Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE POSICIONAMENTO DO CONGRESSO NACIONAL SOBRE A POSSIVEL PRIVATIZAÇÃO DA PETROBRAS.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • NECESSIDADE DE POSICIONAMENTO DO CONGRESSO NACIONAL SOBRE A POSSIVEL PRIVATIZAÇÃO DA PETROBRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/2000 - Página 11426
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS, DESTRUIÇÃO, ESTADO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ATIVIDADE, EMPRESA ESTATAL, ESPECIFICAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, INTERESSE, GOVERNO, VENDA, AÇÕES, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ALEGAÇÕES, REDUÇÃO, DEFICIT, SETOR PUBLICO, GARANTIA, ATENDIMENTO, EXIGENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, IMPEDIMENTO, PRIVATIZAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), BANCO DO BRASIL, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF).

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se avalia um governo? Pelas suas obras? Pelo atendimento aos reclamos do povo? Pela melhoria das condições de vida da população? Ou, quem sabe, pelo somatório de todos esses critérios, necessariamente constantes nas plataformas eleitorais e nas promessas de campanha?  

Pelo que se observa na mídia e no discurso oficial dos últimos tempos, parecem ser outros os indicadores de avaliação da performance da Administração Pública, no Brasil. Fala-se pouco, ou quase nada, em qualidade de vida e, contraditoriamente, há quem defenda rígidos controles sobre a demanda da população sobre bens e serviços, em nome da estabilidade da moeda, uma vez que, quanto maior a procura, maior a pressão sobre preços. E, então, prega-se a retração da economia, mesmo que, com isso, aumentem os níveis de desemprego.  

O que mais se ouve, com semblantes de "dever cumprido", é o "cumprimento das metas preconizadas em acordos com organismos internacionais". Não se fez isso ou aquilo em prol da população, mas, "cumpriu-se as metas com o FMI".  

O que ocorre é que, em tempos de globalização, o administrador público deixou de ser governo para se tornar gestor dos interesses do capital, principalmente financeiro, internacional. Quebrados financeiramente, os países têm que recorrer a organismos de financiamento, com os quais assinam contratos com metas preconizadas e pelos quais são monitorados.  

Dois fatos, trazidos a lume nos últimos dias, confirmam essa tese. O primeiro, dando conta da alegação do Ministro da Fazenda quanto a uma proposta de ação formulada por um de seus assessores: "se fizer isso, Wall Street vai reagir mal". Mais enfático, o Chefe da Casa Civil, alertado sobre a severidade de uma outra medida de sua autoria, justificou: "Wall Street quer sangue". O segundo fato foi protagonizado pelo Comandante da Aeronáutica, ao afirmar que 60% dos aviões que compõem a Força Aérea Brasileira encontram-se parados, em processo de deterioração, por falta de peças e de manutenção, porque o FMI estaria dificultando as negociações para captação de recursos financeiros. A Aeronáutica possui 775 aviões, dos quais 449, num possível conflito armado, nem necessitariam ser abatidos no ar, porque um organismo financeiro internacional, defensor primeiro dos interesses das grandes potências, cria empecilhos para que a frota, pelo menos, alce vôo.  

Essa mudança de concepção de gestão pública foi antecedida, ou é concomitante, com o desmonte do Estado nacional. Não é à toa a fragilização das instituições públicas, através da desmoralização do funcionalismo, acuado pela quebra da estabilidade, pela colocação em disponibilidade e pelo congelamento de salários durante os últimos cinco anos, e do esfacelamento das respectivas Consultorias Jurídicas, minando as defesas do Estado contra ações de qualquer ordem. Indefeso e dilapidado, o Estado é presa fácil dos interesses exógenos e os acordos e contratos incluem a privatização como mecanismo prioritário a ser cumprido pelos países devedores.  

O Brasil não foge à regra. O programa de privatizações brasileiro segue à risca o script definido nos sucessivos acordos assinados com o FMI, com o Banco Mundial e com outros organismos financeiros internacionais.  

Uma análise das privatizações no Brasil, por mais superficial que ela seja, permite que se perceba a lógica perversa da destruição do Estado Brasileiro. Pior: cada vez mais esse processo parece se tornar irreversível, porque ele mantém estreita correlação com a dívida pública que, crescente, torna-se justificativa para a continuidade da venda de ativos, tudo em nome do "Estado no lugar certo", "da estabilidade da moeda", "do equilíbrio do déficit público" e das "metas fiscais". Com a dívida pública batendo na casa dos R$ 500 bilhões, já não estão mais a salvo verdadeiros símbolos da nacionalidade brasileira, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. Já não se discute os seus valores enquanto atividade estratégica para a soberania nacional, mas como cifra, para cumprimento de metas fiscais. São privatizadas pelo seu tamanho e não pelo que poderia representar em um possível programa de desenvolvimento nacional ou de uma nova matriz industrial.  

Só que as atividades dessas empresas são, também, estratégicas a nível internacional. E, aí, a Petrobrás é um caso emblemático. Não se vislumbra, a curto prazo, mudanças significativas na matriz energética mundial. E, os Estados Unidos, se consideradas as suas reservas atuais, divididas pelo seu consumo médio, têm petróleo para menos de cinco anos. O Japão, zero. Idem quase toda a Europa. O petróleo do Golfo custa, para o contribuinte consciente americano, cinco vezes o preço de mercado internacional, dados os dispêndios com as manobras militares e as guerras no Golfo.  

Por outro lado, há maior abundância relativa de petróleo nos países do terceiro mundo. Considerada a mesma relação reserva/consumo atual, o México tem produto para seis décadas, a Venezuela idem, o Brasil quase vinte anos, fora as reservas ainda prováveis. Nada mais ilustrativo para justificar as pressões sobre a privatização das empresas de petróleo, nos países do Terceiro Mundo. O México é um bom exemplo. Após a quebra provocada da sua economia, houve um "esforço de ajuda" dos organismos financeiros internacionais e, diretamente, dos Estados Unidos, tendo, como contrapartida ao empréstimo de US$ 50 bilhões, sintomaticamente, a disponibilidade de seu petróleo.  

Mas, aí se contrapõe o pessimismo de um modelo cuja lógica perversa deverá levar, inexoravelmente, à privatização da Petrobrás, com o otimismo que se molda na simbologia da empresa enquanto marco da história da soberania nacional. Trata-se, hoje, de um jogo desigual, mas que, pelo menos, suscita alguma discussão sobre a sua privatização.  

Não se esperava, portanto, que a Petrobrás fosse privatizada de uma só vez, a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional ou da Companhia Vale do Rio Doce. Isso justifica a "privatização pelas bordas", que procura minar as resistências do que ainda resta de patriotismo e de defesa da soberania nacional.  

A privatização da indústria petroquímica foi o primeiro grande passo. Não há exemplo semelhante entre as grandes empresas petrolíferas mundiais: todas elas, públicas e privadas, mantêm o seu segmento petroquímico, numa verticalização lógica, econômica e estratégica da indústria do petróleo. Pois bem, a petroquímica brasileira foi um dos primeiros setores privatizados.  

Algumas outras ações do Governo Federal também indicaram sinais de que a Petrobrás, apesar das negativas do Sr. Presidente da República, inclusive através de correspondência ao Presidente do Senado Federal, vem sendo "preparada" para a privatização. A experiência mostra que, em períodos anteriores à decisão de privatizar e, concretamente, aos leilões, há uma completa revisão da política de preços dos produtos e dos serviços das empresas estatais. Foi assim com o setor siderúrgico, com os sistemas elétrico e de comunicações, e assim por diante. Pois bem, com a Petrobrás vem acontecendo o mesmo processo, à primeira vista positivo para a empresa, mas preocupante se decifradas as suas verdadeiras razões. A Petrobrás recebia, até 1997, R$ 0,08 por litro de gasolina vendido e US$ 8 por barril de petróleo produzido. Hoje, ela recebe R$ 0,63 e US$ 25, respectivamente. Essa mudança veio, exatamente, após a flexibilização do monopólio do petróleo; para muitos, na verdade, movida pela intenção, já naquela época, de privatizar a Petrobrás.  

Ressalte-se, também, a verdadeira doação de áreas de prospecção de petróleo que, após intensas e custosas pesquisas da Petrobrás, foram repassadas para grandes empresas petrolíferas do mundo, muitas delas por valores que não alcançaram o preço de um único automóvel.  

Recentemente, a mídia deu conta de contratos assinados pelo Presidente da Petrobrás com congêneres da Argentina e da Venezuela, a primeira já privatizada e pertencente à espanhola Repsol, a mesma que adquiriu a YPF, a antiga estatal daquele país. Troca-se uma refinaria do porte da Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, por postos de distribuição na Argentina. Fala-se, também, em contratos de instalação de postos nos Estados Unidos e em outros países, através de acordos, no mínimo preocupantes.  

Agora, torna-se público o interesse do Governo brasileiro de vender 31,7% das ações ordinárias, com direito a voto, da Petrobrás. A alegação, óbvia: fazer caixa, para cumprir metas fiscais. Com a venda, o Governo estaria recebendo algo em torno de R$ 8 bilhões e, assim, "diminuiria o déficit público", uma das principais exigências do FMI.  

Aqui, valem as mesmas alegações contrárias às privatizações anteriores: vende-se ativos lucrativos para o pagamento de dívidas que já se tornaram bolas de neve. A Companhia Vale do Rio Doce foi vendida pelo equivalente a uma quinzena dos encargos dessa dívida, pagos no último ano. E o Governo ficou sem uma empresa lucrativa que gerava recursos, inclusive para o pagamento de seus débitos. Como já afirmou um alto executivo de uma multinacional que adquiriu parte do sistema elétrico brasileiro, "é algo difícil de entender porque se vende uma empresa que dá lucro por longo tempo, em troca de um resultado efêmero".  

O mesmo raciocínio vale para o caso da Petrobrás. E, para demonstrá-lo, vale a aritmética mais simples. O Governo alega que, além de receber R$ 8 bilhões, ainda manterá o controle acionário da empresa. Seria, portanto, um bom negócio para o País. Ocorre que, apenas no primeiro trimestre deste ano, a Petrobrás alcançou um lucro de R$ 2,29 bilhões. Mantidas as projeções, é de se esperar que o lucro deste ano possa atingir a casa dos R$ 10 bilhões. Os tais 31,7% das ações ordinárias que se pretende por à venda significam 18,1% das ações totais (preferenciais mais ordinárias). E, aí, a conta primária: 18,1% de um lucro de R$ 10 bilhões equivalem a pouco mais de R$ 1,8 bilhão por ano. Se confirmados os R$ 8 bilhões arrecadados, isso significa que o comprador levaria pouco mais de 4 anos para resgatar o seu investimento e, a partir daí, usufruiria dos lucros crescentes decorrentes do aumento da demanda e da produção de petróleo. Imagine-se o cumprimento das próprias expectativas oficiais de auto-suficiência do produto. Há vozes oficiais que projetam, inclusive, exportação em um prazo nada longo. O que significaria, então, para o Governo, os lucros auferidos na concretização da expectativa oficial? O mesmo que os investidores privados deverão receber, se concretizada a venda. E, mais uma vez, as experiências anteriores são elucidativas. A Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, vem demonstrando lucros anuais que atingem a um terço do valor de sua aquisição. Isto é, em três anos, mantidos, como é de se esperar, os tais lucros, os adquirentes recuperam o que investiram na aquisição da empresa. Um exemplo que ratifica o pasmo do citado executivo da multinacional.

 

Mais do que isso: a venda das tais ações não significaria, apenas, transferência de ativos. Ato contínuo, os novos proprietários deverão indicar diretores e membros do Conselho de Administração da Empresa, podendo perder o Governo a gestão sobre a política de petróleo do País e, consequentemente, abrindo mão do controle sobre a política de preços. E, aí, como o petróleo exerce influência marcante na matriz de custos da economia como um todo, poderia perder, também, o domínio sobre a política de estabilização, que ele mesmo alardeia.  

O assunto, como se observa, é extremamente preocupante. A experiência recente e uma leitura do modelo, por mais superficial que seja, indica que parece irreversível a privatização da Petrobrás. Não se trata de uma política de governo. É mais uma meta a ser cumprida. Ela pode não estar, ainda, explícita nos tais acordos com organismos internacionais. Mas, há uma seqüencia de fatos que indicam tal irreversibilidade, pelo menos dentro da lógica do modelo atual. Soma-se, aí, o porte da empresa no confronto com uma dívida que cresce geometricamente, com a sua importância estratégica no contexto de uma matriz energética internacional que, em termos de reservas, é desfavorável aos países credores. A Petrobrás, pode estar, hoje, vivendo momentos que se parecem com o do gato que, no dito popular, "subiu no telhado".  

Há que se refletir, como se disse anteriormente, se a simbologia da Petrobrás, enquanto marco da soberania nacional, é suficiente para contrapor a todo esse realismo moldado pelos fatos mais recentes, a exemplo dos leilões da Companhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce, dos sistemas elétrico e de telecomunicações. No modelo atual, parece não haver soberania que contraponha ao crescimento da dívida, à sanha dos credores e à importância estratégica dos recursos naturais ainda nas mãos dos países devedores.  

Era de se esperar que o Congresso Nacional, enquanto lugar de destaque para discutir os grandes temas nacionais, polarizasse tal discussão. Mas, aqui, também, os fatos indicam que a história se repete. O Parlamento abriu mão de discutir a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Também silenciou na alienação de serviços essenciais e estratégicos como energia e telecomunicações. Agora, dá sinais de que também não criará, efetivamente, empecilhos à venda da Petrobrás, ainda que "pelas bordas". É bem verdade que algumas vozes de "timbre" significativo, em particular no Senado Federal, tem se levantado contra a privatização, não só da Petrobrás, mas também do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Mas, apesar disso, as negociações de última hora, pelo Governo Federal, tem, sistematicamente, construído maiorias. E o Governo, enquanto gestor dos tais contratos, não tem medido esforços, quando o assunto se relaciona com as metas fiscais ali preconizadas.  

Ainda há tempo. Mas, ele urge. Talvez seja pouco, hoje, campanhas do tipo "o petróleo é nosso". Entretanto, pode ser tarde o dia em que decidirmos pintar, nos muros da nossa consciência, o lema "o Brasil é nosso".  

Era o que eu tinha a dizer,  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/2000 - Página 11426