daquelas mulheres que pertencem às classes sociais mais baixas, possuem pouca ou nenhuma escolaridade, estão desprovidas de informação e não têm acesso a serviços de saúde de qualidade. Estão prisioneiras da precariedade generalizada dos lugares em que vivem, nos rincões mais afastados do País, onde o sistema de saúde jamais chega.  

Mas há outras faces da realidade da saúde da mulher brasileira que também merecem nossa preocupação: os cânceres ginecológico e de mama. O primeiro representa mais de 43% do total de casos de neoplasias malignas entre mulheres. Estimativas dão conta de que o número de óbitos por câncer de colo do útero, no ano passado, estava por volta de 6.900. O número de casos novos já está ultrapassando o patamar de 20 mil. Novamente, estamos diante de dados subestimados. O próprio Instituto Nacional do Câncer, o INCA, alerta sobre a natureza presuntiva de tais estimativas. Esse fato é grave, Sr. Presidente, se considerarmos que as neoplasias ocupam a terceira posição na lista de causa mortis , e matam 15% das mulheres brasileiras.  

Foi constatado que a incidência de câncer de colo do útero tem aumentado nos países pobres. Resultado do precário estado da saúde pública, nossas regiões mais pobres têm sido as mais afetadas pela doença. Quer dizer, as mulheres mais pobres continuam sendo as maiores vítimas das neoplasias.  

Tendo em vista o quadro epidemiológico vigente, e as resoluções da Conferência Mundial das Mulheres ocorrida na China, em 1995, o INCA desenvolveu, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, um programa de rastreamento do câncer uterino, conhecido como Programa Viva Mulher. Até o final de 1997, o Programa havia atendido 40 mil mulheres na faixa etária de 35 a 49 anos. Infelizmente, o Programa teve abrangência limitada a apenas cinco regiões metropolitanas.  

Consciente de que o melhor remédio para essa forma de câncer é a prevenção, o Ministério da Saúde lançou, em 1998, o Programa Nacional de Prevenção do Câncer Uterino, desta feita em todo o território nacional, com a meta de realizar exames preventivos em quatro milhões de mulheres, na faixa etária de 35 a 49 anos. Devemos frisar a necessidade de tais programas serem permanentes, uma vez que a prevenção deve ser anual. Seria ainda desejável que o universo de mulheres atendidas fosse ampliado para faixas etárias inferiores, uma vez que mulheres com menos de 35 anos, em plena atividade sexual, estão também sujeitas a contrair o câncer uterino.  

Para enfrentar o câncer de mama no Brasil, o INCA criou um grupo de trabalho, que definiu as estratégias adequadas para o enfrentamento dessa neoplasia. Essas estratégias visam a orientação de 500 mil mulheres e a capacitação de 100 mil profissionais de saúde. No quadriênio 1994 a 1997, foram realizados, no SUS, mais de 2 milhões e meio de mamografias.  

Outro pólo de preocupação está nas Doenças Sexualmente Transmissíveis e na AIDS. Em 1995, foram registrados 4.119 casos de infeção pelo HIV em mulheres. Tem-se observado um aumento dessa infecção na população feminina, que chegou à relação de uma mulher para cada três homens doentes. O Ministério da Saúde, no tocante a esse aspecto, estabeleceu como metas: proteger e tratar gestantes portadoras do vírus HIV para evitar a transmissão aos seus bebês; reduzir a incidência de sífilis congênita; e capacitar profissionais para prevenir e controlar as DSTs e a AIDS.  

Há outro aspecto da saúde da mulher, Senhor Presidente, que deve merecer nossa particular atenção. Sobre ele, inclusive, têm se manifestado, nesta Casa, diversos parlamentares. Trata-se da gravidez na adolescência, fato deveras preocupante. Segundo dados do IBGE e da OMS, cerca de 1 milhão de adolescentes, entre 12 e 19 anos, tornam-se mães a cada ano. Esse número é reconhecidamente assustador. O paradoxal de tudo isso é que a taxa de fecundidade no País está em declínio, apresentando redução em todas as faixas etárias, exceto entre 15 e 19 anos.  

Sabemos que a gravidez precoce está associada a repercussões psicossociais negativas na vida do jovem e de sua prole. Para se ter uma idéia da gravidade da situação, foram realizados, em 1996, mais de 707 mil partos na faixa etária de 10 a 15 anos, e mais de 53 mil abortos. É uma realidade que demanda estratégias intersetoriais, envolvendo principalmente os setores de saúde e educação. O Ministério da Saúde tem um programa específico para tratar da Saúde do Adolescente, o PROSAD, que estabelece as diretrizes políticas e as estratégias nacionais visando a promoção e a proteção da saúde de adolescente.

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, as mulheres representam 50,7% da população brasileira. Constituem 49,8% do eleitorado. Totalizam 40,1% da população economicamente ativa. São números expressivos, certamente.  

Mas muito mais expressivo é o reconhecimento que devemos ter acerca dos direitos das mulheres à saúde. Esse sempre será o primeiro passo. Mas não o único. Reconhecer tais direitos é usar nossa voz para sensibilizar corações e mentes. É empunhar a representatividade de nossos mandatos como bandeira de convencimento. É desembainhar nossas armas para lutarmos por ações mais efetivas de todas as instâncias de governo em favor de ações efetivas e eficazes. Tudo em prol do atendimento à saúde integral de todas as mulheres brasileiras.  

Assim fazendo, estaremos reafirmando, ao fim e ao cabo, nosso compromisso diante da perpetuação da vida!  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2000 - Página 11039