Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A INFLUENCIA DA PROGRAMAÇÃO DAS EMISSORAS DE TELEVISÃO NO COMPORTAMENTO DAS CRIANÇAS.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE A INFLUENCIA DA PROGRAMAÇÃO DAS EMISSORAS DE TELEVISÃO NO COMPORTAMENTO DAS CRIANÇAS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2000 - Página 11262
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, INFLUENCIA, PROGRAMAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, COMPORTAMENTO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • CRITICA, PROGRAMAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, PAIS, INCENTIVO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, VIOLENCIA, SEXUALIDADE, EXCESSO, CONSUMO, DEFESA, IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FAMILIA, IGREJA.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, o tema que hoje me traz à tribuna é um dos mais esquecidos e desconsiderados, embora a todo instante lembrado pelas famílias brasileiras: é o da relação da televisão brasileira com a criança, relação que necessita de uma meditação permanente e de uma vigilância constante.  

Fico ouvindo, com muito prazer, os discursos das nossas estimadas Senadoras do PT, que, com vigor, combatem todas essas questões ligadas à pobreza e injustiça social, às vezes resvalando um pouco pela idéia de que têm o monopólio dessas teses ou o monopólio que o PT gosta tanto de ostentar, da dignidade, da melhor posição social. E, como sou contra os monopólios, tenho certa tendência a ficar contra esse aspecto, não quanto ao conteúdo da fala. Eu gostaria de convocar essas pessoas também para considerarem aspectos que estão fora do âmbito da oposição ao Governo e que estão diretamente no âmbito das relações intra-sociais, porque é aí, nas relações intra-sociais, que se dá a maior postura retardatária, reacionária da vida brasileira. Na sua relação com a sociedade, as instituições vão passando valores, idéias, conceitos. Em outras palavras, trata-se de uma relação de natureza ideológica entre o sistema produtor, que comanda o processo produtivo, e a sociedade. É aí que se estabelece, a meu juízo, uma das grandes lacunas da sociedade brasileira. Ora, é patente que, hoje, os meios de comunicação correm paralelos a três instituições que antes se encarregavam da formação infantil.  

Na sociedade clássica, as crianças eram formadas pela tríade: família, escola e igreja. Na sociedade de massas, apresentou-se um quarto elemento, com uma "vantagem" em relação às demais: a família é restritiva; a escola é disciplinadora; e a igreja é, quantas vezes, repressora; já a comunicação vem encapada na ludicidade. Ela opera pela lógica do prazer da audiência. Ela não opera pela restrição ou por desenvolver a razão, o raciocínio, o pensamento, aquilo que só vem com o estudo – e o estudo sofrido, em cima do caderno, meditando, fazendo, criando. Não! Ela opera com signos altamente agradáveis na sua aparência e belos: desenhos animados, programas agradáveis. No entanto, gradativamente, ela ocupou um espaço crescente, na segunda metade do século XX, junto às outras formas de educação existentes: a família, as igrejas e a escola.  

Na escola, há o ensino organizado, a pedagogia, uma forma organizada de ensinar. Na família, há o esforço de manutenção dos valores implícitos à família. É claro que isso ocorre no caso das crianças que têm família, já que, no quadro da tragédia social brasileira, uma grande parte das crianças sequer tem família. Nas igrejas, há o cumprimento de regras ligadas ao comportamento, regras altamente restritivas de uma série de manifestações, tendo em vista a necessidade de se criar uma sociedade equilibrada, organizada. O meio de comunicação é prazenteiro, agradável, superficial, rápido. Por isso, veio paralelo às formas existentes de educação e enquadrou os seus projetos, que são, no fundo, de natureza ideológica.  

Este é um tema que merece a nossa reflexão, sobretudo porque estamos a viver hoje no Brasil um completo abandono de análise, de preocupação sobre a relação que os meios de comunicação, sobretudo os eletrônicos, têm com a criança. Já houve períodos em que, mais conscientes do seu papel formador, os meios de comunicação obtiveram programas capazes de aliar a ludicidade, o encantamento, a graça, a alegria de um programa a certos conteúdos de caráter formador da criança. Foram os tempos da Vila Sésamo. Uma boa geração de jovens foram formados na televisão ao tempo da Vila Sésamo. Foram os tempos do Sítio do Pica-pau Amarelo, em que a obra de Monteiro Lobato entrou como conteúdo de uma adaptação por televisão que marcou a infância brasileira. Foi o tempo de obras como o Tio Maneco, um programa de iniciação à Ciência, num trabalho feito pelo ator Flávio Migliaccio. Como um remanescente desse tempo, há o Castelo Rá-tim-bum, uma atividade da TV Cultura de São Paulo – um programa premiado internacionalmente.  

O Brasil já teve no seu sistema de televisão tentativas de aproximar a programação infantil de conteúdos indispensáveis à formação da criança, eliminando a idéia da violência, partindo do princípio de que a solidariedade humana é possível, buscando criar estruturas de vivência com a cultura nacional, estabelecendo princípios de formação estética nas crianças, enfim, de conteúdos e – mais que conteúdos – de valores.  

A partir dos últimos dez anos, aproximadamente, desaparecem na televisão essas tentativas, que são substituídas por alguns padrões altamente merecedores de reflexão e de crítica.  

Já não se toma mais, na televisão brasileira, a criança como um embrião de cidadão, como um consumidor em embrião, mas como um consumidor em estado pleno. Tem-se toda uma televisão destinada a formar consumidores e a negar-se a dar qualquer passo na direção de formação da cidadania. A escola continua presente com seus valores, assim como a Igreja e a família – onde existe família –, mas é muito difícil para essas entidades disputar alegria, ludicidade, prazer com os recursos que a comunicação eletrônica traz.  

E a comunicação eletrônica não estacionou na televisão, mas enveredou pelos jogos de computador e pelos chamados game boy , nos quais não só o vernáculo vai de roldão, como também seu conteúdo escapou a toda e qualquer forma de controle da sociedade brasileira. Há jogos em que a vitória consiste no maior número de assassinatos cometidos pela criança, que mobiliza sua atividade psicomotora naquele aparelho de natureza tecnológica.  

A comunicação eletrônica entra pela televisão, formando consumidores precoces, ou entra por outras formas de expansão tecnológica, formando indivíduos despojados de qualquer tipo de sentimento, com temas e padrões nos quais a vida humana perde sentido e valor, porque ela é o objeto da vitória quando se trata de matar virtualmente, um matar que, depois, pode se transformar num matar concretamente.  

Estamos, portanto, diante de um quadro que merece reflexão e que atinge justamente as crianças mais pobres, essas que são lembradas com tanto empenho, com tanta verdade, com tanta sinceridade por diversos discursos nesta Casa. Justamente essas crianças estão desassistidas da presença de uma família que lhes possa orientar, até porque muitas delas não têm família – a família é uma instituição, no Brasil, da classe média para cima. Esse quadro atinge crianças que não têm, no desenvolvimento escolar, a possibilidade da formação de uma estrutura.  

Pode-se dizer: "bem, ao tempo do rádio, as histórias em quadrinhos também pareciam tão ameaçadoras, pareciam fomentadoras da violência; e não se conhece uma geração formada pelas histórias em quadrinhos com a violência das gerações posteriores". Sim, mas àquele tempo também a presença da escola era maior, a presença da instituição familiar era maior, a presença de instituições religiosas, com seu universo, também era mais significativa.  

No tocante à formação de consumidores no lugar de cidadãos, temos um direto descumprimento de normas constitucionais relativas à concessão para uso de serviços públicos. Não se dá concessão a um serviço público, que é a comunicação, para que só o sistema se beneficie, formando atuais e futuros compradores, pessoas que só têm no consumo as formas de mostrar sua alegria de vida. E mais, pessoas que, quando não têm o consumo, são obrigadas a caminhar na linha da cobiça, justamente a linha que as leva tantas vezes ao crime.  

Esses são os valores que estão sendo despejados diariamente em milhões de crianças brasileiras. E é evidente que essa competição se torna absolutamente ganha, de antemão, em relação à escola; porque a escola tem regras de disciplina; a Igreja e os comportamentos religiosos têm regras de disciplina; a família possui regras de disciplina, até mesmo com as crises com que a contemporaneidade convive. Mas os meios de comunicação estão independes disso.  

Pode-se não querer, como não desejo, formas de censura; mas bem que os responsáveis pelos meios de comunicação estão a dever à sociedade brasileira, pelo menos, a intenção de se reunirem para buscar a possibilidade de um acordo na programação infantil. Pois, até aqui, os valores dessa programação infantil estão na linha de que os ídolos são necessariamente figuras dolicocéfalas e loiras, completamente apartadas da realidade étnica brasileira. É preciso ser dolicocéfalo e louro para ser ídolo das crianças, criando, desde logo, um conceito étnico reacionário, porque jamais se viu ali a busca de uma idolatria e em cima, por exemplo, de uma figura mestiça. Figura mestiça essa que, nos auditórios de televisão, sequer aparece nas platéias, que são todas elas compostas, em todos os canais, por figuras exclusivamente brancas, se possível dolicocéfalas e muito melhor se louras.  

Em segundo lugar, os padrões culturais implícitos nas melodias e nas canções hoje misturam-se a padrões adultos, criando o fenômeno complexo da sensualidade precoce, responsável, ela também, por uma série de impactos, por uma série de impasses, tão logo a moça – principalmente a mulher - atinja a fase adolescente. Mais grave no caso dos segmentos pobres da população, porque essa sensualidade precoce é a condutora à prostituição precoce, outra das chagas que infelicita este País.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – V. Exª me permite aparteá-lo?  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ) – Concedo um aparte a V. Exª com prazer.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Cumprimento V. Exª por trazer, com tanta inteligência, uma reflexão sobre a importância da qualidade dos programas de televisão, sobretudo, dos que são assistidos pelas crianças brasileiras, e também pela maneira como V. Exª quer estimular as emissoras de televisão a enfrentarem esse desafio. V. Exª não trata o assunto com a postura de quem queira censurar, proibir. Seu espírito democrático e de defensor da liberdade ressalta que não é esse o seu propósito, o que é muito positivo. V. Exª vem aqui conclamar, estimular a televisão brasileira a buscar propiciar às crianças programas mais interessantes, mais criativos, que não estimulem o desejo do consumo, de serem iguais aos ídolos na televisão – que até podem ter méritos para isso, sejam mulheres ou homens ...

 

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ) – Claro, independente do mérito.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – ... mas que estimulem, sobretudo, o aprendizado dos valores da solidariedade, do amor e não a matar, como meio de competição e de sucesso. V. Exª enfoca muito bem o assunto, mas, a certa altura, V. Exª mencionou que a família é uma instituição da classe média para cima.  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ) – Não, Excelência. Existe no Brasil real. Desculpe, talvez não tenha sido feliz.  

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT – SP) – Permita-me apenas completar, Senador, para que V. Exª possa, até, aprofundar o seu pensamento. Aqui farei menção à cidade de V. Exª, retratada de maneira tão violenta no filme de João Moreira Salles, Memórias de uma Guerra Particular . Não sei se V. Exª teve oportunidade de assisti-lo. Recomendo-o e aviso a todos que nos assistem que a TV Senado , na sexta-feira, às 21h30min., exibirá Memórias de uma Guerra Particular , que traz uma reflexão extraordinária, com cenas da vida real sobre o tema que V. Exª traz hoje, que é a violência, sobretudo nos bairros mais carentes, no morros, nas favelas do Rio de Janeiro, onde a habitação e a renda são tão precárias e sem solução para o problema social. Por que lembrei este filme na hora em que V. Exª mencionou "a família da classe média para cima"? Porque nele, há uma cena notável, em que a Polícia Militar ocupa a favela e prende rapazes de 15, 16 e 17 anos e os leva para cima do morro. Todas as mães, irmãs, namoradas, noivas seguem a polícia morro acima com receio do que ela fará com seu filho, irmão, namorado, noivo, marido, companheiro. É nos bairros mais carentes, nos lugares em que há maior pobreza, que o conceito de família, hoje violentada pela trágica situação social, é mais forte. Em comunidades como essas, há um sentimento de solidariedade que, muitas vezes, não existe nos bairros de classe média e alta. Nas comunidades de classe baixa, o convívio é maior, até pelo espaço que é muito menor. Receba meus cumprimentos, Senador Artur da Távola!  

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade. Fazendo soar a campainha) – Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por dez minutos, para que o orador conclua seu brilhante pronunciamento. (Pausa)  

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por dez minutos.  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ) – Senador Eduardo Suplicy, é possível que, no improviso, a frase que mencionei tenha até saído deslocada do seu devido lugar. Eu não quis dizer que a família brasileira só existe da classe média para cima. O que quis dizer é que a organização da família da classe média para baixo, tendo em vista os apelos de trabalho de pai e mãe, cria uma desestruturação interna que deixa a criança muito mais horas diante da televisão; até, muitas vezes, através de solidariedade formidável, como a que existe nos morros, em que a vizinha, a amiga cuida das crianças cujos pais e mães, chamados pela sobrevivência, são obrigados a deixar a criança aos seus cuidados. Evidentemente, por razões de natureza cultural, social, a desestruturação sempre atinge muito mais os segmentos pobres do que os privilegiados. Foi o que quis dizer quando aquela frase me veio à memória. Possivelmente eu a tenha inserido fora de um contexto que merecesse uma explicação mais detalhada, que V. Ex.ª, em boa hora – digamos assim – ,convoca-me para fazer.  

A Sr.ª Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) – Permite-me V. Ex.ª um aparte, ilustre Senador Artur da Távola?  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB – RJ) – Com muita satisfação, eminente Senadora Heloisa Helena.  

A Sra. Heloisa Helena (Bloco/PT – AL) – Senador Artur da Távola, saúdo V. Ex a pelo pronunciamento. V. Ex a, com tanto brilho, inteligência e uma dedicação incontestável, aborda um tema que, tenho absoluta certeza, mexe com mentes e corações das pessoas que nos ouvem neste momento, especialmente das mulheres, maioria da população e responsáveis diretas pela outra parte da população. Neste momento em especial, entendi a colocação generosa, solidária, do Senador Eduardo Suplicy, mas é evidente que sabemos da existência de milhões de pessoas neste País que não têm mais ligações familiares, ou já se jogaram na marginalidade, nas drogas como último refúgio. A fome, a miséria, o sofrimento dessas estruturas familiares geram um clima de violência doméstica em relação aos filhos, e as crianças vão para as ruas mesmo como última alternativa. Esses fatores levam, como disse V. Exª, a uma completa desestruturação de princípios mínimos, estabelecidos como regras para a vida em comum. A minha grande preocupação – e esse é o apelo que faço a V. Exª até porque durante muito tempo tenho trabalhado essa questão – é a respeito da maneira pela qual podemos operacionalizar, não com uma fórmula mágica, encontrar uma alternativa concreta para minimizar os efeitos provenientes dessa situação. V. Exª diz muito bem que os meios de comunicação devem à sociedade brasileira uma alternativa. Sinceramente, e talvez seja falta de generosidade minha, não acredito que os meios de comunicação, que trabalham com uma sociedade individualista, consumista, portadora de valores incompatíveis com a vida comunitária, possam oferecer uma solução. Então, não acredito que eles possam viabilizar ações de tanta generosidade e de uma formulação para uma vida dita civilizada, mesmo nos padrões do capitalismo e das instituições burguesas. Eu não acredito que isso seja feito. É exatamente por isso que faço uma pergunta a V. Exª: o que podemos fazer em relação a isso? Inclusive, esses meios de comunicação são concessões públicas. Então, como podemos operacionalizar? Quais os mecanismos concretos que podemos viabilizar no sentido de impor? É claro que não existem padrões culturais e religiosos de neutralidade, mas existe aquilo que supomos ser consenso numa sociedade que se pretende civilizada. O que podemos fazer para criar mecanismos que obriguem esses setores a se curvarem ao mínimo, àquilo que é o consenso numa sociedade que se proponha civilizada?  

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB - RJ) – Obrigado, Senadora.  

Vou responder a V. Exª: não creio que haja uma fórmula - nem V. Exª assim o propôs -, mas creio que há algumas que podem ser tentadas. Por exemplo, há, no Congresso, um projeto do Deputado Cunha Bueno, que autoriza a colocação daquele aparelho que permite à família bloquear os canais que não desejam sejam vistos por seus filhos. Creio que este é um projeto que deve ser incentivado. Agora, ainda estamos na linha restritiva, mas é um ponto.  

Há outro assunto, Sr. Presidente, que se refere ao fato da necessidade de o Governo, primeiramente, senão de modo restritivo – isso foi até tentado pelo atual Ministro da Justiça quando era Secretário de Direitos Humanos –, no sentido de chamar os canais de televisão para uma reflexão e uma ação diante desse problema antes de se tomar qualquer atitude restritiva, continuando nessa linha. Essa conduta não seria difícil – bastava obter dos meios de comunicação o seguinte acordo: a competição é mantida, mas, nos horários infantis, cada canal deverá fazer produções próprias de programas infantis que não sejam necessariamente mercadológicos.  

Quando uma emissora investe dinheiro num programa como o "Sítio do Pica-pau Amarelo", outra rede, no mesmo horário, apresenta uma película japonesa de violência, que custa mais barato que aquela produção e acaba levando a audiência. Nessa guerra, a emissora que fazia o "Sítio do Pica-pau Amarelo" acaba desistindo, porque também não há nenhuma oposição a outra que mostrou o filme japonês violento.  

Se houvesse, em produções próprias locais, uma competição nos horários em que os canais se comprometessem a fazer uma programação infantil qualificada, existiria – como hoje se costuma chamar – uma agenda positiva para que a televisão operasse.  

Há outras formas – uma das quais proposta pela Deputada Marta Suplicy – de instrumentalizar sistemas de controle social da atividade, que, a meu juízo, também podem e devem ser incentivadas. São maneiras, vejam V. Exªs, que necessariamente não passam pela censura e que deixam a criatividade, a liberdade dos canais, a possibilidade de fazer. Agora, é regulamentar, de alguma forma, esses aspectos.  

Não podemos realmente pactuar com essa idéia que hoje se infiltrou na vida brasileira e que a comunicação, principalmente a comunicação eletrônica, desenvolve. É muito curioso: hoje em dia, a comunicação eletrônica deprime a Nação pelos noticiários e euforiza pelos comerciais. O mundo dos comerciais é um mundo de pessoas bonitas, é um mundo de situações agradáveis, é um mundo maravilhoso, é um mundo idealizado, com automóveis que voam, liquidificadores que falam, geladeiras cuja marca se confunde com a própria felicidade – "isto não é uma tal, mas é..." -, numa idéia de vincular conceitos e valores a objetos e materiais, tão própria à propaganda.  

Nesse mundo maravilhoso do comercial, cria-se uma atmosfera de idealização, e o mundo dos noticiários deprime diariamente a população, sobretudo em relação a um noticiário que só ressalta os aspectos negativos da vida em sociedade. Isso também é um tema para se pensar.  

Acredito que o meio de comunicação não é apenas um lugar pacífico, mas um lugar de muitas tensões internas, até porque trabalhei neles e conheço bem sua estrutura interna. Dentro de cada meio de comunicação, há muita gente que luta por isso. E há um conflito constante entre os que buscam os valores materiais citados por V. Ex.ª, da sociedade individualista, que só tem funções compradoras ou vendedoras, e os que lutam, profissionais do meio, qualificados, pela introdução, ou intromissão, de valores de vida. O que não se pode é ficar parado diante, sobretudo, ou pelo menos, da televisão infantil, para que as crianças do Brasil não sigam crescendo diante de formas extremamente massificadoras, todas elas homogeneizadas, feitas para agradar e para que o sistema comercialize, fetichizando roupas íntimas das apresentadoras, sutiãs, calcinhas, meias, saias, como se fossem ícones superiores de vida. Em tudo isso há uma carga de valores que merece a nossa meditação.

 

Agradeço ao Sr. Presidente a tolerância e aos Srs. Senadores a atenção.  

 

namÉ ô


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2000 - Página 11262